Decreto que libera academias e salões de beleza provoca reações no Senado

O decreto publicado pelo presidente Jair Bolsonaro em edição extra do Diário Oficial da União de segunda-feira (11), que incluiu como atividades essenciais durante a pandemia as academias de esporte, salões de beleza e barbearias, provocou reações no Senado.
O líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar os efeitos da medida, enquanto outros senadores criticaram nas redes sociais a iniciativa de Bolsonaro.
Na justificativa do PDL 213/2020, Rogério argumenta que o funcionamento das atividades deve obedecer às determinações do Ministério da Saúde.
No entanto, conforme informou o senador, o responsável pela pasta, Nelson Teich, foi informado pela imprensa, durante uma coletiva, sobre a inclusão desses ramos entre as atividades essenciais, deixando um vácuo no que diz respeito as orientações de competência do próprio ministério.
“Revela-se, portanto, mais uma atitude irresponsável do presidente da República que prefere ignorar todos os conselhos científicos para o combate a esse vírus e se mostra absolutamente indiferente à morte de mais de 10 mil brasileiras e brasileiros, em nome de uma suposta manutenção da atividade econômica — argumento que, segundo grande parte dos economistas, tampouco faz sentido”, justifica no projeto.
Em sua página no twitter, Rogério publicou o trecho de um vídeo da coletiva de imprensa realizada ontem, no qual Nelson Teich é informado por jornalistas sobre a autorização do presidente para o retorno do funcionamento desses serviços.
No vídeo, o ministro questiona jornalistas e membros da sua equipe sobre a informação repassada na coletiva. “A decisão saiu hoje? Quem? É manicure, academia, e barbearia?”, pergunta.
STF
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também lembrou em seu perfil no twitter que o novo Decreto 10.344 não possui efeito automático.
Ela ressaltou que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que os estados e municípios têm autonomia sobre a elaboração de suas próprias regras de política de saúde, como o funcionamento do comércio e disponibilização de serviços.
“Bolsonaro insiste na irresponsabilidade ao incluir academias e salões de beleza como atividades essenciais. Mais uma vez, seu surto fica impedido pelo STF.

A Corte já fixou a decisão de que prevalece a autonomia de prefeitos e governadores. Um decreto inócuo”, argumenta.
A decisão do STF veio em resposta à Ação Direta de Constitucionalidade 6341, referendando uma medida cautelar que preserva a atribuição de cada esfera de governo (federal, estadual e municipal) sobre serviços públicos e atividades essenciais, o que na prática, concentra nas gestões estaduais e municipais o poder de decisão sobre suas próprias normas durante a pandemia.
Este já é o terceiro decreto presidencial que regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais.
O último foi publicado no final de abril e permitiu o funcionamento de agências bancárias, serviços de locação de veículos, de radiodifusão de sons e imagens entre outros.
A relação com as mais de 50 atividades consideradas essenciais você confere aqui.
Veja a lista de atividades consideradas essenciais incluídas no decreto: |
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Trânsito e transporte interestadual e internacional de passageiros; o anterior previa regulamentação sobre transporte intermunicipal, de táxi ou aplicativos (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, incluídos: fornecimento de suprimentos para funcionamento e manutenção das centrais geradoras e dos sistemas de transmissão e distribuição de energia; e obras de engenharia (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Produção, distribuição, comercialização e entrega, presenciais ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e materiais de construção (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Guarda, uso e controle de substâncias, materiais e equipamentos com elementos tóxicos, inflamáveis, radioativos ou de alto risco, definidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, em atendimento aos requisitos de segurança sanitária, metrologia, controle ambiental e prevenção contra incêndios (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Serviços de transporte, armazenamento, entrega e logística de cargas em geral (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Fiscalização tributária e aduaneira federal (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, biocombustíveis, gás liquefeito de petróleo e demais derivados de petróleo (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pela advocacia pública da União, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos respectivos serviços públicos (dispositivo já constava no decreto anterior, mas teve redação alterada); |
Serviços de comercialização, reparo e manutenção de partes e peças novas e usadas e de pneumáticos novos e remoldados; |
Serviços de radiodifusão de sons e imagens; |
Atividades de desenvolvimento de produtos e serviços, incluídas aquelas realizadas por meio de start-ups; |
Atividades de comércio de bens e serviços, incluídas aquelas de alimentação, repouso, limpeza, higiene, comercialização, manutenção e assistência técnica automotivas, de conveniência e congêneres, destinadas a assegurar o transporte e as atividades logísticas de todos os tipos de carga e de pessoas em rodovias e estradas; |
Atividades de processamento do benefício do seguro-desemprego e de outros benefícios relacionados, por meio de atendimento presencial ou eletrônico, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde e dos órgãos responsáveis pela segurança e pela saúde do trabalho; |
Atividade de locação de veículos; |
Atividades de produção, distribuição, comercialização, manutenção, reposição, assistência técnica, monitoramento e inspeção de equipamentos de infraestrutura, instalações, máquinas e equipamentos em geral, incluídos elevadores, escadas rolantes e equipamentos de refrigeração e climatização; |
Atividades de produção, exportação, importação e transporte de insumos e produtos químicos, petroquímicos e plásticos em geral; |
Atividades cujo processo produtivo não possa ser interrompido sob pena de dano irreparável das instalações e dos equipamentos, tais como o processo siderúrgico e as cadeias de produção do alumínio, da cerâmica e do vidro; |
Atividades de lavra, beneficiamento, produção, comercialização, escoamento e suprimento de bens minerais; |
Atividades de atendimento ao público em agências bancárias, cooperativas de crédito ou estabelecimentos congêneres, referentes aos programas governamentais ou privados destinados a mitigar as consequências econômicas da emergência de saúde pública de que trata a Lei 13.979, de 2020; |
Produção, transporte e distribuição de gás natural; |
Indústrias químicas e petroquímicas de matérias-primas ou produtos de saúde, higiene, alimentos e bebidas. |
Fonte: Agência Senado |
Repercussão
A falta de conhecimento do ministro da Saúde sobre o decreto também foi criticada pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
“Bolsonaro atropela o seu novo ministro da Saúde. Aciona o modo ‘fritura’. Quer colocar no lugar dele um deputado aventureiro para fazer o serviço sujo da reabertura em meio a mais de 11 mil cadáveres”, disse o senador no twitter ao se referir às mais de 11 mil vítimas da covid-19 registadas.
O número de mortes pela doença também foi ressaltado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele descreveu a atual situação do país como um “caos”.
“Que vergonha! O país ultrapassou 11 mil mortes e o ministro da Saúde fica sabendo de decreto relacionado à saúde pela imprensa.
Mais um fantoche nas mãos de Bolsonaro. Não temos presidente nem ministro. Temos cidadãos perdendo suas vidas. É o caos. Genocidas!”, declarou.
Apesar de reconhecer que a decisão do presidente da República é uma reação à crise econômica, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), defendeu que neste momento é preciso priorizar a vida da população e seguir as recomendações do Ministério da Saúde.
Ele ainda afirmou que o decreto não exclui as competências das gestões estaduais e municipais para deliberarem sobre o funcionamento das atividades.
— Então compete agora aos estados e municípios decidirem na sua região o que é mais apropriado. Agora lembrando, mesmo voltando alguma atividade tem que ter muito cuidado, tem que tomar muitas precauções para não aglomerar, para não contaminar outras pessoas.
É um momento difícil realmente, a economia tá caindo muito, mas acima de tudo está a vida. Depois da vida, aí sim, vamos cuidar dos empregos, das empresas. Mas tudo com muito cuidado — disse à Agência Senado.