Do tarifaço ao feliz aniversário: o encontro que mudou o rumo da relação entre Lula e Trump
Ninguém sabe ao certo se durou 20 ou 39 segundos, como disse Donald Trump. Talvez tenha sido um minuto, quase dois. Mas o rápido encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente dos Estados Unidos, nos bastidores da Assembleia Geral da ONU em setembro, parece ter bastado para mudar o rumo de uma relação que seguia em direção a uma colisão diplomática.
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Da “química” citada por Trump à “petroquímica” mencionada por Lula, a tensão bilateral deu lugar a um tom mais amistoso — embora o tarifaço americano ainda esteja em vigor.
No fim de semana, os dois voltaram a conversar, dessa vez por quase uma hora. Em um breve contato com a imprensa, ambos se mostraram descontraídos. Nesta segunda-feira (27), a bordo do Air Force One, Trump desejou “feliz aniversário” a Lula, que completa 80 anos, e o descreveu como “um cara muito vigoroso”.
“Ele [Trump] garantiu que vamos ter um acordo. E acho que será mais rápido do que muita gente pensa”, afirmou Lula após a conversa.
O início da crise: quando a tarifa virou arma política
Em julho, a Casa Branca elevou tarifas sobre importações brasileiras para até 50%, ampliando medidas aplicadas em escala global meses antes. A justificativa pública misturou comércio e política doméstica: Trump chamou o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro de “caça às bruxas”.
Além da tarifa “recíproca” de 10% imposta a todos os parceiros comerciais, os EUA aplicaram uma sobretaxa de 40% à maioria dos produtos brasileiros.
Para exportadores de aço, carne, café, suco e manufaturados, o impacto foi imediato — tanto nos custos quanto na previsibilidade.
O Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) também abriu uma investigação contra o Brasil, alegando “práticas comerciais desleais”.
Em paralelo, a Casa Branca impôs restrições de visto a oito magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles Alexandre de Moraes, com base na Lei Magnitsky, que prevê sanções a estrangeiros acusados de violações de direitos humanos.
As medidas vieram em meio ao julgamento que condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado.
Em resposta, o governo brasileiro classificou as ações como “ataques à soberania nacional” e uma tentativa de interferir na independência do Judiciário.
A virada: um aperto de mãos e um “parabéns”
A primeira brecha no gelo surgiu semanas antes, durante os preparativos para a Assembleia-Geral da ONU. Mas foi na Ásia, durante uma reunião bilateral na Malásia, que o tom começou a mudar. Lula afirmou que Trump “garantiu” um acordo comercial “em breve”, enquanto o americano ponderou: “Tivemos uma boa conversa; não sei se algo vai acontecer”.

Lula também pediu a suspensão das tarifas e a revisão das punições impostas a ministros e autoridades brasileiras. Segundo ele, Trump teria ficado “surpreso” ao saber que até familiares de autoridades haviam sido afetados — entre eles, a filha de 10 anos do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que teve o visto americano cancelado junto com os pais.
Durante a conversa, Lula defendeu a legitimidade do julgamento do STF que condenou Bolsonaro, reforçando que “o Brasil é uma democracia sólida e independente”.
Após o encontro, o perfil oficial da Casa Branca publicou uma foto dos dois presidentes se cumprimentando, com a frase de Trump: “Acho que seremos capazes de fechar alguns bons acordos para ambos os países. Sempre tivemos um bom relacionamento e acredito que isso continuará”.
O gesto simbólico se somou ao “feliz aniversário” enviado por Trump, visto como um sinal de distensão diplomática.
O que vem pela frente
Mais do que afinidade pessoal, a reaproximação entre Lula e Trump reflete a importância estratégica das relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos — especialmente diante da nova onda de tensões comerciais.
“Eu disse a ele que era extremamente importante levar em conta a experiência do Brasil como o maior país da América do Sul, o mais relevante economicamente e que tem quase toda a região como vizinha”, disse Lula.
Segundo o chanceler Mauro Vieira, Lula também se colocou à disposição para atuar como “interlocutor” entre os EUA e a Venezuela, em meio à pressão crescente da Casa Branca sobre o governo de Nicolás Maduro.