Articulador hábil, Múcio na Defesa terá desafio de debelar tensões com cúpula militar

Com trânsito pelos vários espectros ideológicos –a ponto de ser elogiado tanto por Luiz Inácio Lula da Silva como Jair Bolsonaro— e com acesso fácil a diversos setores da administração pública, José Múcio Monteiro lançará mão dessas capacidades à frente do Ministério da Defesa, que voltará a ser comandado por um civil em janeiro após quase cinco anos.
Bem visto pelos militares, o futuro ministro anunciado por Lula nesta sexta-feira terá uma tarefa delicada ao assumir a Defesa. Além de ser o primeiro civil após quatro militares no comando da pasta, assumirá possivelmente no momento de maior tensão dos militares –que participaram maciçamente do governo do presidente Jair Bolsonaro– com relação a Lula, tensão essa que não ocorreu nos oito anos que o petista presidiu o país pela primeira vez.
Entre os episódios de tensionamento inédito desde a redemocratização está o suporte dado por integrantes da cúpula militar aos questionamentos do atual presidente às urnas eletrônicas.
Convidados a participarem de uma comissão de transparência eleitoral, levantaram questionamentos infundados e chegaram a elaborar um relatório após o pleito que, mesmo sem apontar fraudes, apontou vulnerabilidades hipotéticas no sistema.
Também após a vitória eleitoral de Lula, o atual cúpula militar chegou a aventar a saída antecipada da chefia de Exército, Marinha e Aeronáutica para não se subordinarem ao petista a partir de janeiro, mas a ideia de forçar um vácuo de poder pode perder tração já que o presidente eleito anunciou que, ainda nesta sexta, terá uma conversa com Múcio, com a expectativa de anunciar os futuros comandantes das três forças.
“Depois que terminar o jogo do brasil eu vou ter uma reunião com ele (Múcio) e os comandantes que ele já conversou para que a gente possa começar a discutir o futuro do nosso país”, disse Lula, em Brasília.
O traquejo político e a facilidade de relacionamento de Múcio, de 74 anos, talvez sejam explicados pelo fato de já ter, ao longo de décadas de carreira pública, circulado entre os Poderes da República e passado por partidos de diferentes matizes ideológicas –chegou a presidir o PFL, também integrou as fileiras do PSDB e, no PTB, foi líder do governo Lula na Câmara dos Deputados e ministro responsável pela articulação política do petista.
Múcio iniciou a carreira política na década de 1970, filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que dava sustentação política ao regime militar instaurado após um golpe em 1964. Com o fim do bipartidarismo, filiou-se ao PDS, sucessor da Arena, e posteriormente ao PFL, partido que posteriormente mudou de nome para Democratas (DEM) e atualmente é o União Brasil, após fusão com o PSL. Entre 1992 e 1993 foi presidente nacional da legenda.
Em 1981, elegeu-se prefeito da cidade pernambucana de Rio Formoso, tomando posse em 1982, mas permanecendo no cargo somente até 1983, quando assumiu a presidência da então companhia energética de Pernambuco, Celpe.
De 1991 e 2009 iniciou um período de sucessivos mandatos de deputado federal, pelo antigo PFL, depois pelo PSDB e ainda pelo PTB, pelo qual foi líder do governo Lula na Câmara em 2007, mesmo ano em que se licenciou do mandato parlamentar para assumir o posto de ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
Em 2005, quando era líder do PTB na Câmara, participou –segundo confirmou à época– de reunião em que o então presidente da sigla, Roberto Jefferson, denunciou a Lula o esquema que ficou conhecido como mensalão.
“Apaixonado”
Também licenciou-se em outros momentos do mandato parlamentar para ocupar cargos no Executivo, como o de secretário de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente da prefeitura de Recife.
Em 2009 renunciou ao mandato de deputado para assumir cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), corte que presidiu entre 2019 e 2020.
Prova do trânsito fácil que tem entre os vários espectros ideológicos é o fato de que volta agora a trabalhar com Lula pouco tempo depois de ter recebido elogios públicos do atual vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que é general da reserva, e de Bolsonaro, que deixará o cargo em 31 de dezembro.
Ao comentar ao portal Metrópoles a possibilidade de Múcio assumir a Defesa, Mourão disse que o ex-ministro do TCU era “muito bem visto pelas Forças Armadas“, o classificou como “jeitoso” e disse ter “muito apreço e respeito” por ele.
Já Bolsonaro, em evento em 2020, declarou-se “apaixonado” por Múcio, lamentou a então saída dele do posto de ministro do TCU e praticamente o convidou para, se quisesse, assumir um cargo em seu governo.
“Se a saudade lhe bater, venha para cá. Estará entre nós, pode ter certeza, no nosso primeiro time para do outro lado aqui, do Executivo, traçarmos e bem fazermos política para o futuro da nossa nação. Zé Múcio, me permite, eu sou apaixonado por você”, disse Bolsonaro na ocasião.
Aparentemente a saudade bateu, mas possivelmente a paixão de Bolsonaro não só não foi correspondida, como também direcionada a seu maior adversário político.