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Cotização x Pejotização: Os Fiagros como ferramentas de sucessão e gestão no agronegócio do Brasil

12 dez 2023, 15:16 - atualizado em 12 dez 2023, 16:38
fiagros
Brasil tem pouco mais de 5 milhões de imóveis rurais e cerca de 15 milhões de produtores rurais operando esses imóveis; o papel dos fiagros (Imagem: Reuters/Ueslei Marcelino)

A adequada administração dos negócios agropecuários é fator crucial de sucesso. Dessa forma, será mais benéfico se os modelos de negócio e institucional puderem facilitar a execução das estratégias nas perspectivas comerciais, operacionais e sucessórias, com destaque para os Fiagros

Assim, a discussão sobre os marcos legais facilitadores da produção no campo, e como tais ferramentas podem impactar positivamente os processos de gestão dos negócios, se torna cada vez mais relevante dentro da lógica da temática. 

Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o acesso à tecnologia é apontado como a principal causa para a concentração da produção e da renda no campo. Ou seja, o problema principal não é a distribuição desigual de terras, conforme se supunha anteriormente.

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Nesse sentido, projetos voltados para o financiamento de infraestrutura de transporte e armazenagem, irrigação, tecnologias de produção, gestão e monitoramento em todos os níveis, são absolutamente essenciais para trazer mais renda para o campo e, por consequência, para a cidade.

Um outro ângulo crucial nessa discussão é que, sem eficiência produtiva, segurança jurídica (patrimonial e civil) e infraestrutura adequada, torna-se cada vez mais desafiador manter a população no campo e garantir a sucessão das propriedades.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, cerca de 77% das propriedades rurais são classificadas como agricultura familiar, ou seja, são diretamente administradas e empregam mão de obra familiar. No entanto, ainda de acordo a instituição, 70% desses imóveis rurais não sobrevivem à geração do fundador e apenas 5% chegam à terceira geração de administração familiar.

Ainda segundo de acordo com o censo de 2017 do IBGE, o Brasil tem pouco mais de 5 milhões de imóveis rurais e cerca de 15 milhões de produtores rurais operando esses imóveis. Outros estudos apontam que apenas cerca de 1% das propriedades concentram aproximadamente 50% do Valor Bruto da Produção (VBP), enquanto a renda bruta dos demais estabelecimentos não ultrapassa dois salários-mínimos.

Tal realidade torna a sucessão no campo crucial para a continuidade dos negócios dentro e fora da porteira. Neste sentido, a pejotização (ou cotização) do produtor rural pode ajudar neste processo.

Os fiagros e a pejotização

A pejotização ou a “cotização” das propriedades rurais, tema desse artigo, podem se tornar ferramentas importantes na reversão desse cenário, por trazerem segurança jurídica, dinamismo, flexibilidade de negociação e governança (regras claras de administração e gestão no campo), contribuindo, portanto, para o aumento da competitividade para o agro.

Tais estruturas e ferramentas jurídicas podem ajudar na continuidade dos negócios pelas famílias de empreendedores do campo, sem descaracterizar o DNA dos fundadores e/ou ameaçar a prosperidade dos negócios.

Uma novidade muito interessante é que o que tratamos neste texto por cotização de patrimônio através da constituição, e um Fiagro potencializa a captação de recursos do mercado de capitais para aplicação no agronegócio, ao mesmo tempo que caracteriza uma opção interessante para investidores de fora do agro.

Resumidamente, o caso do Fiagro (isento de IR) consiste em transformar o patrimônio em cotas, em número compatível ao valor de mercado dos ativos, que são oferecidos a investidores. O rendimento é obtido, por exemplo, por meio do arrendamento da terra ou outro modelo escolhido.

