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Clube FII: A ameaça do e-commerce aos shoppings – O caso brasileiro

27 jun 2019, 18:04 - atualizado em 27 jun 2019, 18:04
Em primeiro lugar, atribuir a perda de rentabilidade e até mesmo o desaparecimento de alguns shoppings americanos exclusivamente ao fenômeno do e-commerce significa enxergar apenas um pedaço da história(Imagem: Pixabay)

Por Leandro Bousquet Viana para o Clube FII  

Em praticamente 100% dos encontros que temos com investidores, analistas e jornalistas, uma em cada três questões que recebemos está relacionada aos impactos que o crescimento do comércio eletrônico – e consequentes mudanças nos hábitos de consumo dos indivíduos – têm e terão na indústria de shopping centers no Brasil e no mundo.

A preocupação com o futuro da indústria de shopping centers é absolutamente legítima e pertinente na medida em que, além de ser um setor relevante para a economia de qualquer país (no Brasil é responsável pela geração de mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos), é a principal classe de ativos imobiliários na bolsa brasileira, com mais de R$ 46 bilhões de market cap, incluindo ações e cotas de fundos imobiliários. Entender, portanto, o impacto do fenômeno e-commerce na rentabilidade e demanda por espaços de shopping centers é fundamental para qualquer investidor com uma perspectiva de longo prazo.

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Se tomarmos como base o exemplo americano, onde esse debate é hoje em dia mais quente, o grande vencedor, à primeira vista, é o e-commerce, com consequências bastante visíveis para a indústria de shopping centers, como o fechamento de mais de 8.000 lojas no ano passado, perda de rentabilidade e valor das propriedades, chegando ao desaparecimento de alguns shoppings de pequeno e médio portes.

O case dos Estados Unidos não é nada animador como indicativo de qual será o futuro da nossa indústria quando o e-commerce estiver plenamente desenvolvido por estas bandas. Entretanto, não podemos aplicar um simples copy/ paste para o caso brasileiro por algumas razões que espero enumerar e discutir a seguir.

Em primeiro lugar, atribuir a perda de rentabilidade e até mesmo o desaparecimento de alguns shoppings americanos exclusivamente ao fenômeno do e-commerce significa enxergar apenas um pedaço da história. A penetração da indústria de shoppings nos EUA nos últimos 50 anos atingiu patamares muito além do razoável, com claros sinais de excesso de oferta de metros quadrados de ABL [área bruta locável, o que definitivamente não é o caso no Brasil.

Apenas para listar alguns números dessa comparação, a indústria de shoppings americana totaliza mais de 47 mil centros comerciais contra apenas 568 no Brasil. Em ABL, são 383 milhões de m2 nos EUA contra 16,3 milhões por aqui. Mesmo quando ajustamos pelas respectivas populações, a distância continua astronômica, com cada americano podendo contar com cerca de 1,2 m² à sua disposição, contra menos de meros 8 cm2 para os brasileiros. No pico do desenvolvimento do mercado americano, entre as décadas de 1980 e 1990, foram inaugurados em média 1.600 novos shoppings por ano, número três vezes maior que o estoque total atual do Brasil.

Por essa razão, a produtividade dessa indústria no Brasil é historicamente muito superior aos números americanos. Recordo-me de quando, ainda na brMalls, recebemos a visita do David Simon (CEO da maior empresa de shoppings dos EUA) para uma avaliação das oportunidades de negócios no País e ele custou a acreditar que os números de vendas e NOI [net operating income] por m2 pudessem ser tão altos no Brasil. Mesmo com a combinação de uma expressiva desvalorização do real com a pior recessão da nossa história, a média do  NOI/m2 das companhias abertas no Brasil é ainda mais de 60% mais alta do que a das empresas americanas (R$ 1.300/m2 contra cerca de R$ 800/m2).

A clara situação de excesso de oferta do mercado americano é, por si só, razão suficiente para o ajuste de produtividade e, mesmo em alguns casos, destruição de parte dos metros quadrados em excesso. É inegável que o e-commerce atuou como catalisador nesse processo, mas os shoppings em excesso já tinham um ‘encontro marcado’ com o ‘fechamento das portas’, independentemente do empurrãozinho da Amazon. Essa definitivamente não é a situação no Brasil.

