Opinião

E depois do Marco Legal do Saneamento: qual é o próximo passo?

19 jul 2020, 11:29 - atualizado em 19 jul 2020, 11:29
Saneamento
Afinal, em pleno século XXI, mais de 100 milhões de brasileiros ainda não têm coleta de esgoto e mais de 35 milhões sequer têm acesso a água tratada encanada (Imagem: Pixabay)

O novo Marco Legal do Saneamento Básico certamente foi o projeto mais importante aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente desde a reforma da previdência.

O panorama sanitário brasileiro é grave demais para que as condições de água e esgoto continuassem a ser ignoradas pela classe política.

Afinal, em pleno século XXI, mais de 100 milhões de brasileiros ainda não têm coleta de esgoto e mais de 35 milhões sequer têm acesso a água tratada encanada.

Agora, com os novos parâmetros regulatórios, poderemos ampliar os investimentos em infraestrutura de saneamento básico para todos. Mas ainda falta um detalhe: a regularização da propriedade.

Sem regularizar o título de propriedade de um imóvel (casa, terreno ou laje), a companhia de água e esgoto não leva infraestrutura de saneamento até o cidadão.

Afinal, é justamente o direito à propriedade privada que garante o registro e a associação daquele bem a uma pessoa física específica.

Isto é, caso a conta de água não seja paga, a companhia sabe de quem cobrar pela inadimplência e consegue executar essa cobrança juridicamente.

Por outro lado, sem a devida documentação de registro da propriedade, o ativo físico não está “conectado” a um CPF ou um CNPJ, de modo que qualquer execução contra ele seja inócua.

Saneamento básico
Sem regularizar o título de propriedade de um imóvel (casa, terreno ou laje), a companhia de água e esgoto não leva infraestrutura de saneamento até o cidadão (Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Um imóvel sem registro implica em consequências ainda mais severas: o cidadão não tem sequer um CEP (Código de Endereçamento Postal).

O que pode ser tão trivial para a maioria das pessoas como um comprovante de residência representa uma verdadeira preciosidade para quem não tem a escritura de sua casa.

Sem comprovante de residência, não só água e esgoto não chegam como também quaisquer outras obras de urbanização: a iluminação pública e a rede elétrica chegam por “gato”; a Prefeitura dificilmente destina verba para asfaltamento e drenagem; o serviço postal não chega; a abertura de uma conta bancária torna-se mais difícil; e até mesmo a contração de um empréstimo no banco é dificultada porque a estrutura de garantia (o imóvel irregular) não é formalizada.

Hoje, estima-se que mais de 30 milhões de imóveis no País sejam irregulares. Isso quer dizer que o imóvel existe fisicamente, mas a falta de seu adequado registro documental faz com que esse mesmo imóvel inexista juridicamente.

É o que Hernando de Soto, economista peruano, chama de “capital morto”: ativos que existem na realidade, mas estão inutilizados para negociações e instrumentos financeiros formais. Nos Estados Unidos, aproximadamente 70% dos empreendedores iniciam seus negócios hipotecando suas casas.

Favela
Hoje, estima-se que mais de 30 milhões de imóveis no País sejam irregulares (Imagem: Agência Brasil/Rovena Rosa)

Isto é, com direitos de propriedade devidamente registrados, cria-se a possibilidade de tornar o ativo físico em capital de fato: um montante com potencial econômico para servir de garantia a um empréstimo contraído no banco, por exemplo.

De acordo com Hernando de Soto, economista peruano, estima-se haver no mundo cerca de US$10 trilhões em imóveis irregulares.

São US$10 trilhões de “capital morto” localizados principalmente nos países mais pobres, exatamente onde o crédito lastreado em ativos é mais necessário para a geração de riqueza.

A diferença, portanto, entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, de acordo com de Soto, está na capacidade de suas instituições para absorver, reconhecer e garantir o devido registro formal da propriedade física em ativos juridicamente reconhecidos para a livre negociação no mercado.

O desafio a ser encarado no Brasil não é pequeno: atualmente, o processo de regularização fundiária das áreas mais pobres (classificado como REURB-S, de acordo com a Lei nº 13.465/17) depende exclusivamente do orçamento público.

E, em meio à situação cada vez mais crítica das contas públicas nacionais, esse orçamento para regularizar a propriedade torna-se absolutamente insuficiente perante toda a demanda.

Por isso, reformas incrementais à legislação vigente são urgentes: é preciso permitir o financiamento do processo de regularização sem dependência do orçamento público, mediante a auto-organização e custeio da própria comunidade. É o que propõe o Projeto de Lei 413/2020, do Deputado Vinicius Poit (NOVO).

A informalidade é um problema crônico no Brasil. Seja a informalidade no emprego ou a informalidade da propriedade, ambas têm como fato causador o excesso de burocracia, o custo elevado e a incidência de regulações extremamente restritivas à liberdade negocial.

Já não cabe mais, em pleno século XXI, o domínio da ineficiente máquina estatal sobre a vida de particulares em um país que se pretende ao desenvolvimento econômico.

A prosperidade exige liberdade, exige menos burocracia e exige formalidade para os direitos de propriedade. Depois do Marco Legal do Saneamento Básico, será a regularização fundiária a grande revolução para tornar o cidadão brasileiro proprietário de fato de suas posses.

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terraco.economico@moneytimes.com.br
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