Alguns dos principais benefícios dessa prática são:

  1. Atualização de potencial diferença entre o valor real de mercado versus o valor documentado em escritura, para boa parte dos casos. Essa possibilidade eleva o potencial do patrimônio para obtenção de crédito ao incrementar a oferta de garantias para contratação de financiamentos, por exemplo, sem a necessidade de pagamento de imposto de renda, em parte dos casos;
  2. A fragmentação das cotas para utilização como garantias se torna mais fácil e menos custosa, em comparação a fragmentação da matrícula dos imóveis;
  3. Simplificação no processo sucessório, pois a propriedade dividida em cotas (e não em área) otimiza a sua comercialização e administração.

Os 3 atributos acima listados, principalmente os de número 1 e 2 que dizem respeito apenas aos Fiagros, conforme a Lei n. 14.130/21. Assim, o que estamos denominando como “cotização”, difere-se entre Fiagro e Holding principalmente no modelo final de administração do negócio rural, além dos aspectos mencionados em 1 e 2 acima.

No caso do Fiagro, teremos a integralização do patrimônio em um fundo, que será estruturado em diferentes mecanismos comerciais. No caso da holding, o processo consiste na utilização de uma pessoa jurídica (CNPJ), a chamada pejotização, para deter e gerir o patrimônio do produtor rural. Além disso, também existem distinções em termos de atualização do valor total das cotas, de acordo com as regras contábeis e regulatórias existentes para ambas as ferramentas.

Modelagem financeira 

A tabela abaixo traz uma modelagem financeira para comparar o potencial desempenho para ambos os modelos com a cotização de patrimônio em Fiagro ou Holding Agropecuária (pejotização), baseado em um negócio padrão da região Centro-Oeste do país. 

Os fiagros são subdivididos em isentos e não isentos de impostos sobre os rendimentos das quotas. A isenção de IR para os rendimentos do Fiagro é válida apenas para produtos listados em bolsa e com mais de 500 cotistas. Além disso, para que o cotista seja isento ele deve possuir quantidade de cotas inferior a 10% do montante total de cotas do fundo. Quando aplicável, a alíquota de IR considerada nos cálculos foi a de 20% sobre receita bruta.

Já para a holding agropecuária (CNPJ) o imposto considerado no estudo é calculado sobre o lucro presumido da pessoa jurídica à alíquota efetiva de 14,53% (IR + CSLL + PIS + COFINS) sobre a receita bruta do negócio que no caso da simulação é arrendamento de terras, ou seja, trata-se de receitas de arrendamento.

Premissas utilizadas na simulação

Operacionais:

  • Produtor pessoa física
  • Região: Centro-Oeste
  • Cultura: soja
  • Área: 5.000 ha
  • Produtividade: 70 sacas/ha

Operação:

  • Custo de produção: R$ 5.000/ha (média safras 18/19 a 22/23)
  • COT do módulo: R$ 25 milhões
  • Preço da soja: R$ 136/saca (média safras 18/19 a 22/23)
  • Valor da terra: R$ 50.000/ha

Jurídicas:

  • Valor de mercado do imóvel: R$ 250 milhões
  • Δ valor real x valor em escritura: 50%
  • Valor do imóvel em escritura: R$ 125 milhões
  • Custo georreferenciamento + CAR (Cadastro Ambiental Rural): R$ 300/ha
  • Custo regularização de escrituras: 2% do valor da escritura (total de R$ 2,5 milhões – cartório de notas e de registro)
  • Transferência de cotas (ITBI): 4% do valor da escritura (total de R$ 5 milhões)
  • Variação do valor imóvel (real x escritura): 50%
Parâmetro*** Modelo Fiagro (isento IR) Modelo Fiagro (sem IR) Modelo Holding Agropecuária
Mais de 100 cotistas Menos de 100 cotistas
Número de cotas do patrimônio 250.000.000* 250.000.000* 125.000.000**
Receita bruta anual (R$ milhão) 47,6 47,6 47,6
Custo operacional total (COT) (A) 25 25 25
Despesa da integralização das cotas (R$ milhão) B 9 9 9
Despesa com tributos sobre receita (R$ milhão) C 0 9,5 6,9
Resultado operacional no ano 1 (R$ milhão) (A-B-C) 13,6 4,1 6,7
Resultado operacional a partir do ano 2 (R$ milhão) (A-C) 22,6 13,1 15,7
Margem bruta potencial a partir do ano 2 (receita bruta/resultado operacional) 47% 27% 33%

*Número de cotas após a atualização do valor da terra. Não há incidência de impostos sobre lucro imobiliário no momento da integralização, apenas em eventual comercialização.

