Brasil amplia foco no trigo argentino após Milei zerar imposto e pressiona preços locais

As compras de trigo argentino pelos moinhos brasileiros tendem a aumentar ainda mais após uma medida do governo de Javier Milei nesta semana para zerar o imposto de exportação de grãos e derivados na Argentina, o que é mais um fator de pressão aos preços pagos aos agricultores no Brasil, segundo especialistas e integrantes do setor.
A Argentina, tradicionalmente o maior exportador de trigo ao Brasil, já vinha dominando o mercado brasileiro em 2025 com folga. De janeiro a agosto, o volume importado do país vizinho somou 3,66 milhões de toneladas, de um total de 4,68 milhões de toneladas de todas as origens, segundo dados do governo brasileiro.
O volume importado da Argentina pelo Brasil cresceu 24% ante o mesmo período do ano passado, atingindo o maior patamar anual até agosto desde 2021 (3,8 milhões de toneladas), segundo os números, com o país vizinho ampliando sua safra nos últimos anos enquanto a produção brasileira foi frustrada pelo clima no ano passado.
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“Com a redução do imposto, a tendência é aumentar as compras da Argentina em detrimento de outros países. Para os produtores nacionais de trigo, o impacto deve ser negativo, pois os preços têm ficado próximos à paridade de importação”, disse Flávio Turra, gerente técnico e econômico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), segundo maior Estado produtor de trigo do Brasil, que está em época de colheita.
O imposto de exportação de trigo na Argentina, antes de 9,5%, foi zerado temporariamente pelo governo Milei, em uma tentativa de aumentar a oferta doméstica de moeda estrangeira. A medida de isenção de imposto a outros produtos também tem impulsionado compras de soja argentina pela China.
Questionado, o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, afirmou não ter tido informação dos moinhos sobre o impacto da isenção do imposto na exportação da Argentina, mas ele destacou que “o trigo argentino hoje é o mais barato, e estamos vendo compras crescentes do Brasil da Argentina nos últimos meses”.
Segundo Carlos Hugo Godinho, especialista em trigo do Departamento de Economia Rural (Deral), do governo do Paraná, o imposto zerado no país vizinho é “mais um elemento de pressão nos nossos preços internos”, que já estavam afetados pelas cotações globais em função de boa produção no mundo, pela perda de força do dólar frente ao real e com a boa safra na Argentina.
Os preços do trigo no Paraná recuaram mais de 9% no acumulado do mês, para R$1.275/tonelada, segundo dados do indicador do centro de estudos Cepea.
“Está tudo pressionando agora”, afirmou Godinho.
Um encarregado de compras de trigo de um grande moinho em São Paulo, que falou na condição de anonimato, disse que o mercado caiu US$2 a US$3 por tonelada na Argentina, desde o anúncio.
Mas que o setor está mais focado na safra nova, que deve ser grande se o clima continuar favorável, o que exige cautela diante da possibilidade de novas quedas nos preços.
“Estamos esperando para ver até onde vem (o preço). Agora, quem precisa, está comprando”, declarou.
O executivo comentou que, por outro lado, a medida argentina é um “desastre” para o agricultor brasileiro, pois adiciona mais pressão sobre o mercado justamente em momento de colheita.
“Afetar negócio da safra nova nacional, com certeza vai, pois o preço de paridade vai ficar mais baixo ainda”, disse Godinho.
O Paraná já está colhendo sua safra de trigo, com a colheita atingindo 41% da área cultivada, segundo dados do Deral.
A safra tem bom potencial produtivo, disse Turra, da Ocepar.
“Expectativa de safra maior do que a anterior, apesar de a área plantada ter sofrido queda de cerca de 25%”, afirmou ele, lembrando que o clima foi mais favorável em 2025.
O desestímulo com as cotações e reduções de safras impactadas por adversidades climáticas levaram produtores a reduzir a área plantada em 2025.