Banco Master: Crescimento acelerado, riscos e a liquidação que acendeu o alerta no sistema financeiro
Quando a esmola é muita, até o santo desconfia. Esse ditado popular poderia estampar a lápide do agora finado Banco Master, que, com o nome e a forma atuais, surgiu em 2018 e cresceu de maneira meteórica.
Em quatro anos, o banco de Daniel Vorcaro multiplicou por dez seu patrimônio e quintuplicou a carteira de crédito. O combustível vinha da captação agressiva de CDBs, com rendimentos que chegavam a 140% do CDI, apoiados no Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
Em caso de quebra — como de fato aconteceu —, investidores têm direito a receber até R$ 250 mil por CPF e instituição.
Foi uma engrenagem que funcionou por algum tempo, mas que passou a mostrar sinais claros de esgotamento. Não demorou para o Banco Central notar que a operação carregava riscos elevados. Isso porque a captação agressiva ocorria sem lastro sólido suficiente, o que colocou o banco sob maior escrutínio antes de a situação desandar e chegar à liquidação.
O modelo se tornava cada vez mais dependente de recursos de investidores atraídos por retornos elevados e riscos muito acima da média do mercado.
Mais do que captar, o problema também estava no destino do dinheiro. Cerca de 34% do patrimônio do banco era composto por créditos a receber — como precatórios e direitos creditórios oriundos de ações judiciais —, na contramão dos grandes bancos, cuja carteira é formada majoritariamente por empréstimos ao varejo, ao atacado e a grandes empresas.
Além disso, o Master ficou conhecido por conceder empréstimos elevados a companhias em dificuldades financeiras.
“Historicamente, a supervisão bancária sempre olhou muito para a forma como os bancos captam recursos — ou seja, a relação entre captação e patrimônio, a chamada alavancagem. Isso continua sendo importante”, afirma Leandro Vilain, CEO da ABBC (Associação Brasileira de Bancos).
Na avaliação dele, porém, o caso reforça a necessidade de observar também onde o banco está alocando os recursos captados. “Não basta avaliar apenas o passivo; é preciso observar a qualidade dos ativos”, diz.
Segundo Vilain, quando um banco capta recursos e empresta para atividades tradicionais — como crédito comercial ou financiamento ao consumo —, o risco é menor e pode ser absorvido pelo patrimônio.
O problema surge quando esses recursos são direcionados a ativos de difícil mensuração ou alto risco, como precatórios, empresas em recuperação judicial ou estruturas pouco transparentes. “Esse tipo de alocação precisa ser monitorado de forma muito mais rigorosa”, afirma.
BRB entra na jogada
Com a situação cada vez mais delicada, Vorcaro passou a buscar um comprador — e encontrou o BRB, banco estatal que, nos últimos anos, acelerou sua expansão nacional.
Em março, o conselho da estatal aprovou a compra de 58% do capital do Master, em uma operação estimada em cerca de R$ 2 bilhões, uma das maiores aquisições bancárias recentes no Brasil.
Caso fosse concretizada, o BRB afirmou que o conglomerado BRB/Master teria cerca de R$ 100 bilhões em ativos. A aquisição era vista, naquele momento, como uma possível solução para o Banco Master.
Diante do tamanho da operação, órgãos de controle passaram a acompanhar o processo. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) solicitou esclarecimentos sobre as condições da compra, enquanto o Ministério Público de Contas do DF (MPCDF) pediu acesso completo ao processo administrativo.
Em junho, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a operação sem restrições, ao avaliar que não haveria riscos relevantes à concorrência.
Enquanto a venda não se concretizava, o Master precisava de liquidez para honrar compromissos. Em maio, o FGC concedeu uma linha de crédito de R$ 4 bilhões, inicialmente por 30 dias, que acabou sendo renovada e estendida por mais duas vezes.
Mas…
A quase aquisição sempre despertou desconfiança entre agentes do mercado, que viam na operação uma espécie de salvamento, com o agravante de envolver um banco público. Além do império financeiro, Vorcaro também havia construído uma rede de apoios políticos em Brasília, o que tornava o cenário ainda mais nebuloso.
Em setembro, veio a primeira grande derrota do banqueiro: o Banco Central vetou a compra, citando falta de viabilidade econômica e riscos na absorção de ativos, já que o BRB precisaria assumir, integral ou parcialmente, operações de baixa transparência do Master.
Um dos pontos centrais do veto foi a informação de que o BRB havia adquirido uma carteira de crédito de R$ 1 bilhão do Master sem a devida transparência.
