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COP30: A chance do Brasil liderar a agricultura sustentável no centro da agenda climática

19 out 2025, 10:00 - atualizado em 16 out 2025, 11:13
cop30 clima meio ambiente (1)
(iStock.com/:Anderson Coelho)

A Conferência do Clima de 2025, a COP30 em Belém, representa um marco histórico para o Brasil e para o debate global sobre sustentabilidade. Depois de décadas, o setor começa a ocupar o papel que de fato merece: o de protagonista na busca por soluções climáticas.

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Essa mudança de perspectiva é resultado de um processo que começou em 2017 com o Koronivia Joint Work on Agriculture, o primeiro programa da ONU dedicado a discutir agricultura no contexto climático. Em 2022, esse trabalho ganhou novo fôlego com a criação do Sharm el-Sheikh Joint Work on Implementation of Climate Action on Agriculture and Food Security, aprovado na COP27. Essa nova fase marca o início de uma agenda de implementação concreta, com planos, indicadores e metas voltados à integração entre agricultura, segurança alimentar e mitigação de emissões.

O mais recente relatório do SBSTA (Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice), braço técnico da Convenção do Clima, reforça essa evolução. O documento reconhece que os próximos dois anos serão dedicados à consolidação de metodologias e à ampliação da participação de países em desenvolvimento, abrindo espaço para que nações tropicais — como o Brasil — influenciem o futuro das políticas agrícolas sob o Acordo de Paris.

Agricultura tropical e mitigação: um eixo estratégico

O Brasil tem uma posição única nesse debate. A COP30, em solo amazônico, será a vitrine ideal para mostrar que a agricultura tropical pode ser o elo entre segurança alimentar, segurança energética e mitigação climática.

Estudos recentes da FAO indicam que apenas 4,3% do financiamento climático global é destinado a sistemas agroalimentares, e menos de 1% chega aos pequenos produtores. Isso é paradoxal: os sistemas de produção de alimentos, que respondem por mais de um terço das emissões globais, são também os que possuem o maior potencial de captura de carbono e de geração de energia limpa.

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Nesse contexto, a integração entre agricultura, bioenergia e florestas tropicais se torna essencial. Tecnologias já testadas no Brasil, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), o uso de bioinsumos e a fixação biológica de nitrogênio, demonstram que é possível aumentar a produtividade e reduzir emissões ao mesmo tempo. A valorização de fontes renováveis no meio rural, como o biogás e os biocombustíveis de segunda geração, reforça a capacidade da agricultura de liderar a transição para uma economia de baixo carbono.

Sharm el-Sheikh Joint Work: do diagnóstico à execução

O Sharm el-Sheikh Joint Work (SJWA) é hoje o principal espaço institucional da UNFCCC e da FAO dedicado à agricultura e segurança alimentar. Seu objetivo é promover uma visão integrada entre produção de alimentos, adaptação climática e transição energética, fortalecendo a coordenação entre governos, organismos multilaterais e instituições financeiras.

Ao contrário da impressão de que representaria um conjunto de novas restrições ao setor agropecuário, o Sharm el-Sheikh Joint Work constitui uma oportunidade estratégica para países produtores como o Brasil. O programa oferece um espaço de cooperação em que a agricultura é reconhecida como parte da solução climática, e não como fonte do problema. Ele permite que as nações tropicais apresentem suas inovações sustentáveis (como sistemas integrados, bioinsumos e fontes de energia renovável no meio rural), ampliem o acesso a financiamento climático e participem da definição das regras internacionais que orientarão o futuro da produção de alimentos de baixo carbono.

Além de realizar oficinas e diálogos regionais, o SJWA criou um portal online para reunir projetos e políticas de ação climática em agricultura. Esse sistema de trocas de experiências e dados é o primeiro passo para a construção de indicadores comuns e de metodologias mais adequadas à realidade dos países tropicais. Em outras palavras, é a porta de entrada para a tropicalização dos métodos de mensuração de emissões, um ponto central da agenda brasileira para Belém.

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A urgência de tropicalizar as metodologias agrícolas

Os modelos globais de medição de emissões agrícolas foram desenvolvidos com base em climas e solos temperados, o que distorce a realidade de países como o Brasil. Fatores como o tipo de solo, a intensidade solar e a dinâmica da biomassa tropical fazem com que as emissões e a absorção de carbono ocorram de maneira muito diferente.

A tropicalização das metodologias não é apenas uma reivindicação política, mas uma necessidade científica. Ela busca corrigir distorções que penalizam os produtores tropicais e impede o reconhecimento pleno das práticas de baixo carbono já adotadas em países em desenvolvimento. Ao ajustar parâmetros de emissões de metano, rever fatores de sequestro de carbono no solo e incluir o papel dos biomas tropicais de alta produtividade fotossintética, o Brasil poderá liderar uma mudança de paradigma: medir para valorizar, e não apenas para restringir.

Essa revisão metodológica é também uma questão de justiça climática. Sem ela, corremos o risco de perpetuar um modelo global que beneficia países ricos e temperados, enquanto desincentiva justamente as regiões com maior capacidade de produzir alimentos e energia renovável.

COP30: segurança alimentar e energética juntos

A COP30 pode marcar o início de uma nova fase da diplomacia climática brasileira, baseada na integração entre alimentação e energia. O país tem todos os elementos para propor uma aliança tropical em torno da agricultura sustentável, destacando que a transição verde global depende de sistemas agroalimentares tropicais de baixo carbono.

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Essa abordagem permitiria incluir metas de produtividade sustentável e expansão da bioenergia nos compromissos climáticos nacionais (NDCs), desenvolver indicadores harmonizados de emissões e direcionar o financiamento climático para projetos que simultaneamente gerem alimentos, energia limpa e inclusão social. Tudo isso com salvaguardas que evitem conflitos entre produção de alimentos e geração de energia, e que garantam a participação das comunidades locais no processo decisório.

Belém, portanto, tem a chance de ser mais do que palco simbólico. Pode se tornar o ponto de inflexão em que a agricultura deixa de ser vista como um desafio e passa a ser reconhecida como a base de uma economia global resiliente e sustentável.

Da retórica à implementação

Com a COP30, o Brasil tem a oportunidade de exercer uma liderança inédita na governança climática internacional. A consolidação do Sharm el-Sheikh Joint Work e a valorização da agricultura tropical oferecem o caminho para unir três agendas antes tratadas separadamente: produção de alimentos, transição energética e mitigação de emissões.

A agricultura tropical não é parte do problema — é parte essencial da solução. É nos trópicos que se produz mais alimento por hectare, se captura mais carbono por área e se gera energia renovável com menor custo. Reconhecer essa realidade é fundamental para uma transição justa e eficiente.

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Se a COP30 conseguir traduzir essa visão em compromissos concretos, o legado de Belém poderá ser o de uma nova geopolítica agrícola do clima, em que o Brasil mostra ao mundo que é possível alimentar o planeta e proteger o clima ao mesmo tempo.

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Advogado. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).