Guerra comercial entre EUA e China pode forçar Banco Central brasileiro a ‘praticar juros menores’, diz estudo do Bradesco; entenda

O Comitê de Política Monetária (Copom) acontece na próxima semana, e o mercado, apesar de não querer uma nova alta neste momento para a taxa Selic, pode esperar que ela ocorra — ao menos, em 0,50 ponto percentual (p.p.).
Isso porque, segundo o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, no Brasil, o cenário permanece desafiador para a condução da política monetária.
A guerra das tarifas recíprocas anunciadas pelos Estados Unidos (EUA), e as posteriores retaliações com a China, resultaram em elevação dos índices de incerteza global a níveis históricos.
“Embora as tarifas tenham viés inflacionário para os EUA, acreditamos que o excesso de oferta de bens industriais chineses resultará em uma ligeira desaceleração dos preços no Brasil”, dizem. “Nossas novas hipóteses contemplam o viés altista da atividade brasileira que se vinha observando nos dados do primeiro trimestre, com a incorporação da desaceleração global, em nossa economia”, completam.
Contudo, o banco destaca que o efeito na atividade e nos preços, a longo prazo, abre margem para que o Banco Central pratique juros um pouco menores do que no cenário anterior.
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Cenário doméstico no Brasil: Selic a 14,75% e PIB a 1,8%
Passando um pouco para o âmbito nacional, é estimado que o PIB brasileiro cresça 1,8% em 2025 — isso, considerando os dados mais fortes do primeiro trimestre do ano.
Na estimativa, o desvio do comércio de bens industriais chineses para o resto do mundo, antes exportados para os EUA, devem ter impacto baixista nos preços. Isso, ao mesmo tempo, em que a queda das commodities energéticas devam trazer um alívio aos preços de combustíveis.
Por outro lado, o Bradesco estima que, com a maior demanda chinesa por soja, milho e carnes, é provável um aumento dos prêmios dos preços domésticos em relação às cotações internacionais.
Devido a esses fatores, a o departamento econômico do banco informa que o cenário do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para este ano, não foi alterado, permanecendo uma estimativa de 5,6%. Já para 2026, o efeito desinflacionário de bens industriais se combina com a desaceleração da atividade decorrente do aperto monetário e do menor PIB global, levando o indicador de 3,8%, para 3,7%.
Do lado do BC, o Bradesco acredita que o colegiado seguirá o plano de subir a taxa Selic em mais 0,5 p.p., encerrando o ciclo em 14,75% ao ano. “A mudança do cenário global nos parece forte o suficiente para que o colegiado debata a possibilidade de interrupção do ciclo de alta já na próxima reunião“, dizem.
Contudo, os analistas ressaltam que a comunicação prévia, o nível da desancoragem das expectativas e do modelo em relação à meta devem fazer o Copom optar por seguir com o aperto monetário por mais uma reunião, dada a ausência, neste momento, de clareza sobre os desfechos do cenário global.
No segundo trimestre, a desaceleração da economia permitirá que o corte de juros se inicie em dezembro, chegando a 11,75% em 2026.
No caso do dólar, a visão é de um número “mais fraco” no âmbito global, com uma projeção de câmbio para o final de 2025 e de 2026 na faixa dos R$ 5,80.
Além disso, para a equipe, usualmente, uma desaceleração do crescimento na China tenderia a causar uma depreciação do real. No entanto, a pauta exportadora à China ficou um pouco menos sensível ao ciclo econômico.
A incerteza histórica com o troca-troca das tarifas
O começo dessa troca de farpas tarifária, começou ao início do mês de abril, e agora, essa elevação traz a possibilidade de uma mudança relevante no nível de preços dos produtos importados pelos EUA — mesmo que atualmente as tarifas, que superam os 10% mínimos, estejam suspensas por 90 dias.
Para a equipe, ainda que a suspensão revele algum recuo diante da forte reação de preços de ativos, ela não remove a baixa previsibilidade econômica.
Atualmente, além da tarifa mínima, outros recortes setoriais específicos também ocorreram no período. No caso de aço e automóveis, por exemplo, a tarifa é de 25%, enquanto no de petróleo, as tarifas seguem zeradas. Para smartphones, computadores, semicondutores e outros produtos eletrônicos de origem chinesa, por outro lado, as tarifas estão temporariamente isentas.