Outro importante elemento de proteção dos shoppings brasileiros em relação aos efeitos da mudança de hábitos de consumo trazidos pelo e-commerce está ligado à localização dos shoppings daqui, quando comparados ao caso americano.

A grande verdade é que os efeitos dessa mudança nos hábitos de consumo vêm impactando os shoppings pouco a pouco e há muitos anos. Se compararmos o tenant mix de um shopping 20 anos atrás com o atual, vamos perceber uma mudança significativa, com o share de alimentação, gastronomia, entretenimento, lazer e serviços muito mais relevante nos dias de hoje. Há muito que os shoppings deixaram de ser apenas centros de compras para tornarem-se destinations. Essa saudável tendência, em que os shoppings brasileiros avançaram muito mais rapidamente do que seus pares americanos, não implicou necessariamente em aluguéis/m2 mais baixos que aqueles pagos pelos ditos ‘varejistas tradicionais’.

É exatamente pelo fato dessa mudança de perfil de mix que a localização dos shoppings brasileiros gera uma enorme vantagem em relação aos americanos. Enquanto nos EUA os shoppings foram em sua grande maioria desenvolvidos em áreas fora dos grandes centros urbanos (subúrbios), no Brasil, a ausência de uma boa infraestrutura de transporte obrigou os empreendedores locais a posicionarem seus empreendimentos dentro das principais áreas residenciais densamente povoadas. Sobre essa característica, adicione-se o fato de as cidades brasileiras serem mais verticalizadas e adensadas do que as americanas, que pela mesma razão se desenvolveram de forma mais ‘radial’.

A consequência é que os shoppings brasileiros estão muito mais bem posicionados para abrigar o novo mix e se adaptar às novas tendências de consumo. Basta imaginar e comparar a disposição de um consumidor numa sexta à noite tomando a decisão de escolher um shopping como opção para o ‘combo’ Uber + Cinema + Jantar a cinco minutos da sua casa versus dirigir 30 km por uma autoestrada para fazer o mesmo programa.

Por último, se olharmos o outro lado da equação, veremos que o modelo de desenvolvimento do e-commerce no Brasil parece trilhar caminhos um pouco diferentes do americano.  Os mesmos desafios de infraestrutura que contribuíram para concentrar os nossos shoppings próximos às áreas mais adensadas representam o principal gargalo para o pleno desenvolvimento de um modelo eficiente e confiável para que o e-commerce possa percorrer o last mile em território brasileiro. Nesse sentido, o modelo de omni-channel parece encontrar campo fértil por aqui, o que faz com que as lojas físicas continuem a exercer papel relevante na cadeia do varejo. Afinal, enquanto o cliente final está no last mile para um centro de distribuição localizado nos arredores das grandes cidades, ele estará no first mile para uma loja de shopping dentro da malha urbana.

Adicione-se o fato de que, até o momento, o e-commerce no Brasil tem sido dominado por varejistas tradicionais, que, além de valorizarem o ponto de venda, têm sua cadeia de distribuição já organizada para suprir suas lojas físicas, em sua maioria presentes nos principais shoppings do País.

Que os efeitos da disrupção tecnológica são e serão ainda mais sentidos pela indústria de shoppings, é fato! Que, por essa razão, a indústria está condenada a desaparecer, sem dúvida, exagero! Podemos arriscar dizer que, em mercados como o brasileiro, a produtividade não será sequer afetada significativamente. Seja cumprindo seu papel de destino de lazer, gastronomia, entretenimento e serviços, seja proporcionando experiências de consumo únicas para os clientes e até mesmo como eficientes delivery centers, os shopping centers continuarão a ser uma valiosa e interessante classe de ativos para investirmos.

*SÓCIO E HEAD DE REAL ESTATE DA VINCI PARTNERS

Responsável pela área de Real Estate da Vinci Partners. Foi CFO e IRO da BRMALLS, responsável pelo relacionamento com investidores, estratégia de financiamento, aquisições e monitoramento do desempenho das operações financeiras. Integrou o Banco Pactual na divisão de Investment Banking. De 1999 a 2004, foi sócio e head da equipe de Real Estate do Banco CR2. E antes disso, co head do time de Real Estate do Banco BBM. É formado em Economia pela PUC-Rio e possui um EP Degree pela Stanford University.

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