Como as apostas online estão levando famílias brasileiras ao colapso financeiro
O crescimento desenfreado das apostas online no Brasil tem deixado um rastro preocupante de consequências sociais, econômicas e familiares.
Em meio à facilidade de acesso via aplicativos, ao apelo emocional da publicidade massiva e à ausência de uma regulação eficaz, milhões de brasileiros têm visto sua renda ser consumida por plataformas que, muitas vezes, operam fora do país e sem qualquer compromisso com responsabilidade social.
Um estudo do Banco Central aponta que cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas apenas em 2024, comprometendo diretamente sua própria subsistência e a de seus dependentes. O dado é alarmante, pois mostra que o impacto das “bets” não se restringe a perfis pontuais, mas atinge precisamente os grupos mais vulneráveis da população.
O vício em apostas também está mudando hábitos básicos de consumo. Dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revelam que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de adquirir itens de supermercado e outros 19% abriram mão de viagens para manter o hábito de apostar. Há uma substituição do consumo essencial por uma atividade de risco financeiro elevado.
Levantamentos recentes da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e do Serasa mostram que as apostas online movimentam mais de R$ 30 bilhões, por mês, no Brasil. Esse número expressivo evidencia não apenas o crescimento exponencial do setor, mas também a transferência em massa de renda das famílias para plataformas digitais. A contrapartida? Uma grave crescente inadimplência que já atinge milhares de famílias brasileiras.
A realidade entre os jovens é ainda mais grave. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), em parceria com a Educa Insights, revelou que 34% dos brasileiros entre 18 e 35 anos adiaram o ingresso na faculdade em 2025 devido a gastos com apostas. O comprometimento da educação de uma geração ameaça não apenas o presente das famílias, mas seu futuro social e profissional.
As fintechs podem exercer um papel fundamental no enfrentamento da crise causada pelo avanço das apostas online, atuando como aliadas na promoção da saúde financeira das famílias brasileiras. Com sua capacidade de inovação e tecnologia, essas empresas estão bem posicionadas para desenvolver soluções que ajudem a conter o ciclo de endividamento, como ferramentas de educação financeira digital, bloqueio voluntário de gastos com apostas, uso de inteligência artificial para identificar comportamentos compulsivos e programas acessíveis de renegociação de dívidas.
Ao adotarem práticas responsáveis e centradas no bem-estar do usuário, as fintechs podem se tornar agentes de transformação positiva nesse cenário.
No campo jurídico, o avanço acelerado e sem controle das apostas online torna urgente uma atuação coordenada por parte das instituições públicas. A legislação brasileira precisa evoluir em três pontos principais:
- estabelecer regras mais rígidas para as plataformas de apostas, com verificação de idade e, principalmente, com limites de gastos;
- responsabilizar as operadoras, especialmente nos casos de publicidade abusiva e incentivo ao comportamento compulsivo;
- e fortalecer os direitos do consumidor superendividado, garantindo acesso facilitado à renegociação de dívidas e à recuperação de crédito.
Nesse contexto, uma resposta institucional começou a tomar forma nos últimos meses. Primeiro, com a aprovação, em julho, pelo Senado Federal, do projeto de lei que proíbe campanhas com atletas, influenciadores e autoridades, restringe horários e meios de veiculação e ainda determina a exibição obrigatória de alertas sobre os riscos do jogo.
O objetivo é conter os abusos mais evidentes do setor, protegendo especialmente os públicos mais vulneráveis, como jovens e pessoas de baixa renda. Em outro passo importante para proteger a parte sensível do mercado de apostas, o Governo Federal publicou, no início de outubro, uma norma que impede beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de jogar em bets. As empresas terão de checar CPFs no sistema federal e encerrar contas em até três dias. A medida atende uma determinação do Supremo Tribunal Federal para impedir uso de recursos sociais em apostas.
O que enfrentamos hoje não é um problema individual de consumo, mas uma crise de saúde financeira coletiva. A ausência de uma resposta institucional à altura e mais abrangente está custando caro à população, em forma de inadimplência, evasão educacional, deterioração da qualidade de vida e desestruturação familiar.
Cabe aos reguladores, ao setor financeiro e ao próprio Poder Judiciário atuarem de forma conjunta e imediata. O futuro das famílias brasileiras, e da própria estabilidade econômica do país, depende da nossa capacidade de reconhecer a gravidade da situação e agir com responsabilidade, rigor e empatia.