Biocombustível

Batata quente de Bolsonaro não é só o açúcar pelo etanol dos EUA, mas o renovável brasileiro também

01 set 2020, 12:44 - atualizado em 01 set 2020, 12:49
Sacas de açúcar
A cota brasileira para o açúcar nos Estados Unidos cobre apenas 2% das importações totais do país (Imagem: REUTERS/Sergio Moraes)

Em 31 de agosto de 2019 expirou a cota de 600 milhões de litros ao etanol importado, livre de impostos, 90% coberto pelos Estados Unidos. E o Brasil deu nova cota, elevando em mais 150 milhões/l, justificando, então, que o governo Trump negociaria a liberação de mais açúcar brasileiro.

Nada mudou e o açúcar continuou com a parcela de 150 mil toneladas anuais, performada por até um usina média se for o caso, e, nesse momento, o governo tem uma batata quente na mão, porque, também, há a questão do etanol brasileiro naquele mercado.

A cota americana deixou de valer ontem (31), a Tarifa Externa Comum (TEC) de 20% vige para qualquer volume do biocombustível de fora do Mercosul, e o presidente Jair Bolsonaro vai ter que tomar uma decisão sob pressão do governo dos EUA, que quer o fim do sistema, mas, certamente ficaria contente se ao menos fosse renovado o lote free atual de 750 milhões/l.

Em 2019, essa cota foi moderadamente ultrapassada, mas em 2018 o País comprou 1,6 bilhão de litros. Com a crise econômica, vinda pelo novo coranavírus, se estendendo por bom tempo, os EUA querem mais mercado.

Improvável acreditar que o presidente Donald Trump aceitará muitos dias a vigência de taxas sobre seu etanol.

Renato Cunha, presidente da Novabio, nacional, e do Sindaçúcar Pernambuco, tem escutado que os Estados Unidos estariam articulando com o Brasil uma prorrogação por 90 dias desse limite. É no Nordeste que é internado a quase totalidade do biocombustível de milho e com a safra 20/21 já se abrindo em alguns estados.

As informações de Brasília, porém, são de que haverá maior contundência, desta vez, na negociação de reciprocidade para o açúcar, “cuja cota de 150 mil toneladas livre de imposto é ínfima e é seis vezes menor, em equivalência, ao o que o País beneficia o etanol de milho americano”, afirma Cunha.

Acima desse limite, há a cobrança proibitiva de US$ 340 por tonelada. Daí que o Brasil jamais extrapola essa cota, que representa aproximadamente 2% de todo o açúcar importado pelos EUA, como disse o executivo anteriormente ao Money Times.

O tom otimista, no entanto, prevalece entre os agentes. Tanto quanto Cunha, Pedro Robério de Melo Nogueira, presidente do Sindaçúcar Alagoas, maior produtor nordestino, mostra-se com um fio de esperança, após várias audiências na Esplanada dos Ministérios e no Palácio do Planalto.

“O normal, segundo a normativa, é não ter cota; a exceção é a cota”, diz o executivo, que também afirma não estar observando nenhum movimento nos bastidores do governo para relaxar a pendência.

Etanol brasileiro

Classificar a questão do açúcar estratégica para os EUA não se sustenta. A produção local é pequena, apesar de cara, e o país é importador líquido. Tampouco o governo local, atual, está preocupado com o deslocamento de parte do fornecimento de países pobres da América Central e Caribe, caso seja dado limite adicional ao Brasil.

O jogo ficou mais embaralhado este ano porque o etanol brasileiro foi envolvido.

Passou quase desapercebido que o presidente Donald Trump diversas vezes reclamou que o etanol de cana brasileiro goza de mercado mais livre. Paga um imposto ad valorem de 2,45% a 5% e ainda tem um prêmio extra, pela sua qualidade na pegada de carbono, em estados mais avançados nas políticas ambientais e com mandato de mistura mais elevada na gasolina. Caso da Califórnia.

A média trienal de embarques de etanol para aquele mercado foi de 1,5 bilhão de litros e, em 2019, houve um ganho em dólares de 23%, chegando a US$ 628 milhões.

Ante o consumo normal de combustível dos EUA, o volume brasileiro é pequeno, o que justifica a baixa tarifa de importação sobre o produto daqui. E nunca houve pressão dos produtores de milho do Meio-Oeste, nem das indústrias.

Mas, pandemia cá, onde a redução do consumo chegou a 30% – a recuperação vem lenta nos últimos 2,5 meses -, pandemia lá. A queda da demanda pelo álcool anidro americano foi elevada, tanto quanto o recuo da gasolina. E agora o país precisa jogar o excedente em algum lugar e os agricultores têm que escoar o cereal que sempre foi destinado às destilarias, porque, com mais de 300 milhões de toneladas de produção, não há mercado externo para a sobra quando se tem a concorrência do Brasil e da Argentina nesse negócio com a commodity.

Onde mais senão o Brasil para dar vazão a esse etanol, o único mercado flex global e consolidado? E de onde barrar o etanol senão do Brasil, se for o caso, pouco provável, de o presidente Jair Bolsonaro endurecer?

Petróleo

Há alguns dias, Donald Trump falou em exigir reciprocidade e até em usar o instrumento tarifário, para “corrigir desequilíbrios”, em resposta às críticas dos Democratas que viram mobilização do embaixador Todd Chapman em fazer o Brasil aceitar a pressão americana e favorecer a reeleição do presidente, por hora complicada, no pleito de novembro.

Ele não estava falando de açúcar; falava de etanol.

Das exportações nacionais do combustível renovável, 1,7 bilhão de litros na safra 19/20, pouco mais de 60% vão para o país da América do Norte.

Para piorar, há também interesses cruzados com a indústria do petróleo e seu poderoso lobby em Washington. Se já fosse pouco os interesses dos produtores rurais, que devotaram apoio a Trump, as petroleiras também não querem ouvir falar em etanol na mistura com a gasolina, seja americano ou de terceiros. A mistura de 15%, regulamentada com várias exceções, ainda sofre pressão e nem todos os estados a aceitam. No Texas, nem pensar.

 

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Repórter no Agro Times
Jornalista de muitas redações nacionais e internacionais, sempre em economia, após um improvável debut em ‘cultura e variedades’, no final dos anos de 1970, está estacionado no agronegócio há certo tempo e, no Money Times, desde 2019.
giovanni.lorenzon@moneytimes.com.br
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