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Pedro Serra: Como a crise entre Rússia e Ucrânia impacta seus investimentos no Brasil?

28 jan 2022, 20:10 - atualizado em 28 jan 2022, 20:11
Sem considerar uma guerra de grandes proporções, conflitos como esse já trazem aversão ao risco nos mercados e esse seria o primeiro canal de transferência (Imagem: REUTERS/Dado Ruvic/Ilustração)

Recentemente temos observado a escalada das tensões entre Ucrânia, Rússia e OTAN, inclusive com a recente intensificação de tropas militares na fronteira entre os dois países, o que trouxe volatilidade aos mercados e muitas incertezas a respeito dos próximos capítulos na região.

Um breve histórico

O contexto histórico-político da Ucrânia é bem complexo e difícil de compreender, uma vez que a unificação de uma identidade nacional ucraniana ficou comprometida pela heterogeneidade de sua população, além das recentes mudanças geográficas.

Para se ter uma ideia, parte de seu território pertencia à Polônia até 1939, outra porção foi anexada da Romênia em 1940, da Tchecoslováquia em 1945 e da própria Rússia, quando a Crimeia se tornou ucraniana em 1954. Somente em 1991, com o fim da União Soviética, o país se torna independente.

Andando um pouco mais no tempo, já em 2004, Viktor Yanukovych, então primeiro-ministro, foi declarado vencedor das eleições presidenciais, que foram amplamente contestadas, dando início assim a manifestações pacíficas, que ficaram conhecidas como a Revolução Laranja.

O levante popular levou o Supremo Tribunal do país a decidir por uma nova eleição que acabou dando a vitória ao opositor Yushchenko. Durante o seu mandato, o novo governante estreitou laços com a União Europeia e demonstrou intensões de ingressar na OTAN.

Porém, em 2010, com a vitória de um novo presidente com um posicionamento pró Rússia, o país se viu envolvido em novas manifestações de rua, que ficaram conhecidas como Euromaidan.

Entre as insatisfações dos manifestantes, estava a não assinatura do governo de um acordo de maior integração com a União Europeia. Ao mesmo tempo, manifestantes pró Rússia, mais presentes no leste do país, também protestavam que não concordavam com a aproximação com a Europa.

Em 2014, a Rússia anexa a Crimeia a seu território e passa a dar amplo apoio a movimentos separatistas no leste da Ucrânia, gerando assim conflitos e tensões violentas no Leste e na fronteira do país.

Recentemente, as tensões seguem escalando por conta da intenção mantida pela Ucrânia em se juntar à OTAN- Organização do Tratado do Atlântico Norte- e pela insistência da Rússia em não permitir que isso aconteça. Obviamente que a postura da Rússia é agressiva, equivocada e injusta, mas aqui também cabe uma provocação: como o Brasil reagiria a uma aliança militar de Argentina ou Uruguai com a China, incluindo o estabelecimento de instalações militares chinesas em nossas fronteiras?

A situação provavelmente iria causar uma reação negativa por parte de nosso governo. A provocação não é para determinar sobre qual lado está certo ou errado, ainda que seja evidente o equívoco russo, mas para mostrar que as tensões por lá não devem se dissipar no curto prazo.

Trigo
De acordo com dados da organização mundial de agricultura (FAO), 14 países compram da Ucrânia o equivalente a mais de 10% de seu consumo interno de trigo (Imagem: Pixabay)

Como os conflitos nos impactam?

Sem considerar uma guerra de grandes proporções, conflitos como esse já trazem aversão ao risco nos mercados e esse seria o primeiro canal de transferência, com a possibilidade de fuga de capital de países emergentes para aqueles mais seguros.

Porém, vale também traçar um panorama da importância da Ucrânia no cenário internacional.

Com uma das terras mais férteis do planeta, a Ucrânia é um destaque da agricultura europeia há séculos. Atualmente, o país é responsável pela produção de 13% do milho e 7% do trigo mundiais. Além disso, a Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de outros grãos, como cevada e centeio.

De acordo com dados da organização mundial de agricultura (FAO), 14 países compram da Ucrânia o equivalente a mais de 10% de seu consumo interno de trigo. Desses países, um número significativo já apresenta problemas de segurança alimentar, como o Iêmen e a Líbia.

