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A Temperatura do Verão no Brasil pós-Trump

02 dez 2016, 21:20 - atualizado em 05 nov 2017, 14:08

Marcelo Petersen Cypriano é sócio e economista-chefe da Mont Capital Gestão de Recursos

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A primavera é uma estação difícil para previsões climáticas. Há períodos quentes intercalados por baixas repentinas de temperatura. O mesmo aconteceu com a temperatura brasileira. Havia uma recuperação da indústria iniciada em março e outra mais geral desde junho. Soubemos nas últimas semanas que a atividade voltou a recuar em agosto e setembro e as prévias anteciparam a queda do PIB trimestral entre julho e setembro.

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Em suma, houve uma alternância de indicadores positivos e negativos ao longo de novembro. O resultado foi o esfriamento da atividade econômica quando se esperava o seu aquecimento e a extensão da recessão até setembro ou depois.

A extensão desta longa crise iniciada em 2014 trouxe várias consequências. Uma delas foi a sequência de balanços de empresas com lucros deprimidos no 3o trimestre. Outra foi o retorno da tensão social, dos protestos e da relevância dos fatos políticos na determinação do preço dos ativos brasileiros.

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Outros desenvolvimentos em novembro foram a repetição de taxas de inflação mensal abaixo do esperado em outubro (0,26%) e nova redução do preço dos combustíveis pela Petrobrás. Enquanto se destacou a demora do repasse do corte na refinaria ao consumidor, o efeito poderoso da redução acumulada de -13% no preço do diesel para estimular a atividade econômica passou despercebido num país centrado no transporte rodoviário.

O bom desempenho da inflação de curto prazo foi prejudicado pela piora do cenário para a inflação em 2017. Uma primeira informação foi a necessidade de reajuste extra na energia elétrica para cobrir custos antigos do sistema, ao passo que a percepção que muito da desvalorização cambial recente é permanente deve estancar as reduções na refinaria e pode até levar a necessidade de elevações do preço dos combustíveis no ano que vem.

A expectativa para a inflação em 2017 recuou adicionalmente, porém ainda de forma insuficiente e a repetição da redução da Selic em apenas 0,25 ponto está incorporando cada vez mais nos preços que o ritmo da flexibilização monetária precisa ser necessariamente cauteloso. As mudanças no comunicado da decisão em 30 de novembro estabeleceram as novas condições para uma eventual aceleração do ritmo de corte em janeiro ou fevereiro.

Novos tempos no exterior

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Outro fato político com repercussões globais foi a eleição de um presidente para os Estados Unidos com a pretensão de implantar nova orientação para a economia americana.

A principal mudança veio da perspectiva de um amplo programa de investimento em infraestrutura nos Estados Unidos, a ser implementado por estímulos fiscais, provavelmente em paralelo a cortes de impostos para a população. Esta perspectiva de forte expansão fiscal promoveu um ajuste imediato nas taxas de juros nos Estados Unidos nos dias subsequentes a vitória do novo presidente. A alta de juros atraiu capitais para os Estados Unidos e promoveu a valorização do dólar frente a maioria das moedas.

Outra mudança prometida pelo novo presidente é a busca do aumento do conteúdo americano na produção industrial dos Estados Unidos, uma forma de trazer de volta a produção de empresas americanas transferida ao exterior. Desde o início dos anos 90, quando a atual onda de globalização ganhou força, o peso da produção industrial na Ásia emergente cresceu de 13% para 29% do total global, enquanto os Estados Unidos recuou de 22% para 19% (a queda mais forte se deu na Europa e Japão).

Embora não seja claro como esse objetivo será alcançado, a mudança de foco da política econômica para objetivos domésticos nos Estados Unidos fez com que a alta de juros pós-eleição fosse vista como desfavorável para o resto do mundo. Títulos de dívida externa corporativa de países emergentes registraram aumento adicional de prêmio de risco e, embora ainda sem clareza sobre alguns instrumentos para a busca dos objetivos citados por Donald Trump, as últimas semanas foram marcadas pela percepção de elevação permanente do custo de capital para empresas situadas em economias emergentes.

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Outro efeito relevante foi a valorização do preço das commodities metálicas. A perspectiva de grandes investimentos na modernização da infraestrutura dos Estados Unidos elevou o preço do minério de ferro, cobre e zinco. O movimento de valorização parece muito prematuro diante do longo período de tempo até que estes investimentos se concretizem, o que pode significar a sua reversão nos próximos meses, mas, de qualquer forma, as últimas semanas mostraram novas características da economia global nos próximos anos. A valorização do petróleo pode fazer parte destas características, embora ainda seja cedo para uma avaliação mais consistente.

A Temperatura do Verão no Brasil

O Brasil se viu influenciado por todas essas perspectivas. O real se desvalorizou rapidamente na sequência da eleição americana e as taxas de juros de prazo mais longo sofreram a dupla influência da alta de juros nos Estados Unidos e do aumento do prêmio de risco em todos os mercados emergentes. A alta das commodities metálicas, mesmo podendo ser apenas uma amostra temporária de um movimento a ocorrer somente daqui a alguns meses, também influenciou o preço das ações na Bovespa.

Apesar das oscilações repentinas da temperatura, alguns fatos ilustram como deve ser a transição da economia brasileira na passagem da primavera para o verão, estação na qual se tem a certeza que a temperatura sobe em bases permanentes e mais estáveis.

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O primeiro fato é o Brasil ser tradicionalmente um país de custo elevado de produção. Não foi, portanto, destino da produção industrial americana transferida para o exterior em busca de custos mais baixos. Como se sabe, os destinos preferenciais foram a China e o México, além de outros menos proeminentes e as vezes surpreendentes.

