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A realidade se impõe à distopia de Trump e o Agro não pode – e não vai parar

05 ago 2025, 17:57 - atualizado em 05 ago 2025, 17:58
agronegocio-trump-tarifa
(iStock.com/FG Trade)

Com a edição no último dia 30 de julho do decreto de Donald Trump que oficializou o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros – a despeito da duvidosa legalidade tanto perante as normas de direito internacional, quanto para o próprio direito constitucional norte-americano -, o clima de “barata voa” e de distopia se instaurou de vez em Brasília e na imprensa nacional e internacional.

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Como por dever de ofício este colunista tem que voltar à análise do tema – muito a contragosto, diga-se de passagem, vamos tentar dar cabo da árdua missão de tentar descrever em breves linhas os últimos desdobramentos da distopia Trumpista em relação ao agronegócio brasileiro para tentar trazer alguma racionalidade para um mínimo de reflexão nesse momento de volatilidade e perplexidade aumentadas.

Mais diversionismo do que realidade por enquanto

Como o brilhante escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues procurou sacramentar na concretude nua e crua de sua obra: “A Vida como ela é”, nesse momento para mantermos a lucidez é importante deixarmos de lado a ficção e o diversionismo para encararmos a realidade nua e crua do dia a dia, para criarmos movimento em direção a um cenário mais racional e realista, calcado em fatos muito mais do que em versões.

E a realidade do agronegócio brasileiro é que precisamos produzir, chova ou faça sol, para alimentar cerca de 1 bilhão de indivíduos todo ano no globo terrestre.

Precisamos entregar sustentabilidade e produtos agropecuários produzidos dentro dos parâmetros ambientais corretos para as diversas cadeias produtivas internacionais, inclusive para os norte-americanos, como café, suco de laranja, carnes, biocombustíveis etc.

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Ainda mais importante, o agronegócio brasileiro precisa empreender, assumir riscos, inovar e trabalhar muito. É necessário pagar mais de R$ 1,2 bilhão por ano em dívidas, além de gerar empregos e arrecadar impostos.

Tudo isso resulta em um impacto no PIB de cerca de R$ 2,72 trilhões em 2024, segundo a CNA. A mesma entidade projeta um crescimento de 6,49% para o primeiro trimestre de 2025, mesmo com a volatilidade do “tarifaço”.

Nesse diapasão, alguns fatos já dão pistas da verdadeira motivação norte-americana. Entre eles, os adiamentos da vigência do decreto (agora para 7 de agosto), as isenções para certos produtos e as muitas postagens na internet. A mira do MAGA (Make América Great Again) está, claramente, no competente agronegócio brasileiro.

O que os EUA querem com tal política? 

Entre os efeitos colaterais do tarifaço, além de acentuar o clima de “barata voa” em Brasília, ele aglutina países sobretaxados contra os EUA e, segundo pesquisas, turbina a popularidade do presidente brasileiro.

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Apesar disso, a medida dessa “política” norte-americana de “péssima” vizinhança – não parece ter o objetivo de interferir diretamente na soberania do país. A justificativa para a tarifa é estapafúrdia, colocando o Brasil no mesmo “cesto” político de nações como Coreia do Norte e Irã.

Sinceramente, não podemos crer que o governo norte-americano está tão preocupado assim com a lisura do rito adotado a julgamento a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal conta qualquer cidadão brasileiro.

Ou mesmo preocupado em se vingar ou dar uma lição a qualquer de seus ministros, apesar das sanções já aplicadas àquele ministro que tem nome e – ultimamente – postura de “Czar Russo”, Alexandre.

Também não podemos crer que o governo norte-americano vá sobretaxar cidadãos americanos – eleitores do atual governo – ao tomarem seu cafezinho ou copo de suco de laranja (nesse segundo caso, a isenção ao tarifaço já confirma a premissa) em 50% do custo de importação desses produtos que, num primeiro momento, virão do Brasil já que produzidos e prontos para serem exportados para atender a demanda quase que inelástica em um primeiro momento. 

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Pode se tratar de resposta de política internacional a movimento que os países integrantes dos Brics vêm fazendo em direção a uma nova moeda a lastrear transações internacionais em substituição ao padrão dólar, mas que não faz sentido já que desde o início deste Governo Trump, os próprios EUA vêm solapando a lógica de Breton Woods.

Enfim, também não nos parece que todas as cartas ainda não estão sobre a mesa às claras para entendermos a motivação – nem me parece que os EUA estão adotando postura de que querem negociar algo, diga-se – mas como de Donald Trump podemos esperar qualquer coisa, menos racionalidade, acreditamos que elucubrar em cima disto não nos levaria a lugar qualquer 

A realidade nua e crua deverá se impor aos “tuitaços”

Como cuidado e “canja de galinha” nunca fizeram mal a ninguém muito menos em tempos de volatilidade exacerbada por movimentos inéditos na história cabe-nos ter um olhar de longo prazo e refletir sobre os fundamentos do agronegócio brasileiro e da inserção dos negócios brasileiros nas cadeias internacionais de produção e de consumo, ponderando alguns fatores que nos ajudem a manter o olhar firme na realidade:

  1. A população mundial, segundo a ONU, deve crescer ainda em cerca de 1 bilhão de indivíduos até 2.050, segundo estimativas da FAO, e é fato que fazer face a esse aumento de demanda não deverá ser factível sem o agronegócio brasileiro fazer parte dessa solução global;
  2. Os norte-americanos precisarão se vestir, comer e de um meio-ambiente saudável, como todos os habitantes do globo terrestre, para continuar a subsistir, e sem acessar a produção agropecuária do Brasil, também não se imagina como poderão garantir essa segurança ao longo dos anos; e
  3. Por fim, mas não menos importante, renunciar ao comércio com o Brasil, significaria abrir mão da influência no Cone Sul, colocando a influência norte-americana nessa parte do mundo, que a Doutrina Monroe desde os idos de 1823, já destacava ser de importância vital para os EUA, no “colo” da China.

Aguardando os próximos capítulos

A ver os próximos dias e semanas, porém não surpreenderia a esse colunista a concessão unilateral de novas isenções a produtos como o café ou até novos adiamentos de vigência do tarifaço. Tampouco o Brasil deve deixar a mesa de negociações – se há algum canal nesse momento, enfim – mas deve se mostrar disposto a negociar e não aceitar imposições unilaterais para preservar sua soberania e capacidade de articulação internacional.

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Claro que defaults, adiamentos de operações mais sofisticadas de associações, compra e venda de empresas etc. são esperado e não são salutares ao mercado.

O risco de crédito se exacerba num momento de muito volatilidade e a liquidez se enxuga, ainda mais com fundamentos conjunturais adversos mantidos, como a manutenção da Selic a 15% e fatores de política interna.

Porém, esperamos que a realidade se imponha e que no tempo esse fato historicamente inusitado ganhe o seu lugar na história como um momento em que o aumento de estresse levou a novas soluções estruturantes e perenes, já que toda crise embute uma oportunidade.

Em se falando de agronegócio brasileiro, a própria história noz mostra que temos muita expertise em transformá-las em soluções estruturantes e duradouras como em outros momentos, em outros desafios que já enfrentamos. Avante Brasil.

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André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
andre.passos@moneytimes.com.br
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.