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Créditos de carbono: Desafios da negociação em fundos de investimentos e no futuro mercado regulado

19 fev 2024, 16:59 - atualizado em 19 fev 2024, 22:21
créditos de carbono mercado
A diferença entre o mercado regulado e o mercado voluntário dos créditos de carbono está na obrigação legal (Imagem: Unsplash/@micheile)

Dentro do escopo de um mercado de carbono há um teto estabelecido para a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Quem ultrapassar esse teto (cap) deve compensar o excedente emitido por meio da compra de créditos de carbono de quem está abaixo dessa obrigação (trade).

A diferença entre o mercado regulado e o mercado voluntário de carbono está na obrigação legal, ou seja, no primeiro o teto e a obrigação de reduzir ou compensar as emissões está estabelecido em Lei, enquanto no último há um acordo sem força legal entre interessados em reduzir e/ou compensar emissões.

Em ambas as modalidades de mercado de carbono (regulado e voluntário), o crédito de carbono tem função vital, uma vez que ele é o certificado que permite e atesta a compensação de emissões de GEE de uma atividade econômica, por meio de uma negociação entre partes.

Entretanto, há muitas dúvidas sobre como trabalhar com esses créditos, principalmente na sua negociação em bolsa de valores e a aquisição por terceiros interessados, como meio de investimento e não meramente para compensar emissões de GEE, ou seja, o uso do crédito de carbono no mercado financeiro.

No Brasil, o mercado regulado de carbono vem sendo debatido no Congresso Nacional. Com o Projeto de Lei (PL) 412/2022, um texto base do Sistema Brasileiro de Comércio de Gases de Efeito Estufa (SBCE) foi aprovado no Senado Federal em 04/10/2023.

Especificamente sobre o crédito de carbono, os senadores estabeleceram que este seria um valor mobiliário, ou seja, algo semelhante a uma ação ou debenture a ser negociado em bolsa de valores – títulos ofertados publicamente que gerem direito de participação e/ou remuneração oriundos da prestação de serviços de um empreendedor.

Igualmente, definiram que a gestão desse certificado estaria submetida à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como os demais valores mobiliários.

Seguindo o processo legislativo, o texto foi encaminhado para Câmara dos Deputados, apensado ao PL 2.148/2015 da casa e aprovado pelo plenário em 27/12/2023, com algumas alterações.

Para o crédito de carbono, ficou estabelecido que não seria mais um valor mobiliário, mas sim objeto de negociação contratual, cessão e financiamentos, por meio do novo Certificado de Recebíveis de Créditos Ambientais (CRAM).

Certificado de Recebíveis Ambientais (CRAM)

O texto aprovado define que o CRAM constituí título de crédito executivo extrajudicial representativo de promessa de pagamento, ou seja, documento para negociação que representa uma dívida a ser paga, a qual não necessita passar por um processo judicial em caso de litígio, basta ser executada (cobrada).

O texto chega inclusive a detalhar que o CRAM é um certificado de recebível, lastreado em créditos de carbono, a ser emitido por uma securitizadora – uma modalidade de título de crédito privado de renda fixa, emitido por empresas de securitização para garantir sua liquidez.

Entretanto, essas alterações no texto do projeto de lei na Câmara já trazem questionamentos a serem enfrentados para a futura negociação desses créditos. Inicialmente, o Certificado de Recebíveis (CR) é uma novidade advinda da Lei Federal 14.430/2022 e segue a mesma lógica dos já existentes Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), mas se diferencia na destinação dos seus recursos.

Enquanto o CRI e o CRA têm propósitos específicos de captação de recursos para projetos imobiliários e agropecuários, o CR tem a finalidade de ser mais geral e englobar os demais setores, assim, possibilitando pequenas e médias empresas de diversos ramos a utilizar essa forma de título de crédito para investimentos. Entretanto, como se trata de vários setores, lastreados em diversos recebíveis, a Lei determina que o CR seja devidamente securitizado.

A securitização, também presente na Lei Federal 14.430/2022, é um processo que transforma títulos de crédito de dívidas e/ou obrigações a cumprir em títulos negociáveis em mercado de capitais, em outras palavras, a securitização garante liquidez a esses títulos, ofertando-os a investidores interessados, que assumem os riscos das dívidas em contrapartida de juro mais vantajoso no seu rendimento. Já os proprietários desses títulos, recebem um valor adiantado da obrigação a ser cumprida e a securitizadora lucra com a negociação.

Conforme exposto, parece pertinente que o CRAM seja um certificado de recebível. Afinal, será lastreado em créditos de carbono e não é vinculado ao setor imobiliário (CRI), nem do agronegócio (CRA). Porém, no caso tanto do CRI como no CRA, como são títulos bem conhecidos pelo mercado, bem como atrelado a commodities indexadas em dólar, possuem liquidez. Por outro lado, no Certificado de Recebíveis, como englobam setores e certificados variados não possuem isso tão claro.

Problemas de liquidez na CRAM e CPR Verde

O PL ao definir que o CRAM está lastreado em crédito de carbono faz com que o desafio da liquidez aumente. Hoje, os preços dos créditos de carbono no mercado voluntário oscilam significativamente, bem como, não há valor indexado em dólar e nem se trata de uma commodity – dificuldade de liquidez e de execução do título. Portanto, securitizar o CRAM é complexo, podendo até esvaziar sua transação em bolsa de valores e fundos de investimentos no futuro.

