Após 12 semanas de revisões baixistas para a inflação, o que ainda segura o Banco Central?

Finalmente, tivemos a tão aguardada fala de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, no Simpósio de Jackson Hole, em Wyoming.
O discurso esteve em linha com a leitura que o mercado já havia consolidado no início do mês, fazendo de agosto uma janela marginalmente mais favorável — sobretudo em contraste com julho, quando o dólar voltou a se fortalecer de maneira significativa.
Agora, o movimento se inverteu, reproduzindo a dinâmica que prevaleceu no primeiro semestre, marcada por um dólar mais fraco.
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O ponto de inflexão foi o payroll de julho, que trouxe sinais mais nítidos de fraqueza no mercado de trabalho americano.
Esse dado reacendeu as apostas em cortes de juros nos Estados Unidos, enfraquecendo o dólar e dando sustentação aos ativos de risco — dinâmica semelhante àquela que predominou no primeiro semestre, em contraste com o quadro de julho.
Caso a taxa básica americana recue para algo próximo a 3%, a justificativa para manter a Selic em 15% perde força, o que abre espaço para cortes na taxa doméstica e, ao mesmo tempo, favorece a entrada de capital estrangeiro por meio da estratégia de carry trade.
Em outras palavras, a fala de Powell abriu espaço para o mercado acreditar em cortes de juros ainda neste ano.
No Brasil, as expectativas de inflação seguem em trajetória de queda: já são 12 semanas consecutivas de revisões baixistas no Boletim Focus para o IPCA, e tudo indica que a próxima semana marcará a décima terceira.
Esse movimento fortalece as chances de cortes de juros ainda em 2025 por aqui.
Historicamente, uma virada de ciclo da Selic costuma redirecionar fluxos para a bolsa, que já encontraria um suporte adicional.
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Naturalmente, porém, qualquer decisão de flexibilização monetária dependerá de inflação efetivamente controlada, da reancoragem das expectativas e de sinais mais claros de desaceleração econômica.
Com esses vetores gradualmente se alinhando, cresce a probabilidade de um ciclo mais construtivo para o mercado local, ainda que a trajetória permaneça fortemente condicionada ao cenário global.
Afinal, a Selic continua intrinsecamente vinculada ao calendário de cortes nos juros americanos, que por sua vez está travado pela incerteza em torno da guerra comercial conduzida por Donald Trump.
Caso o impacto tarifário se mostre limitado — e sobretudo na ausência de uma escalada direcionada ao Brasil —, abre-se espaço para que o primeiro corte na taxa Selic ocorra já em dezembro.
Do lado doméstico, há fundamentos consistentes para acreditar que a inflação brasileira possa encerrar 2025 abaixo de 5%, o que reforçaria a possibilidade de o Banco Central antecipar o início dos cortes na Selic.
Para que esse movimento se materialize, será necessário que a inflação corrente continue convergindo de forma qualitativamente benigna, que a atividade doméstica mantenha um processo gradual de desaceleração e que o ambiente externo caminhe em direção semelhante — ou seja, inflação mais controlada e crescimento menos aquecido nos EUA, criando espaço para cortes também por lá entre setembro e outubro.
Assim, se o quadro comercial não sofrer novas tensões, não surgirem surpresas fiscais relevantes no curto prazo e a inflação seguir convergindo para baixo — no Brasil e no exterior — acompanhada de sinais de desaceleração da atividade global, abre-se espaço para levar a Selic a patamares mais baixos.
Mesmo uma taxa eventualmente abaixo de 12% em 2026, embora ainda elevada, representaria um alívio relevante frente aos níveis atuais e contribuiria para um ambiente mais construtivo para os ativos domésticos.
No entanto, o horizonte político já começa a pesar sobre as expectativas.
As eleições de 2026 ganham espaço, e as pesquisas reforçam o quadro de polarização, um fator de preocupação adicional para os mercados.
O rali esperado para os próximos 18 meses dependerá não apenas da política monetária, mas também da formação de expectativas em torno do processo eleitoral.
O mercado buscará um projeto claramente reformista e fiscalista para 2027, capaz de destravar reformas estruturais e reancorar expectativas, abrindo espaço para cortes adicionais de juros.
Nesse tabuleiro, movimentos recentes do Centrão indicam uma tendência de aproximação com o ex-presidente Jair Bolsonaro, com definição de apoio prevista até o fim deste ano ou no início do próximo.
De certa forma, mantido um ambiente de relativa pacificação política e institucional, uma tendência marginalmente mais positiva pode se sustentar, impulsionada tanto pela expectativa de cortes de juros quanto pela gradual incorporação de um rali eleitoral aos preços dos ativos.