Economia

Crescimento do Brasil está à mercê de intenso debate sobre “austeridade expansionista”

21 jan 2020, 13:55 - atualizado em 21 jan 2020, 13:55
Os gastos do governo caíram no segundo e terceiro trimestres de 2019 (Imagem: Agência Brasil/arquivo)

O governo do Brasil entrou em 2020 dobrando as apostas em uma das principais políticas econômicas que marcaram seu primeiro ano no cargo: a visão controversa de que cortar gastos agressivamente estimulará e acelerará o crescimento econômico.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Em um documento intitulado “Consolidação fiscal expansionista no Brasil”, publicado em 31 de dezembro, o governo argumentou que a limpeza das finanças públicas alimentará a confiança e a demanda do setor privado e, finalmente, um ‘boom’ na atividade econômica.

Segundo o texto, que reflete o pensamento do ministro da Economia, Paulo Guedes, a consolidação fiscal em andamento terá um impacto positivo quase instantâneo.

“Essa consideração está baseada na percepção de que a política fiscal apresenta efeitos não-Keynesianos no atual contexto da economia brasileira, em contraste com a visão alternativa, a nosso ver equivocada, que propõe aumentar gastos como forma de estimular a atividade econômica”, disse o documento.

Os gastos do governo caíram no segundo e terceiro trimestres de 2019, a primeira vez em mais de dois anos que recuaram por dois trimestres seguidos. E é quase certo que tenham tido queda também no quarto.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Em base anual, o consumo do governo está caindo 1,4%, a caminho de se contrair à sua taxa mais rápida em quase 20 anos.

Depois do comércio, é o único segmento da economia que fornece uma contribuição negativa para o crescimento. Agricultura, indústria, investimento empresarial, serviços e gastos do consumidor estão em expansão, embora em um ritmo longe de ser empolgante.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

“Ideologia e má economia”

Mas a noção de que esse empecilho ao crescimento, por si só, de alguma forma aumenta os investimentos e os gastos do setor privado tem sido amplamente criticada –muitos diriam desmascarada– desde a crise financeira de 2007-09.

Robert Skidelsky, professor emérito de economia política da Universidade Warwick, no Reino Unido, ridicularizou a noção de “fada da confiança” como não mais crível que a fada dos dentes, argumentando que “a recuperação (econômica) pode ocorrer apesar da austeridade fiscal, mas nunca por causa dela”.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Nem todo mundo pensa que é fingimento. Carlos Kawall, diretor do Asa Bank em São Paulo, argumenta que o atual crescimento anualizado de 2% a 2,5% da economia se deve em grande parte à disciplina fiscal que permitiu ao Banco Central reduzir a Selic para uma mínima recorde de 4,5% ao ano.

O atual crescimento anualizado de 2% a 2,5% da economia se deve em grande parte à disciplina fiscal que permitiu ao Banco Central reduzir a Selic (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

“Se o governo gastar mais, a taxas de juros voltará a subir e você não obterá os benefícios econômicos que estamos vendo atualmente em termos de crédito e gastos do consumidor, investimento empresarial e, agora, crescimento”, disse Kawall.

“Essa política está funcionando. É mais difícil crescer dessa maneira, mas é mais sustentável.”

Nominalmente, a conta de despesa pública de 54,22 bilhões de reais do governo no terceiro trimestre de 2019 foi a mais baixa em quase sete anos.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Como parte do PIB, os gastos do governo brasileiro também estão caindo, embora mais lentamente. Eles permanecem altos –em torno de 18% a 19% do PIB, estão acima da média da América Latina e do Caribe, de acordo com o Banco Mundial, e em 2018 foram superiores a seus pares de mercados emergentes China, Rússia, Índia e Coreia do Sul.

Quase metade dos gastos do governo em 2018 foi para a Previdência, uma das fatias mais altas do mundo e o motivo para a ampla reforma previdenciária que ajudou a impulsionar a recuperação de cerca de 32% do Ibovespa no ano passado, mais que o dobro da alta do índice MSCI para mercados emergentes.

Os mercados responderam fortemente. Mas a economia não tem feito o mesmo e, provavelmente não vai, de acordo com Monica De Bolle, pesquisadora sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.

Embora o Brasil precise recuperar as finanças públicas de maneira mais equilibrada, De Bolle diz que não há evidências empíricas ou históricas de que a “austeridade expansionista” proporcione crescimento econômico.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Os mercados responderam fortemente. Mas a economia não tem feito o mesmo e, provavelmente não vai (Imagem: Pixabay)

O Brasil deveria visar as ineficiências do setor público para gerar economia e financiamento de programas sociais para proteger os mais vulneráveis dos efeitos da austeridade em vez de reduzir o tamanho do Estado em si.

Mais do que isso, um aperto tão agressivo é desnecessário. Ao contrário da Argentina ou do Brasil no final dos anos 1990, o país hoje não enfrenta uma crise no balanço de pagamentos.

O Brasil possui 360 bilhões de dólares em reservas em moeda estrangeira, o investimento direto estrangeiro mais do que cobre o déficit em conta corrente e as empresas locais estão emprestando mais em reais, reduzindo a exposição do setor privado à dívida em moeda estrangeira.

“Essa idéia de austeridade expansionista deveria ter morrido com as experiências dos mercados emergentes nos anos 1990. Falhou miseravelmente, especialmente na Ásia. É uma mistura de ideologia e má economia”, disse De Bolle.

Compartilhar

A Reuters é uma das mais importantes e respeitadas agências de notícias do mundo. Fundada em 1851, no Reino Unido, por Paul Reuter. Com o tempo, expandiu sua cobertura para notícias gerais, políticas, econômicas e internacionais.
reuters@moneytimes.com.br
A Reuters é uma das mais importantes e respeitadas agências de notícias do mundo. Fundada em 1851, no Reino Unido, por Paul Reuter. Com o tempo, expandiu sua cobertura para notícias gerais, políticas, econômicas e internacionais.