Último suspiro
No dia 17 de novembro, a Fictor — holding fundada em 2007, com atuação nos setores de alimentos, investimentos e infraestrutura, além de patrocinadora do Palmeiras — apresentou uma proposta que incluía um aporte imediato de R$ 3 bilhões para reforçar a estrutura de capital do Master.
Parecia a solução ideal para uma novela que se arrastava havia meses: sem ajuda estatal, sem ingerência política e com uma saída construída pelo próprio mercado, como sempre defenderam agentes financeiros.
No comunicado, a Fictor informou ainda que o consórcio pretendia adquirir a totalidade das ações de Daniel Vorcaro. O Will Bank e o Banco Master Investimentos ficariam de fora do negócio.
No dia seguinte, porém, veio a bomba: Vorcaro foi preso e o Banco Master, liquidado, no âmbito de uma investigação que apura um esquema de criação e negociação de títulos de crédito inexistentes envolvendo instituições do Sistema Financeiro Nacional.
As suspeitas incluem gestão fraudulenta, gestão temerária e participação em organização criminosa.
Segundo as investigações, o Master teria repassado ao BRB cerca de R$ 12,2 bilhões em carteiras fictícias, apresentando documentos falsificados ao Banco Central. O então presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, foi afastado do cargo por 60 dias.
O pós-caso Master
O Banco Master nunca foi tratado como risco sistêmico, já que se tratava de uma instituição de menor porte e com baixa interconexão com o sistema financeiro.
“O Master não é um banco com relacionamento interbancário significativo. Sim, alguns bancos compram seus papéis, mas não na magnitude observada em grandes instituições. Portanto, não há risco sistêmico”, afirma Luis Miguel Santacreu, gerente de análise da Austin Rating.
Segundo ele, as maiores perdas recaem sobre depositantes com valores acima de R$ 250 mil e algumas entidades que adquiriram letras financeiras.
“Isso não afeta o sistema bancário como um todo. Risco sistêmico seria a quebra de um Itaú ou Bradesco, que têm milhões de depositantes. O Master tem milhares”, diz.
Na avaliação de Vilain, o FGC também foi decisivo para conter danos maiores.
“O Brasil tem um sistema financeiro muito avançado. O modelo do FGC é comparável aos melhores do mundo, com a vantagem de ser financiado por recursos privados. Funciona bem, é robusto e atravessou grandes crises com tranquilidade”, afirma.
Agora, a discussão se volta para os ajustes necessários para evitar um novo caso semelhante.
Banqueiros avaliam que será preciso atualizar regras, especialmente diante das mudanças no mercado, como o uso intensivo das redes sociais para a venda de produtos financeiros.
Segundo Vilain, o mercado está aberto a discutir mudanças, mas o ponto central segue sendo definir exatamente o que precisa ser alterado.
“Um aspecto sensível é a comunicação com o investidor final. Em alguns casos, houve um excesso de confiança na cobertura do FGC, como se isso eliminasse completamente o risco”, afirma.
Novela com o STF
Agora, as novas polêmicas do Master estão no colo do STF (Supremo Tribunal Federal). Tudo porque o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) apareceu em um documento apreendido com Vorcaro.
Por ter foro privilegiado, o caso foi movido para a estância maior, até que seja definida a instância judicial adequada para tratar do assunto.
No meio disso tudo, reportagens do jornal O Globo dão conta de que o ministro Alexandre de Moraes, supostamente, teria pressionado o presidente do BC, Gabriel Galípolo, e a autoridade monetária a aprovarem uma solução para o Banco Master. Em notas, Moraes negou qualquer atuação.
Enquanto isso, o ministro Toffoli, marcou, para a próxima terça-feira, dia 30 de dezembro, acareação entre Vorcaro, o ex-presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Ailton de Aquino Santos.
A medida foi questionada por juristas e até pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
No pedido, que foi rejeitado por Toffoli, Paulo Gonet, sustentou que a realização da acareação neste estágio da investigação seria prematura.
O procurador-geral argumentou que o Código de Processo Penal prevê o uso do instrumento preferencialmente após o interrogatório dos investigados, quando há divergências identificáveis em relação a outros depoimentos ou testemunhos.
Para Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, há um grande risco de fuga de investimentos no Brasil em caso do processo demorar a ser resolvido ou mesmo terminar em pizza, ou seja, sem punição.
“Em qualquer outro lugar do mundo, as ferramentas de reparação são muito mais efetivas. E, mais do que elas, as práticas concretas de prevenção de danos. Aqui, infelizmente, super estruturas jurídicas são postas, no mínimo, para retardar medidas de compensação”.
Com informações do Seu Dinheiro e Reuters