Thinking outside the box

Argentina arruma a casa; e o Brasil segue empurrando a sujeira para debaixo do tapete

25 jul 2025, 16:14 - atualizado em 25 jul 2025, 16:14
milei argentina
(Imagem: REUTERS/Agustin Marcarian)

A Argentina vive, hoje, um daqueles momentos que raramente surgem no radar dos investidores: a improvável combinação de fundamentos econômicos em rápida melhora com ativos ainda negociados a preços descontados.

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Já abordamos anteriormente os primeiros sinais de mudança institucional e econômica no país vizinho. De lá para cá, o que era indício virou tendência: o ímpeto reformista não só resistiu ao tempo, como ganhou força, solidez política e, agora, começa a redesenhar o horizonte macroeconômico argentino. A tese por trás do investimento no país está fundamentada em uma ruptura estrutural.

Após décadas de populismo fiscal, descrédito institucional e episódios de inflação galopante, a chegada de Javier Milei ao poder representou um corte cirúrgico — e necessário — com o passado. Com discurso liberal de raiz e um plano de ajuste fiscal sem floreios, Milei não apenas venceu: está entregando o que prometeu com uma rapidez que surpreende até os mais céticos.

Em apenas 18 meses, o país engatou o ajuste macroeconômico mais agressivo em quase oito décadas. E os resultados começam a aparecer de maneira objetiva: o déficit primário deu lugar a um superávit; a crucial “Lei de Bases” foi aprovada no Congresso, oferecendo sustentação institucional para as reformas; e, mesmo com a inflação ainda elevada, a tendência de desinflação é nítida — e, mais do que isso, consistente. Isso tudo mesmo após uma maxidesvalorização de 150% do peso argentino. Ou seja, o tratamento é severo, mas dá resultado.

A inflação já não apenas desacelera — ela recua em ritmo e em surpresa. Em junho, o índice subiu 1,6%, pouco acima dos 1,5% de maio, mas ainda bem abaixo das estimativas de mercado. No acumulado de 12 meses, o IPC caiu de 43,5% para 39,4%. Para colocar em perspectiva: há um ano, esse número beirava 80%. Em 2025, o acumulado está em 15,1% — um feito notável, principalmente se considerarmos o caminho ortodoxo trilhado até aqui.

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Em uma América Latina que, nos últimos anos, se habituou à leniência populista, o caso argentino surge como um ponto fora da curva — e, quem diria, com potencial de virada real. Para quem observa com atenção, talvez estejamos testemunhando o nascimento de uma nova narrativa — não apenas para a Argentina, mas para o investidor latino-americano cansado de promessas ocas.

O orçamento federal da Argentina para 2025 projeta uma inflação em torno de 20% e, ao mesmo tempo, sinaliza mais um ano de contas públicas equilibradas. Essa combinação, que seria quase fantasiosa em tempos recentes, reforça a percepção de que, desta vez, há um compromisso genuíno com o reequilíbrio fiscal — e mais: sugere que a tese de investimento na Argentina não se baseia apenas em expectativas, mas começa a ser ancorada em fundamentos cada vez mais sólidos. É claro que a execução do plano continua cercada de riscos — toda reestruturação agressiva caminha sobre terreno instável —, mas o ponto central permanece: algo estruturalmente novo está em curso no país vizinho.

A travessia, previsivelmente, foi árdua. Reformas profundas nunca vêm sem custo. Ainda assim, os primeiros sinais vitais começam a aparecer com clareza. Em abril de 2025, a atividade econômica cresceu 1,9% em relação a março. Quando comparado a abril de 2024, o salto foi ainda mais expressivo: 7,7%. Em maio, o avanço anualizado foi de 5% — o sétimo mês consecutivo de crescimento, mesmo que o número tenha vindo um pouco abaixo da expectativa (+5,8%). O crescimento vem de setores-chave — comércio, indústria, construção civil e intermediação financeira —, exatamente aqueles que costumam liderar ciclos sustentáveis de retomada. Um contraste incômodo com o crescimento brasileiro, cada vez mais apoiado em estímulos pontuais e bases frágeis.