Além disso, uma parte substancial das terras agrícolas ucranianas estão localizadas na região leste do país, justamente a posição mais vulnerável a um potencial ataque russo.

Caso o surgimento de um conflito bélico na Ucrânia venha a afetar de forma significativa as safras agrícolas do país, podem ocorrer efeitos diversos ao redor do mundo, nomeadamente nos preços de trigo, milho e fertilizantes agrícolas.

No Brasil, o aumento do preço do trigo, que já vem sendo impulsionado pelas notícias do conflito ucraniano, poderá afetar negativamente empresas listadas na bolsa.

A M Dias Branco (MDIA3), que depende da importação de trigo, assim como a Santa Amália, marca de massas e biscoitos recentemente adquirida pela Camil, deverão sentir efeitos negativos advindos das altas do trigo.

Já a alta do milho, impulsionado pelo conflito ucraniano e a estiagem no sul do Brasil, pode ser favorável para empresas que produzem e exportam esses grãos, como a SLC Agrícola (SLCE3) e a Brasil Agro (AGRO3).

Por outro lado, empresas compradoras de milho como BRF (BRFS3), Seara (JBS) e AmBev (ABEV3) deverão sentir impactos negativos em seus resultados.

Para além da distorção nos preços de trigo e milho, a crise ucraniana pode também desencadear efeitos adversos no mercado de fertilizantes de forma direta e indireta.

Direta porque um potencial conflito pode reduzir as exportações de fertilizantes ucranianos e já vem afetando fábricas de fertilizantes, que tiveram as operações temporariamente paralisadas na região por motivos de segurança.

Além disso, um potencial conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia poderia levar a sanções econômicas contra a Rússia.

Como mais de 40% do gás consumido na Europa é proveniente da Rússia, o agravamento da crise pode levar aumentos no preço do gás natural.

Por sua vez, o gás natural é o principal insumo utilizado na produção de fertilizantes nitrogenados, o que tende a aumentar o preço desses produtos, após um ano de alta significativa para os fertilizantes em 2021.

O preço dos fertilizantes é sempre algo a ser monitorado e atualmente constitui em risco de médio prazo para as empresas listadas do agronegócio no Brasil.

No entanto, vale lembrar que a volatilidade dos fertilizantes não costuma ter efeito de curto prazo no resultado dessas empresas, uma vez que elas costumam fazer a compra desses produtos com bastante antecedência.

Atualmente, empresas como a SLC Agrícola e a Brasil Agro só teriam seus resultados significativamente impactados por essa volatilidade caso ela persistisse por um período mais longo.

Entretanto, também existe a possibilidade de que, até o fim de 2022, as tensões no Leste Europeu tenham sido amenizadas, fazendo com que este risco ao mercado de fertilizantes não se concretize.

Dessa forma, os potenciais impactos da crise da Ucrânia podem ter ramificações até mesmo na bolsa brasileira, afetando ações de alimentos (MDIA3, JBSS3, BRFS3, CAML3, ABEV3), com o aumento do custo dos insumos, e produtores agrícolas (SLCE3, AGRO3), com um efeito positivo, como o aumento do preço de milho, e um negativo, no caso do encarecimento dos fertilizantes.

Vale lembrar que sempre é necessário cautela e monitoramento constante dos riscos pelo investidor, garantindo uma diversificação entre setores que permita tranquilidade em teses de investimentos de longo prazo, minimizando abalos decorrentes de eventos imprevisíveis de curto prazo como a crise na Ucrânia.

Gerente de Research da Ativa Investimentos
Pedro Serra é gerente de Research da Ativa Investimentos e tem mais de dez anos de experiência no mercado financeiro, com passagens pela Petros e Fundação Real Grandeza. É formado em Economia pela Universidade Candido Mendes, tem MBA pelo Ibmec e possui certificação CNPI.
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Pedro Serra é gerente de Research da Ativa Investimentos e tem mais de dez anos de experiência no mercado financeiro, com passagens pela Petros e Fundação Real Grandeza. É formado em Economia pela Universidade Candido Mendes, tem MBA pelo Ibmec e possui certificação CNPI.
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