Da guerra à poeira: a história da empresa que levou robôs militares para dentro de casa
Durante anos, ele foi o símbolo silencioso do futuro entrando pela porta da sala. Redondo, discreto e quase hipnótico, o robô que varria a casa enquanto seus donos estavam fora parecia anunciar uma nova era: a das tarefas domésticas resolvidas por máquinas.
Agora, a empresa por trás dessa revolução tenta sobreviver: a iRobot, criadora do aspirador robótico Roomba, entrou com pedido de falência.
A notícia marca uma virada amarga para uma companhia que já foi avaliada em US$ 3,56 bilhões em 2021, embalada pela explosão da demanda durante a pandemia, e que hoje vale cerca de US$ 140 milhões, segundo dados compilados pela Bolsa de Valores de Londres (LSEG).
Robô aspirador: do MIT para o chão da sala
Fundada em 1990 por três especialistas em robótica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a iRobot nasceu longe das casas comuns. Seus primeiros projetos eram voltados aos setores de defesa e aeroespacial, com robôs pensados para operações militares — não para tapetes felpudos.
Esses robôs chegaram a ser usados em operações militares e humanitárias, incluindo desativação de explosivos, inspeção de áreas contaminadas e missões de busca e resgate, como nos trabalhos realizados após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York.
Isso mudou em 2002, quando a empresa lançou o Roomba. O pequeno aspirador autônomo virou um sucesso imediato, ajudando a popularizar a ideia de robôs domésticos muito antes de assistentes virtuais se tornarem rotina.

O sucesso levou a iRobot à bolsa em 2005 e garantiu anos de liderança quase absoluta no mercado. Ao longo dos anos, a empresa ampliou seu portfólio, lançou variações como robôs para limpeza de piscinas e calhas e consolidou um vasto portfólio de patentes.
Mas, a partir da segunda metade dos anos 2010 o cenário começou a mudou. Fabricantes chinesas como Roborock e Ecovacs passaram a oferecer robôs mais baratos, com navegação mais sofisticada e ciclos de inovação mais rápidos.
O início do fim e o peso do pós-pandemia
A pandemia transformou a iRobot em uma estrela do mercado. Com mais gente em casa, a busca por automação disparou, inflando vendas, expectativas e valuation.
Mas o mundo mudou rápido demais. Com o fim do isolamento, inflação persistente e consumidores mais cautelosos, o crescimento perdeu fôlego.
A empresa passou a operar no vermelho, enfrentando custos elevados e um mercado cada vez mais competitivo, especialmente com fabricantes asiáticos oferecendo modelos mais baratos.
O resultado foi um encolhimento dramático do valor de mercado.
Na tentativa de mudar o jogo, a iRobot aceitou, em 2022, ser comprada pela Amazon por US$ 1,7 bilhão.
O acordo prometia integrar os mapas e a inteligência do Roomba ao ecossistema da Alexa, mas acabou barrado por autoridades regulatórias, especialmente na União Europeia, que viram riscos de concentração de mercado e de privacidade. O negócio foi cancelado em 2024.
O comprador já estava na sala
Apesar do choque, a tentativa de sobrevivência da iRobot não acontece no escuro. Nos documentos apresentados à Justiça americana, a empresa revelou que já existe um comprador.
A companhia anunciou que pretende transferir o controle de suas operações para a chinesa Picea Robotics, sua principal parceira industrial, encerrando um ciclo de 35 anos.
É a Picea quem produz grande parte dos aspiradores da Roomba vendidos ao redor do mundo.
Pelo acordo de reestruturação, a Picea assumirá 100% das ações da iRobot, em troca do cancelamento de dívidas acumuladas.
A companhia também garante que a falência não deve afetar o funcionamento do aplicativo do robô aspirador, os programas para clientes, as parcerias globais, a cadeia de suprimentos, e nem o suporte aos produtos já vendidos.
Na prática, o consumidor não deve sentir mudanças imediatas.