Esse mesmo problema já pode ser observado com a Cédula do Produtor Rural Verde (CPR Verde). A CPR Verde foi criada em 2022, com o Decreto Federal 10.828/2021, e se trata de uma variação da antiga Cédula do Produtor Rural (CPR). A CPR descrita na Lei Federal 8.929/1994 é uma remuneração pela promessa de entrega futura de produtos rurais ou sua liquidação financeira, já a CPR Verde nada mais é que a remuneração pelas atividades de conservação de serviços ambientais, ao invés de entrega de produto agropecuário.

A CPR Verde pode ser emitida tanto para preservação florestal, como para mitigação de emissões de GEE e créditos de carbono. Entretanto, devido ao problema da liquidez dos créditos de carbono, a CPR Verde não consegue ser operacionalizada, nem com securitização.

Até o momento, a securitização ocorre, principalmente, em títulos de créditos já consagrados como CRI e CRA, os quais inclusive não haveria obrigação de fazê-lo (facultativo). Ainda não há securitização de CPRs Verde em função do desinteresse das securitizadoras, justamente pelo problema de incerteza do crédito de carbono.

Este problema se dá em parte porque o Brasil ainda não tem um mercado de carbono regulado. Já no mercado voluntário (o único até o momento no país) os preços podem oscilar bastante. Isto ocorre já que não há uma obrigação legal de compensação de emissões de GEE, dependendo exclusivamente de poucos interessados e de forma voluntária. Este fato ainda é agravado pela falta de um mecanismo global de carbono, que continua sendo desenhado dentro do escopo do Acordo de Paris no seu artigo 6. Um mecanismo global em operação e com a interoperabilidade entre mercados de carbono nacionais, permitirá precificação desses créditos de forma sólida e, com isso, uma liquidez mais aferível.

A criação do mercado de carbono regulado no Brasil, em teoria, diminuiria o problema de liquidez do crédito. Com o mercado de carbono nacional haverá a obrigação legal de respeitar um teto, neste caso para todas as fontes que emitam acima de 25 mil toneladas por ano de CO₂ (exceto atividades de agropecuária primária), por consequência, haverá a necessidade de aquisição de créditos de carbono, assim, tornando a oferta e demanda desse mercado mais certas e previsíveis – o que implica em maior liquidez. Entretanto, para que isso ocorra, as estruturas regulatórias desse mercado devem ser transparentes.

Neste ponto a regulação do mercado de carbono hoje em trâmite no Congresso Nacional apresenta falhas. Há omissões sobre a governança do mercado de carbono regulado. Os deputados complementaram o texto do Senado, o qual continha a governança completamente omissa, principalmente a ausência de descrição da composição do Órgão Gestor e do Comitê Interministerial – havia somente as prerrogativas de cada, mas nada descrevendo a formação, criação de regulamentos e forma de operacionalização desses órgãos.

No texto da Câmara houve detalhamento da composição do Conselho Interministerial, agora teoricamente denominado de Órgão Superior, listando os diversos ministérios que farão parte do SBCE. Já o Órgão Gestor, de extrema importância, uma vez que é o braço executor do SBCE, criando os Planos de Alocação de créditos e credenciamento de metodologias para projetos. Mas os deputados adicionarem poucos dispositivos e somente ficou previsto que o Órgão Gestor será regido pela Lei de Agências Reguladoras e que a suas decisões deverão seguir diretrizes do Órgão Superior – a sua composição e maiores detalhes do seu funcionamento continuam incertos.

Créditos de carbono em fundos de investimento

É importante destacar que o crédito de carbono deverá ser negociado não somente em bolsa de valores, mas também compor fundos de investimento. O Fiagro é uma modalidade de fundo de investimento criada com a Lei Federal 14.130/2021, de uso exclusivo para investimento nas cadeias produtivas agroindustriais, que de acordo com a CVM, em junho de 2023 totalizavam 14.7 bilhões de reais.

Nesse sentido, a CVM vem discutindo a incorporação dos créditos de carbono como ativos dos fundos de Fiagro. Recentemente houve consulta pública sobre os anexos da Resolução CVM 175/2022. Esta resolução tem como objeto a constituição e funcionamento do Fiagro, portanto, estabelece os ativos que poderão formar um Fiagro e dentre os vários ativos possíveis, como diversos títulos de créditos e valores mobiliários, há o uso dos créditos de carbono.

A despeito da CVM ter a intenção de incorporar créditos de carbono como ativos de fundo para as cadeias agroindustriais, se alinhando com a regulação do mercado de carbono nacional, a questão da liquidez desse crédito persiste.

Dessa forma, mesmo com a criação de um mercado de carbono regulado no Brasil, caso essas obscuridades na norma não sejam sanadas, especialmente sobre o órgão gestor e a elaboração dos planos de alocação de créditos e emissões, o problema de liquidez do crédito de carbono não será minimizado.

Sem maior detalhamento legal da estrutura de governança e dispositivos que garantam a liquidez do crédito de carbono, agora por parte da votação final no Senado Federal ou por regulamentação infra legal posterior, há o risco do CRAM ficar previsto somente no papel, sem uso prático, muito menos negociado em bolsa de valores ou fundos de investimento.

 

 

Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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