O segundo fato é a reação da taxa de câmbio brasileira a elevação de juros nos Estados Unidos A taxa atual em torno de R$ 3,40 se aproxima mais da média histórica desde a flutuação em 1999 (R$ 3,50, ajustada pelo diferencial de inflação) e supera por pouco a média desde os anos 1950 (R$ 3,30). O câmbio mais alinhado com o histórico mitiga parcialmente o custo elevado de produção no país durante o início do processo de reorientação da economia para o mercado e busca de maior eficiência e produtividade.

Embora o horizonte do comentário abaixo seja mais longo, a perspectiva de elevação das taxas de juros nos Estados Unidos na medida em que a economia acelere o crescimento (e talvez se inflacione), deve ajudar na sustentação de uma taxa de câmbio que aumente o retorno do capital investido em ativos produtivos no Brasil.

Como o Brasil é mais um fornecedor da indústria americana ao invés de parte de cadeias produtivas globais que porventura sejam concentradas novamente nos Estados Unidos, a recuperação da economia americana com o dólar forte funciona como um estímulo para a economia brasileira e para a valorização das empresas situadas no Brasil.

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O retorno da política

O terceiro fato é mais uma perspectiva. O mês de dezembro vai concluir a votação do limite constitucional dos gastos públicos. Vai também tornar pública a proposta de reforma da previdência. A repercussão das mudanças previdenciárias e a articulação para a sua aprovação começam a mostrar o quanto o presidencialismo de coalizão voltou a funcionar após o impeachment e o grau de consenso em torno do ajuste fiscal de longo prazo.

A dúvida sobre este consenso num momento de crescimento contínuo e acelerado de uma dívida pública muito elevada é o aspecto binário mais importante do cenário brasileiro. Se existe consenso, o país possui condições de voltar a crescer e apresentar uma forte queda na taxa de juros de equilíbrio. Se não existe consenso, vai surgir o temor de uma moratória futura ou do retorno da inflação crônica e elevada. O ruído político em torno das investigações sobre corrupção dificulta a percepção deste aspecto chave.

Um último fato deve ganhar visibilidade ao longo do verão. As últimas semanas mostraram desânimo com a redução da perspectiva de crescimento em 2017. O que aconteceu na verdade foi uma extensão da recessão que tornou o nível de produção no 4o trimestre mais baixo que o estimado antes. O ritmo de crescimento entre janeiro e dezembro de 2017 permanece intacto, mas o ponto de partida mais desfavorável faz com que o PIB esperado para 2017 seja menor e supere por menos a média do PIB em 2016.

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Uma vez que a recessão tenha se estancado em novembro (ou dezembro), o crescimento ao longo de 2017 vai ganhar mais importância e o foco vai passar para a possibilidade de alguma aceleração da atividade. Será uma mudança de ambiente importante, pois a economia terá encolhido por mais de 30 meses, o que torna a recessão atual a mais longa desde o início da datação dos ciclos em 1980 e a maior queda acumulada do PIB desde as estimativas iniciadas em 1901.

Cenário é de mais lucros e menos risco em 2017

A mudança de ambiente, assim como de temperatura, será visível. Um choque da magnitude ocorrida no início de novembro com a eleição de Donald Trump é muito raro e não se repete com frequência. Pela lei das probabilidades, os próximos choques devem ser de magnitude mais contida.

A clareza de uma estratégia mais gradual para a política monetária brasileira é positiva para o desempenho da Bovespa no longo prazo e não gerou ruídos de curto prazo para o preço das ações, mesmo diante da percepção de queda adicional da atividade no Brasil e instabilidade no exterior.

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O gradualismo monetário, uma vez mantido, deve consolidar a trajetória mais longa de redução da volatilidade dos títulos públicos e, possivelmente, também da Bovespa, o que reverteria a alta da volatilidade pós-Trump. A taxa de câmbio deve continuar com pequena tendência a apreciação em períodos sem novos fatos, intercalados com desvalorizações moderadas quando os indicadores americanos se mostrarem mais fortes. Na média, devemos ter um câmbio mais desvalorizado em 2017.

Os desenvolvimentos políticos devem se centrar na construção de consensos em torno de reformas chaves, embora cercado de ruídos, e espera-se que os fundamentos econômicos voltem a predominar na evolução do preço dos ativos nos próximos meses. A percepção da existência (ou não) de consenso para uma ampla reforma de previdência será o único fato político a mover substancialmente o preço dos ativos brasileiros.

O cenário para o próximo ano permanece centrado na recuperação da atividade econômica, ao mesmo tempo em que as empresas seguem reduzindo custos e seus quadros de pessoal. Este cenário é favorável para a recuperação dos lucros das empresas pela maior eficiência e produtividade no uso dos fatores trabalho e capital. O valor das empresas mais ligadas a história doméstica da saída da recessão também deve crescer de forma mais substancial para refletir o maior retorno de seus ativos e a redução do endividamento corporativo.

O crescimento em 2017, mesmo que moderado, deve se associar a alta contínua da Bovespa e a valorização dos títulos longos pela redução da Selic e menor percepção de risco macroeconômico no Brasil. O aumento da temperatura do verão no Brasil deve se associar, finalmente, ao aquecimento mais consistente da atividade econômica.

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Uma versão deste texto é o relatório mensal da Mont Capital Gestão de Recursos

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Fundador do Money Times | Editor
Fundador do Money Times. Antes, foi repórter de O Financista, Editor e colunista de Exame.com, repórter do Brasil Econômico, Invest News e InfoMoney.
gustavo.kahil@moneytimes.com.br
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