Caio Mesquita: Vencendo a gravidade

Sou grande admirador de Scott Galloway, tendo-o citado com alguma frequência por aqui. Recomendo, em particular, seu podcast — especialmente o “Prof G Markets”, apresentado em conjunto com seu pupilo, Ed Elson.
Apesar de ser um pouco “liberal” (no sentido americano) para o meu gosto, Galloway traz excelentes comentários sobre as estratégias das principais empresas dos Estados Unidos. Se você ainda não ouviu, fica aqui a recomendação.
Recentemente, recebi uma newsletter dele com o título: “Earners vs Owners”. Vale a leitura. Mas, mais do que isso, vale a reflexão.
Galloway parte de uma distinção incômoda, porém verdadeira: entre quem trabalha pelo dinheiro e quem faz o dinheiro trabalhar. Assim, ele divide as pessoas entre os muitos “earners” e os poucos “owners”.
Essa distinção fica ainda mais evidente agora, em pleno mês de maio, com o prazo da declaração do Imposto de Renda batendo à porta. Temos até o dia 30 para acertar as contas com o Leão. E, como sempre, quem depende de salário é quem mais sangra.
Um assalariado no Brasil pode pagar até 27,5% de IR sobre sua renda mensal, retido direto na fonte, antes mesmo de ver o dinheiro. Já quem vive de dividendos… nada paga. Desde 1996, os dividendos são isentos no Brasil. Você pode receber R$ 100 mil por mês em lucros e não pagar um centavo de IR sobre isso.
Nos Estados Unidos, ao menos, a diferença é menor. Lá, dividendos são tributados em 15% ou 20%, dependendo da faixa de renda. Ainda é vantajoso em relação ao salário, que pode ser taxado em até 37%, mas há ao menos uma tentativa de equilíbrio.
Independentemente do país, porém, o sistema tende a premiar quem tem capital (owners), e castigar quem só tem o tempo para vender (earners).
Os earners são os que vivem do contracheque. Médicos, advogados, executivos, servidores. Gente que trabalha muito e, muitas vezes, vive bem. Mas que precisa continuar correndo. O dinheiro entra e sai. O relógio manda em tudo.
A legislação tributária permite algum planejamento: liberais e autônomos conseguem estruturar parte da remuneração via dividendos, aliviando a carga fiscal. Ainda assim, earners continuam sendo earners.
Já os owners vivem outra realidade. Acumularam ativos: imóveis, ações, empresas, cotas de fundos. Os rendimentos chegam sem que precisem sair de casa. Não dependem de esforço físico, nem de horas extras. Depende de tempo, paciência e uma estratégia clara de acumulação.
A condição necessária e suficiente para evoluir de earner para owner passa pela acumulação do capital necessário e aqui Galloway traz uma analogia interessante.
O americano compara a construção de patrimônio com o lançamento de um foguete rumo ao espaço. Para sair da atmosfera, é preciso queimar 95% do combustível. O mesmo acontece com o dinheiro: nos primeiros anos, a gravidade dos gastos é esmagadora. Cada real poupado é uma batalha.
Poupar os primeiros R$ 100 mil é um inferno. Requer esforço contínuo, sacrifício, disciplina, e parece que nada anda. Mas, uma vez ultrapassada a estratosfera, tudo muda. Os R$ 100 mil seguintes vêm mais rápido. O motor da composição começa a agir. Você enxerga a curvatura da Terra e, com ela, um novo horizonte.
O segredo está em sobreviver à decolagem.
Chega um ponto em que sua renda atual excede seus gastos com folga. E, mais importante, seu patrimônio trabalha por você. Você dorme, e ele rende. Compra tempo, segurança, tranquilidade. E tudo isso com um tratamento tributário vantajoso.
Claro que é difícil, mas é possível. Não exige genialidade. Só exige constância. Comprar ativos todo mês. Reinvestir os rendimentos. Gastar menos do que se ganha. Evitar dívidas burras. E entender que o jogo é de décadas, não de meses.
Estamos no meio do prazo da declaração de IR. Aproveite o momento para olhar suas fontes de renda com atenção. Pergunte-se: estou na coluna dos earners ou estou, aos poucos, migrando para o lado dos owners?
E se quiser começar a virar a chave, não espere a próxima restituição. Comece agora.