A história do banco que estampou o boné azul de Ayrton Senna e acabou no centro de uma das maiores fraudes do sistema financeiro
A quebra de um banco vai muito além de um desfecho contábil. A liquidação do Banco Master, anunciada pelo Banco Central nesta terça-feira (18), reforça um ponto conhecido do mercado: quando uma instituição cai, o impacto costuma ultrapassar suas próprias fronteiras.
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O Brasil já viu esse filme antes. Nas últimas décadas, quebras bancárias relevantes obrigaram o Banco Central a agir com firmeza e ajudaram a moldar o arcabouço regulatório que existe hoje. Dessas crises também veio o fortalecimento do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), peça essencial para proteger os depositantes.
E poucos casos ilustram esse processo tão bem quanto o do Banco Nacional.
Por décadas, o Nacional foi sinônimo de prestígio. Mineiro de origem, gigante na expansão e onipresente na mídia, o banco marcou os anos dourados da Fórmula 1 no Brasil como patrocinador do boné azul usado por Ayrton Senna.
Mas atrás do marketing perfeito, crescia uma estrutura contábil paralela que escondia prejuízos acumulados, créditos impossíveis de recuperar e uma engenharia financeira que durou anos sem ser detectada pelo mercado.
Em novembro de 1995, quando o Banco Central interveio, o que emergiu foi um rombo bilionário e uma fraude que até hoje é conhecida como um dos maiores colapsos bancários do país.
Das origens mineiras ao estrelato na F1
Fundado em 1944 como Banco Nacional de Minas Gerais, o grupo controlado pela família Magalhães Pinto, que o nome mais famoso foi José de Magalhães Pinto, ex-governador de Minas, cresceu com velocidade ao longo das décadas seguintes.
No fim dos anos 80 e início dos 90, o Nacional já figurava entre os maiores bancos privados do Brasil, com quase 400 agências.
Foi nessa fase de expansão que o banco fez a jogada de marketing que o tornaria inesquecível: o patrocínio ao então jovem piloto Ayrton Senna, iniciado em 1984. O boné azul com a logomarca do Nacional virou símbolo nacional reconhecido até por quem não era cliente.

Mas a imagem impecável não refletia a realidade dos balanços.
As raízes da fraude: contas fictícias e crédito morto
Os problemas começaram no fim dos anos 1980, mas só foram expostos completamente quando o Banco Central assumiu o controle da instituição, em 1995.
As investigações revelaram uma estrutura de maquiagem contábil sistemática, que se sustentava principalmente por:
Criação de contas fictícias
Foram identificadas 652 contas falsas, usadas para registrar créditos que simplesmente não existiam.
Esses saldos fictícios eram mantidos como se fossem ativos saudáveis, elevando artificialmente o patrimônio líquido do banco.
De acordo com o relatório da Comissão de Inquérito do Bacen, as contas classificadas como Natureza 917 totalizavam R$ 5,37 bilhões em novembro de 1995, o equivalente a aproximadamente 420% do patrimônio líquido do banco nessa data.
Operação “Natureza 917”
Esse era o código interno usado para classificar créditos impossíveis de recuperar, como empresas falidas, desaparecidas ou inexistentes.
Essas operações não eram transferidas para “créditos em liquidação”. Ficavam no balanço como se fossem recuperáveis — sustentando a aparência de solvência.
A fraude começou por volta de 1987 e se manteve até a intervenção do Banco Central.
O novembro de 1995
Em 18 de novembro de 1995, o Banco Central decretou Regime de Administração Especial Temporária (RAET) no Banco Nacional. Era o modo polido de dizer que “o banco quebrou”.

A situação patrimonial já era irreversível.
Em 13 de novembro de 1996, veio a liquidação extrajudicial: era o fim da linha para o grupo.
Segundo relatório técnico que analisou as movimentações do banco, o saldo das contas classificadas como Natureza 917 somava, em novembro de 1995: R$ 5.367.941.632,55 (valor da época).
Quem pagou a conta?
Em 1997, o Ministério Público Federal denunciou 33 executivos e controladores ligados ao banco. Houve condenações em primeira instância em 2002, incluindo integrantes da família Magalhães Pinto.
O Banco Central precisou intervir rapidamente para evitar corrida bancária no sistema e risco de contágio para outras instituições.
A história do Banco Nacional ainda ganharia um capítulo adicional quase três décadas depois.
Em 2024, já no fim do processo de liquidação extrajudicial iniciado em 1996, o BTG Pactual anunciou a aquisição do controle acionário da instituição — não de um banco em operação, mas da companhia residual que restou após anos de desmonte, venda de ativos e solução de passivos.
Com a autorização do Banco Central e o encerramento formal da liquidação em 15 de agosto de 2024, o negócio foi concluído e o Nacional passou a integrar a estrutura societária do BTG.
O FGC
O colapso do Banco Nacional — somado ao do Banco Econômico — ocorreu justamente no período em que o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) havia sido criado, em 1995, para proteger depositantes.
Ainda que o FGC não tenha sido criado exclusivamente por causa do Nacional, o caso ajudou a reforçar a urgência de mecanismos robustos de proteção, inaugurando uma nova etapa da supervisão bancária no país.
O colapso do Nacional acelerou o fortalecimento do FGC, o aperfeiçoamento da regulação bancária e a fiscalização sobre balanços e provisões de crédito.