Coluna do Hsia Hua Sheng

China: economia está em transição estrutural; o que isso significa?

30 maio 2023, 10:50 - atualizado em 30 maio 2023, 10:52
China, População, Taxa de Natalidade
(Imagem: REUTERS/Aly Song)

*As análises e opiniões são pessoais e não representam uma visão institucional

Mesmo que a economia chinesa tenha se expandido desde janeiro, nos últimos dias, muitos especialistas em China mostraram preocupação quanto ao ritmo desse crescimento. Todos esperavam uma rápida recuperação após a reabertura.

No entanto, ficaram desapontados com os dados oficiais de abril sobre as vendas de varejo doméstico, além de exportações e importações, taxa de desemprego, entre outros. Afinal, a economia chinesa está desacelerando?

Especialistas que trabalham com investimento e análise de curto prazo, especificamente nas operações de mercado financeiro, acreditam que a economia chinesa está desacelerando rapidamente. Aliás, o ritmo lento da recuperação da economia chinesa foi citado como justificativa nas recentes quedas significativas de preços de ativos relacionados a commodities.

É o caso tanto nos preços de contrato futuro de minério de ferro, por exemplo, quanto nos preços das ações das empresas relacionadas, como a Vale (VALE3).

China vai além do curto prazo

Já os especialistas que trabalham com a análise e investimentos de longo prazo são mais otimistas. Eles, inclusive, acreditam que essa desaceleração é temporária.

Por exemplo, mesmo que atualmente o nível de consumo interno esteja abaixo da expectativa, o mercado consumidor doméstico chinês continua com grande potencial de crescimento de demanda. Além disso, a tração de investimento direto estrangeiro e alocação de ativos estrangeiro na China continua.

Afinal, os centros de pesquisas e as empresas ocidentais de altas tecnologias continuam fazendo parceria de desenvolvimento com as empresas chinesas. Mais que isso, várias empresas europeias também estão fazendo joint venture ou fusões e aquisições na cadeia produtiva dos setores automotivo e energias renováveis na China.

A determinação da China em superar “armadilha da renda média” e alcançar uma renda mais elevada pode explicar esse sentimento mais otimista.  Segundo Banco Mundial, a “armadilha da renda média” refere-se às dificuldades enfrentadas pelos países que atingiram um certo nível intermediário de renda e visam superá-lo, elevando ainda mais o desenvolvimento econômico.

O que isso significa?

Para vencer essa “armadilha”, a China estaria sacrificando seu desempenho econômico de curto prazo. Ou seja, o país está reduzindo indústrias com menor teor tecnológico e menos eficientes. Ao mesmo tempo, promove uma mudança estrutural na sua produção industrial.

Por exemplo, normalmente, as empresas com menos teor tecnológico são os que mais empregam trabalhadores. Com o fechamento dessas fábricas ineficientes ou poluidoras, principalmente após a pandemia, essas empresas deixaram de atender às demandas de exportações. Consequentemente, os trabalhadores perderam seus empregos.

Infelizmente, a mobilidade da mão de obra entre diferentes indústrias requer tempo, bem como reciclagem profissional e técnica apropriada. Essa demora e incerteza faz como que os trabalhadores poupem mais dinheiro como precaução e só consomem o que é essencial.

E é por isso que os indicadores de consumo de varejo interno caem, assim como a taxa de exportação da China, ao passo que o desemprego aumenta. Tudo isso acaba afetando negativamente os indicadores macroeconômicos e, em último caso, o PIB da China.

Portanto, para continuar vencendo essa armadilha, é necessário que um país esteja preparado para o sacrifício em mudar a situação atual. Só assim é possível fazer uma transição estrutural em direção a uma economia capaz de aumentar a renda nacional de forma sustentável a longo prazo.

Os pontos críticos dessa transição são reformas profundas nos aspectos institucionais e governanças, além de recursos humanos, tecnológicos e organizacionais. Por exemplo, desregulamentar o mercado financeiro e simplificar o controle dos sistemas monetário e cambial são fundamentais.

Isso porque permite aumentar não só dinamismo da economia real, mas também a integração do mercado financeiro local aos mercados globais. É essa transformação orientada ao mercado que pode reduzir o risco dessa transição e impulsionar um país para superar a tal “armadilha da renda média”.

Mudanças vêm aí

A maioria dos países em desenvolvimento que estava sofrendo com essa barreira não consegue superar essa armadilha. Isso porque o sacrifício econômico no curto prazo é enorme.

Muitas vezes, a própria sociedade não quer pagar essa conta e não aceita mudar. O Brasil, por exemplo, que uma vez criou um “milagre econômico” na década de 1970, ainda hoje, não se tornou um país de alta renda.

Assim, ao atingir um bom estágio econômico em sua história após 40 anos de reformas econômicas, a China também quer evitar essa armadilha. No entanto, a única diferença é adicionar mais uma responsabilidade social nessa caminhada.

Por isso, desde 2019, a China tem implementado gradualmente reformas institucionais para elevar continuamente o nível de renda nacional. Ao mesmo tempo, visa promover uma distribuição mais equitativa da riqueza através do programa de prosperidade comum.

Nesse sentido, China está em uma transição estrutural capaz de executar uma política industrial mais moderna, de alto valor tecnológico daqui a até dez anos. Isso significa que as indústrias chinesas serão cada vez mais eficientes e orientadas pela alta tecnologia, além da baixa emissão de carbono e do uso intensivo de robôs inteligentes.

Com isso, surgem as chamadas Indústrias 4.0, com aplicação de Inteligência Artificial, supercomputadores e big data no mundo digital para otimizar os modelos e procedimentos das operações. Tem-se, então, uma nova industrialização, comprometida com os princípios de governança socioambiental (ESG) e de mudanças climáticas, voltada à energia limpa. Além disso, há um maior engajamento da pesquisa e desenvolvimento tecnológico em toda cadeia de produção para garantir a autossuficiência.

Entenda o que é

Assim, embora as medidas sanitárias de combate à covid-19 tenham reduzido o ritmo dessa transição estrutural da China nos últimos anos, a implementação dessa política industrial tem gerados resultados importantes nessa caminhada. Por exemplo, o avanço e aumento significativo da participação das indústrias de veículos elétricos (EVs) e da indústria de energia renováveis no PIB da China.

Portanto, não é que a economia chinesa está desacelerando. Ao contrário, está em transição estrutural para evitar a armadilha de renda média. Com isso, durante essa transição, os indicadores econômicos podem oscilar mais em relação às expectativas do mercado.

E o Brasil com isso?

Porém, isso não significa que os chineses vão parar de consumir os produtos – inclusive brasileiros – nesse período.

Aliás, para analisar os potenciais impactos dessa modernização da China na pauta do comércio bilateral com o Brasil, é preciso analisar de forma segmentada por setor, tendo em conta o horizonte de tempo sob esse ângulo de transição. Afinal, os chineses não vão deixar de comer ou vão comer menos grãos, carne, frango etc. porque está em transição estrutural.

Já a decisão de comprar um imóvel ou móveis de decoração pode ser adiada. Afinal, isso não é um “consumo” essencial.

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Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
hsia.sheng@moneytimes.com.br
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Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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