Relações Internacionais

Depois da Rússia invadir a Ucrânia, será a vez da China invadir Taiwan?

24 fev 2022, 20:21 - atualizado em 24 fev 2022, 20:34
Exemplo de Putin na Ucrânia vai incentivar pretensões da China, de Xi Jinping, sobre Taiwan?
Inspiração: exemplo de Putin na Ucrânia incentivará pretensões da China, de Xi Jinping, sobre Taiwan? (Imagem: Sputnik/Ramil Sitdikov/Kremlin/REUTERS)

Enquanto o mundo acompanhava os primeiros movimentos da invasão da Ucrânia pela Rússia, nesta quinta-feira (24), um episódio passou praticamente despercebido: nove jatos militares da China invadiram, mais uma vez, o espaço aéreo de Taiwan, levando o governo da ilha a emitir um novo alerta e a despachar aeronaves à região.

Embora a incursão tenha terminado sem maiores incidentes, foi suficiente para aumentar a preocupação de Taiwan com uma eventual invasão chinesa. O temor é ainda mais compreensível, quando se lembra que poucas horas antes do ataque russo aos ucranianos, a China emitiu uma nota em que afirma, com todas as letras, que Taiwan “não é a Ucrânia” e sempre foi uma “parte inalienável” do território chinês.

A manifestação era uma resposta à disposição de a presidente da ilha, Tsai Ing-wen, de aumentar a vigilância das atividades militares chinesas no seu entorno. Os comentários de Pequim vêm, também, depois que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, sinalizou o risco para Taiwan em um alerta na semana passada sobre as consequências danosas em todo o mundo, se as nações ocidentais não cumprirem suas promessas de apoiar a independência da Ucrânia.

Os EUA concordam com a China: Taiwan não é a Ucrânia

Mas, afinal, um eventual sucesso da Rússia em anexar a Ucrânia incentivaria a China a invadir Taiwan? Para dois ex-embaixadores do Brasil na China e um professor de Relações Internacionais ouvidos pelo Money Times, é bastante improvável que os chineses aproveitem a ocasião para dar curso às suas ambições expansionistas.

O principal motivo é que, sim, como afirma o governo chinês, Taiwan não é a Ucrânia, e os Estados Unidos e seus aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da Ásia concordam – claro que por outros motivos. Enquanto a Ucrânia, historicamente, possui laços mais fortes com a Rússia do que com o Ocidente, e só recentemente atraiu a atenção da Otan, Taiwan possui uma importância geopolítica muito maior para os Estados Unidos.

“Desde a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Maoísta, Taiwan se mostrou uma espécie de protetorado americano”, explica Guilherme Casarões, especialista em ciência política e professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Os americanos não abrem mão de influenciar a geopolítica da região”, acrescenta.

Assim, mesmo sem gozar do status de país reconhecido pela comunidade internacional e sem tratados oficiais de proteção, Taiwan conta com a proteção de aliados poderosos. “Se houver uma invasão a Taiwan, não é improvável que os Estados Unidos e o Japão intervenham”, afirma Roberto Abdenur, embaixador do Brasil em Pequim entre 1989 e 1993, e conselheiro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

Os EUA ainda intimidam alguém?

Joe Biden e Xi Jinping se cumprimentam durante encontro em Pequim em 2013 04/12/2013
Medindo forças: influência dos EUA, de Biden, declina, mas não pode ser ignorada (Imagem: REUTERS/ Lintao Zhang/Pool)

Por esse raciocínio, a premissa para que a China se contenha é que os Estados Unidos ainda sejam capazes de dissuadir qualquer tentação expansionista. Mas a própria invasão da Ucrânia pela Rússia, a despeito de todos os protestos, ameaças e sanções americanas, não prova que o país comandado por Joe Biden não intimida mais ninguém?

Afinal, o poderio americano está longe de seus dias dourados, em que era a incontestável potência hegemônica global. Agora, os Estados Unidos precisam lidar com outros atores poderosos à mesa – e, não por acaso, a Rússia e a China estão entre eles. Tudo isso é arrematado pela confusa política externa do atual ocupante da Casa Branca.

“A gente não sabe qual é a política externa de Biden, e isso fragiliza todo o sistema”, diz Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil na China e conselheiro internacional do Cebri. “A impressão é que os Estados Unidos querem desesperadamente dar demonstrações de que ainda detêm a maior parcela do poder mundial. Ninguém duvida disso, mas não se sabe por quanto tempo”, diz.

Ainda assim, seria simplista demais afirmar que o poderio militar e econômico americano seria incapaz de conter eventuais pretensões chinesas. “A debilidade dos Estados Unidos é relativa e sua força militar não pode ser subestimada”, sublinha Abdenur. E, em último caso, o diplomata lembra que outros países, como os membros da Otan, se juntariam aos americanos para impedir uma invasão a Taiwan.

Por último, ao invadir a Ucrânia e enfrentar sanções do Ocidente, a Rússia aumentou sua dependência da China. Entre lutar e lucrar, é mais conveniente para os chineses a segunda opção. “A China adotará uma postura de superioridade em relação aos russos, porque sabe que a Rússia dependerá mais do que nunca de suas mercadorias”, explica Caramuru, que resume a situação: “os chineses têm muitos interesses em jogo, para se abraçarem à Rússia numa aventura que seria condenada por todo o mundo.”

Com colaboração de Alexa Meirelles e Laura Intrieri e informações da Reuters.

 

Diretor de Redação do Money Times
Ingressou no Money Times em 2019, tendo atuado como repórter e editor. Formado em Jornalismo pela ECA/USP em 2000, é mestre em Ciência Política pela FLCH/USP e possui MBA em Derivativos e Informações Econômicas pela FIA/BM&F Bovespa. Iniciou na grande imprensa em 2000, como repórter no InvestNews da Gazeta Mercantil. Desde então, escreveu sobre economia, política, negócios e finanças para a Agência Estado, Exame.com, IstoÉ Dinheiro e O Financista, entre outros.
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