Outro indicador relevante é a taxa de pobreza. Para o primeiro semestre de 2025, a estimativa é de 31,6%, com intervalo de confiança entre 30,1% e 33,1%. O número continua elevado? Sim. Mas seria intelectualmente desonesto ignorar a trajetória. Não faz muito tempo, a pobreza ultrapassava a marca de 50%. A queda, portanto, não é trivial: reflete diretamente a adoção de políticas impopulares, duras, mas tecnicamente corretas — e cujos efeitos começam a aparecer nos dados, sem necessidade de floreios retóricos.

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Mesmo diante de um ajuste fiscal severo, Javier Milei mantém um nível de popularidade surpreendente — especialmente quando comparado a seus antecessores no mesmo estágio de governo. A confiança no atual governo permanece consistentemente acima dos índices registrados durante os mandatos de Cristina Kirchner, Mauricio Macri e Alberto Fernández.

Ou seja, mesmo em meio ao aperto, Milei preserva um ativo raro: credibilidade pública. E é esse capital político que lhe permite manter a coesão institucional necessária para avançar na agenda de reformas. No fim das contas, os números já contam a história: a Argentina, pela primeira vez em muito tempo, caminha em linha reta. E talvez seja o caso de ajustar o retrovisor.

De acordo com os dados mais recentes, 60% da população argentina avalia positivamente — ou ao menos de forma “regular positiva” — o governo Milei. Em outras palavras: mesmo com reformas duras, inflação ainda elevada e um mercado de trabalho fragilizado, o presidente mantém uma taxa de aprovação superior à de seus antecessores em contextos muito menos desafiadores.

Trata-se de uma resiliência política rara, quase anômala no padrão latino-americano, marcado por volatilidade e impaciência. Mas não é apenas um dado simbólico: esse apoio sustenta a legitimidade necessária para manter o ritmo das reformas estruturais e garante a Milei um ativo político de primeira ordem.

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É com esse pano de fundo que o país se aproxima das eleições legislativas de 26 de outubro de 2025, quando estarão em jogo 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados (para mandato entre 2025 e 2029) e 24 das 72 cadeiras do Senado (mandato 2025–2031). As pesquisas apontam que o partido de Milei pode alcançar mais de 40% dos votos, enquanto seu principal aliado, o partido de Mauricio Macri, aparece com cerca de 5%. Dependendo da distribuição final dos assentos, essa aliança poderá deixá-lo próximo da maioria legislativa — e, com isso, destravar uma nova rodada de reformas, possivelmente ainda mais profundas. Um cenário que poucos imaginariam meses atrás.

Historicamente, a Argentina ocupou o papel de espelho invertido: um retrato do que não fazer, um laboratório de populismos autodestrutivos que, de tempos em tempos, nos oferecia uma prévia dos erros que o Brasil também poderia cometer. Agora, em uma dessas ironias que a história às vezes permite, esse mesmo espelho começa a refletir algo mais promissor que o nosso próprio reflexo.

O estilo de Milei pode ser barulhento, teatral, por vezes constrangedor — mas os frutos de suas decisões começam a aparecer. E o mais incômodo para os vizinhos é perceber que há, sim, vida política e viabilidade econômica fora da camisa de força do populismo latino-americano. Aquele mesmo populismo travestido de compaixão social que nos entregou décadas de crescimento pífio, inflação crônica e irresponsabilidade fiscal disfarçada de bondade.

Hoje, os números da Argentina inspiram. O país fez o que precisava ser feito — sem disfarces, sem contabilidade criativa, sem meias palavras. A pergunta que fica, inevitável e desconfortável, é: e nós? Teremos coragem de seguir esse caminho quando o momento chegar, em outubro do ano que vem? Ou cederemos, mais uma vez, ao canto de sereia das promessas fáceis e dos discursos inflamados, que garantem o presente à custa do futuro e travam o país em sua marcha da mediocridade? A resposta virá das urnas. Só resta saber se estaremos prontos para escolhê-la com a sobriedade que o momento exige.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.