**Considerou-se transformação do patrimônio em cotas de acordo com o valor da escritura, caso contrário, o pagamento de IR sobre lucro imobiliário deverá ser imediato.

*** Até a publicação deste artigo a isenção do IRRF sobre rendimentos está condicionada a um mínimo de 100 (cem) cotistas detentores das quotas dos FIAGRO, conforme PL n. 4173/23 que aguarda sanção presidencial.  

Fontes: elaborado pelos autores com base em dados do Cepea-Esalq/USP; Conab; IMEA e MAPA

Os dados da tabela mostram cenários potenciais de performance financeira de negócios agrícolas. O resultado financeiro será traduzido em remuneração para investidores, em se tratando de Fiagros listados no mercado ou rendimento direto para acionistas, quando olhamos pela perspectiva da Holding Agropecuária.

Em resumo, sobre a perspectiva financeira, o nível de eficiência dependerá principalmente sobre a isenção ou não de IR sobre receita bruta no Fiagro, que, por sua vez, será dependente do número de cotistas no modelo de negócios.

Qual modelo utilizar?

O modelo a ser escolhido, além da perspectiva financeira, dependerá de alguns outros fatores, principalmente temas relacionados as seguintes questões:

Perfil gerencial do negócio: De uma maneira geral, a cotização em um modelo de Fiagro deverá ser destinada a negócios que possam permanecer no modelo por um determinado período, compatível com a duração do fundo e com cotas negociadas na bolsa de valores ou não. A ideia principal é que essas cotas possam ser incorporadas principalmente a produtos de investimento, além da possibilidade de serem utilizadas como garantias para contratação direta de crédito. Por outro lado, a holding agropecuária (pejotização) poderá ter um maior apelo para negócios que tenham administração puramente familiar e o principal interesse esteja voltado a simplificação e eficiência do processo sucessório e administrativo;

Perfil de contratação de crédito do negócio: A alavancagem do produtor rural, o tipo de negócio (exploração agropecuária), a liquidez das terras e a estrutura de governança definida para o FIAGRO podem determinar a viabilizada da estrutura utilizada;

Custos de Gestão e Conformidade: A estrutura a ser utilizada vai depender do valor do patrimônio a ser “cotizado” ou “pejotizado” vis a vis os custos de implementação, manutenção, gestão e conformidade da estrutura. Em outras palavras, a depender da governança, estrutura do Fiagro e outros fatores, a ferramenta em questão tende a apresentar custos de gestão, administração, advogados, auditoria obrigatória, taxas de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários etc. superiores às holdings agropecuárias que “carregam” custos de gestão e conformidade compatíveis com os CNPJs em geral. Tais custos de implementação e gestão não restaram representados nos cálculos acima, porém não impactariam significativamente as conclusões apresentadas no presente artigo, principalmente em relação à maior eficiência fiscal dos FIAGRO em comparação com as holdings agropecuárias.

Portanto, como temos insistido, inclusive nesse espaço, existem ferramentas disponíveis ao gestor dos negócios no campo que podem auxiliar na preservação do patrimônio das famílias e na continuidade de seus negócios no campo.

A constituição de um Fiagro ou de uma Holding Agropecuária são ferramentas capazes de auxiliar na sobrevivência, profissionalização e condução dos negócios das famílias de produtores rurais, facilitando a sucessão no campo, a administração e preservação dos negócios no tempo com muita eficiência, transparência e com nível de governança compatível com as exigências de mercado para fazer prosperar um agronegócio cada vez mais forte e comprometido com os desafios desse terceiro milênio.

*Artigo escrito pelo autor em co-autoria com Ana Palazzo, gerente sênior de projetos e planejamento estratégico para o agronegócio.

André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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