Mas, nem tudo são flores. Apesar da suspensão, as retaliações dos outros países e o conflito direto com a China adicionaram camadas de imprevisibilidade ao cenário. Isso porque, com a escalada relevante das tensões, uma das maiores economias do mundo elevou em até 125% a tarifa de importação de produtos americanos.
A equipe do Bradesco ressalta que há receios de que o conflito comercial possa se estender para uma disputa financeira, afetando ativos e a mobilidade de capitais entre os países.
“Esse nível de tarifas jamais foi visto na história americana”, destacam. “As consequências são potencialmente severas em preços, custos e planos de compras e investimentos, através do aperto das condições financeiras, da imprevisibilidade operacional das companhias e da incerteza quanto ao nível de demanda com que as empresas irão se deparar”.
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Nas estimativas do banco, a tarifa média ponderada de importação dos EUA está próxima de 30%, partindo de pouco abaixo de 5% no final do ano passado e já considerando a suspensão de 90 dias das tarifas adicionais, onde essa conta é particularmente influenciada pelas tarifas impostas à China, supondo a manutenção da participação dos produtos importados chineses na pauta dos EUA.
No entanto, essa participação deve se reduzir bastante nos próximos meses, uma vez que os produtos serão muito caros. “Ainda assim, a tarifa média ponderada seguirá acima de 20%. No primeiro mandato do presidente Trump, as tarifas médias subiram de aproximadamente 2,5% para 4,5%”, pontuam.
EUA pós ‘tarifaço’ de Trump: O que o Bradesco projeta a longo praz0?
Nesse contexto, as estimativas de crescimento norte-americano, por exemplo, foram revisadas pelo banco, de 2,0% para zero, neste ano. Além dela, a estimativa para o núcleo da inflação dos EUA também foi reajustada, de 2,5% para 3,6%, considerado um patamar elevado para os padrões norte-americanos.
“Essa elevação de tarifas deve trazer uma mudança relevante no nível de preços dos produtos importados pelos EUA, sejam eles bens de consumo finais ou intermediários”, ponderam. “Do lado das empresas norte-americanas, pode haver alguma compressão nas margens operacionais, mas, mesmo assim, o consumidor final deverá pagar uma parte desse aumento de custos”.
Em relação ao crescimento, é entendível que esse nível de incerteza irá trazer alguma paralisação aos investimentos, onde o baixo horizonte de previsão, aumento do custo de financiamento nas curvas de mercado, queda dos preços de ativos e redução da riqueza, pressionem o PIB — que deve desacelerar a partir do segundo trimestre.
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Para o Federal Reserve, a equipe destaca que haverá uma clara divergência entre seus dois mandatos. Isso porque, por um lado, a inflação irá subir. Por outro, a economia vai desacelerar e isso terá impacto sobre o mercado de trabalho.
“Entendemos que o comitê irá avaliar com cautela os próximos meses, mas, ao final do ano, terá acumulado evidências de que o risco de recessão é superior ao risco do descontrole inflacionário, fazendo dois cortes ainda em 2025″, dizem.
Para o Bradesco, o PIB global deve desacelerar de 3,1%, para 2,3%. “Em momentos de quedas relevantes das bolsas globais, acima de 10%, é comum vermos recuo importante da produção industrial global e, consequentemente, do PIB como um todo”, explicam.
A equipe ressalta que é um efeito “bastante estressado”. No entanto, por ora, é considerado um impacto bem menor, visto que não está sendo observada disputas se acirrando entre países taxados — mas sim disputas concentradas com os EUA.
“É possível que novos acordos comerciais sejam feitos, fluxos de comércio se rearranjem, a produção global se realoque e os governos consigam coordenar estímulos e evitar uma recessão profunda. De fato, até aqui, o maior impacto deve ficar nos EUA”, pontuam.
Além disso, a estimativa é de que outras regiões também sejam afetadas. Para a Europa, é esperado uma redução de aproximadamente 0,4 p.p. do PIB. Já no caso da China, maior alvo das tarifas, uma redução de 1 p.p.