Desapropriação de terra queimada (ADPF 743) gera flagrante insegurança jurídica

No ano de 2020, o partido político Rede Sustentabilidade iniciou perante o STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 743). Buscava remédio constitucional sob a alegação de que a União e os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul falhavam em combater os incêndios nos biomas da Amazônia legal e do Pantanal. Aderiram e passaram a atuar como amici curiae (amigo da corte), na ADPF, várias organizações, governamentais ou não, ligadas ao movimento ambiental.
A ADPF 743 foi relatada pelo ministro Flavio Dino e dela resultaram algumas determinações de cumprimento de preceitos constitucionais, dentre elas, uma de maior impacto que trata da desapropriação de terras atingidas por incêndios ou desmatamentos ilegais.
Num primeiro momento, a intenção de alguns dos promoventes da ADPF e das ONGs que atuavam como amici curiae era a de, já na execução do que foi decidido pelo STF, aplicar o disposto no artigo 243 da Constituição Federal, que permite a desapropriação de propriedades utilizadas no cultivo de plantas destinadas à produção de drogas ilícitas ou na exploração de trabalho escravo, sem qualquer indenização aos titulares dessas propriedades.
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O pedido era de aplicação analógica dessa penalidade constitucional ao proprietário das terras que tivessem sofrido desmatamento ou incêndio ilegais.
Após o trâmite desses pedidos e com a oposição inclusive da CGU e da PGR, o Ministro Dino assim decidiu: “embora seja refutada a aplicação – neste momento – do art. 243 da Constituição Federal, afigura-se perfeitamente aplicável a adoção de outras medidas administrativas que induzam ao fiel cumprimento do Acordão do Supremo Tribunal Federal transitado em julgado”. Aqui enfatizo a expressão “neste momento”.
Ao assim decidir, o ministro acabou por determinar a promoção de medidas administrativas à União Federal para que promova a desapropriação, por interesse social, de áreas atingidas por incêndio ou desmatamento ilegal, sem estabelecer a forma como será delimitada a responsabilidade dos proprietários das terras.
Não obstante ter determinado as medidas de desapropriação por interesse público, que pressupõem prévia indenização, é flagrante a insegurança jurídica que decorre da referida decisão, pois criou-se um vácuo jurídico permissivo de arbitrariedades e inconstitucionalidades.
O ponto fulcral é saber a quem cabe determinar quem é o verdadeiro responsável pelo incêndio ilegal. A determinação da autoria e da ilegalidade, nesse caso, é primordial para a aplicação de penalidade tão radical, não sendo admissível que fique à mercê de qualquer subjetividade. Mas, onde estão os necessários critérios objetivos?
Noutra ponta, mesmo com a premissa de uma justa indenização prévia, essas desapropriações costumam resultar em discussões jurídicas de décadas, em que o proprietário expropriado perde quase que de imediato a posse das terras, com pagamento de montantes ínfimos em relação ao seu real valor.
Para avolumar ainda mais essa insegurança, o STF vem construindo jurisprudência que coloca em risco os princípios fundamentais de prévia e justa indenização em caso de desapropriação, como, por exemplo, ao limitar juros compensatórios (ADI/STF 2332) incidentes sobre o valor não recebido pelo proprietário expropriado que não tenha recebido previamente a justa indenização.
Joga-se o proprietário a uma batalha judicial infindável, sem poder produzir em suas terras (expropriadas) e sem ter acesso à justa prévia indenização.
Por fim, ao inviabilizar ao proprietário a regularização de terras sobre as quais pesem as mesmas acusações – como dito, possivelmente arbitrárias e à margem do devido processo legal –, novo limbo pesará sobre esse proprietário que, nestes casos, encontra-se no risco de sequer poder discutir uma indenização, mesmo que por décadas.
A conclusão a que se chega é no sentido de que não se pode penalizar uma maioria de bons agricultores pelas ilicitudes cometidas por alguns poucos infratores. Espera-se que os órgãos estatais, de preferência em sede legislativa, regrem a questão com critérios objetivos, salvaguardando o direito de propriedade legítimo, sob a guarda do estado de direito.