Argentina: Sombra de calote, avanço econômico e polêmicas pautam 2025 — mas otimismo para 2026 está elevado
A Argentina tem sido o foco dos investidores nos últimos anos, desde que o autointitulado ultraliberal Javier Milei assumiu a chefia da Casa Rosada, sede do governo federal. Suas reformas visavam reintroduzir o setor privado na economia e abriram os olhos do mundo para o país, que arrasta uma crise econômica há quase uma década.
A passagem do bastão do ex-presidente Alberto Fernandéz, de linha peronista à esquerda, em 2024, não veio sem protestos. Os sucessivos cortes de benefícios sociais, suspensão de subsídios, entre outras medidas impopulares, fizeram com que diversas centrais sindicais e movimentos sociais fossem às ruas contra o governo Milei.
Do mesmo modo, um escândalo de corrupção envolvendo Diego Spagnuolo, ex-chefe da Agência Nacional de Pessoas com Deficiência (ANDIS), ligavam Karina Milei, irmã do presidente, a um esquema de repasse de 3% de uma farmacêutica ligada à agência, arranhando ainda mais a imagem do governo.
Apesar disso, é inegável que os números da economia argentina melhoraram nos últimos anos: a inflação acumulada de 2024 foi de aproximadamente 118%, enquanto a de 2025 deve fechar o ano em 30,4% e chegar em 2026 a 18,2%, segundo projeções de um relatório recente do BTG Pactual.
Do mesmo modo, as reservas internacionais, antes negativas, caminham para fechar o ano com saldo positivo de US$ 6,1 bilhões, após terem encerrado 2024 com déficit de US$ 2,4 bilhões.
Além disso, Milei colecionou algumas vitórias políticas ao longo de 2025, o que deu fôlego para os próximos dois anos da gestão do ultraliberal.
Veja a seguir um balanço de 2025 e o que analistas esperam do 2026 da Argentina.
Argentina: O ano de Javier Milei em 2025
“Pareceram vários anos desde janeiro”, afirmou Sofia Ordoñez, analista do BTG Pactual sediada em Buenos Aires. Ela também caracterizou o ano como uma “verdadeira montanha-russa” devido à intensidade dos eventos.
Para Ordoñez, o programa econômico começou 2025 com sinais de exaustão por dois principais motivos: a perda de reservas internacionais e a perspectiva de que o crawling peg fugiria, em breve, das mãos do governo.
“O governo vinha perdendo reservas e o plano de estabelecer um crawling peg de 1% estava cada vez menos crível”, disse, em referência ao regime de câmbio flutuante dentro da banda de 1%, proposto pela administração de Milei.
Isso porque, para manter a variação do dólar dentro da banda estipulada, é necessário a intervenção do Banco Central no mercado, utilizando as reservas para pressionar o câmbio para baixo.
As coisas começaram a melhorar no fim de abril, com o acordo de financiamento de US$ 20 bilhões firmado junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para reforçar o pacote de reformas econômicas.
Contudo, a tensão pré-eleitoral na província de Buenos Aires voltou a embaralhar o jogo. A vitória da coalizão peronista na maior província da Argentina em setembro deste ano afetou o sentimento geral do mercado. Isso porque, em outubro, aconteceriam as eleições legislativas no país, o que poderia gerar uma guinada da oposição no Parlamento, afetando a perspectiva de novas reformas.
Quem veio ajudar o turbulento cenário eleitoral foi ninguém menos que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — com uma bolada de US$ 20 bilhões para os cofres argentinos por meio de um swap cambial.
Vale lembrar que este é um mecanismo complementar a um outro empréstimo, de igual valor, que seria financiado por instituições privadas, mas que foi suspenso na sequência das eleições.
Depois disso, veio a surpresa eleitoral de 2025: o La Libertad Avanza (LLA), partido de Milei, conseguiu um total de 92 dos 257 assentos na Câmara e 19 dos 72 assentos no Senado. A coalisão feita com outros partidos de centro e centro-direita abriu caminho para os novos pacotes de reformas estruturais para 2026.
O futuro da Argentina: O que falta fazer?
Na visão de Ordoñez, as duas reformas que faltam para a Argentina voltar aos trilhos e conseguir de novo acesso aos mercados internacionais de crédito (entenda mais abaixo) são de caráter tributário e trabalhista.
Começando pelo final, a Argentina passa por um processo parecido com o do Brasil de aumento da informalidade, algo intensificado pela crise econômica no país vizinho.
Apesar da taxa de desemprego ter se mantido no patamar histórico de cerca de 6% nos últimos anos, algo em torno de 45% a 50% da força de trabalho do país está atualmente na informalidade. Para efeitos de comparação, no Brasil, esse número gira em torno dos 40%, segundo dados do IBGE.
“Isso não quer dizer apenas que eles não têm seguridade social, mas que também não pagam impostos, e a Argentina precisa desse dinheiro agora”, comenta a analista do BTG.
A proposta de Milei é um pacote de reformas que traga esses trabalhadores para a formalidade, alterando regras de contratação para pequenas e médias empresas.
Já a reforma tributária exigirá um esforço maior da coalizão governista. Na visão de Ordoñez, ela não deve ser “tão ambiciosa” quanto o esperado devido à própria estrutura de cobrança de impostos da Argentina.
O governo nacional consegue ajustar de forma mais fácil os impostos federais, mas precisará firmar acordos para garantir mudanças a nível municipal e provincial (o equivalente aos estados no Brasil).
Com isso, o governo pode começar a sonhar com o próximo passo: o acúmulo de reservas.
Tudo isso por um punhado de dólares
A Argentina carece de reservas internacionais para honrar suas contas externas. Por enquanto, o país conseguiu — empréstimo após empréstimo, vale dizer — dar sequência nas reformas estruturais, mas a excessiva dependência de transferências externas ligou um sinal amarelo para os analistas.
“O principal problema agora são as contas externas. Você tem entre US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões para o pagamento de quase US$ 44 bilhões ao FMI até 2027. Então, eles estão com um problema de déficit estrutural externo”, afirma Roberto Dumas, professor da FIA Business School.
O objetivo de Milei em 2026 passa a ser voltar ao mercado internacional de crédito e acumular reservas. “Se excluirmos o dinheiro do FMI, as reservas líquidas da Argentina estão em níveis negativos de mais de dois dígitos, semelhante ao patamar de quando Milei assumiu o cargo”, comentam os analistas do BTG Pactual, em relatório.
Por isso, a Argentina precisa voltar a ter confiança dos investidores de que está no caminho certo, isto é, aprovar as reformas e voltar a ter o controle das contas públicas.
Na visão de Dumas, o calote da dívida argentina — algo que sempre assombrou o país ao longo de sua história — é improvável. “O que pode acontecer é uma forte reestruturação da dívida com uma forte ajuda do FMI, graças a uma amizade que ele [Milei] tem com Donald Trump”, comenta.
A situação pode ser descrita como um carro com um motor potente, mas sem combustível: o cenário é animador, mas ainda falta confiança para a injeção de dinheiro na economia da Argentina.
Até lá, os analistas veem com “otimismo cauteloso” o caminho do país em 2026: as reformas estruturais são vistas com bons olhos, no entanto, ainda é preciso ver um acúmulo mais consistente de reservas para enxergar o futuro com mais apetite pelo risco argentino.