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Thinking outside the box

Eleições no Chile selam a guinada conservadora na América do Sul — o Brasil caminha na mesma direção?

21 nov 2025, 18:03 - atualizado em 21 nov 2025, 18:15
José Antonio Kast
José Antonio Kast ficou em segundo lugar, com 23,93%, seguido por Franco Parisi (REUTERS/Rodrigo Garrido)

Depois da vitória de Javier Milei na Argentina em 2023 — reforçada pelas eleições de meio de mandato no mês passado — e do avanço das forças conservadoras na Bolívia em 2025, o Chile agora caminha para um segundo turno amplamente favorável à direita, consolidando a tendência de deslocamento político que se espalha pelo eixo sul-americano.

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Durante o último domingo, aproximadamente 13 milhões de chilenos foram às urnas em uma eleição marcada por profunda polarização política e por um ambiente social tensionado, reflexo direto do avanço da criminalidade e da crescente inquietação com a imigração.

Trata-se de um pleito particularmente relevante em um país historicamente estável — maior produtor mundial de cobre e uma das economias mais sólidas da América Latina — mas que, nos últimos anos, viveu um ciclo atípico de turbulência institucional e perda de confiança.

Sob a gestão de Gabriel Boric, o jovem presidente de esquerda eleito em 2021 após a onda de protestos contra a desigualdade, o Chile viu fracassar duas tentativas sucessivas de reformar sua Constituição.

A primeira proposta, amplamente progressista, foi rejeitada por ser considerada excessiva; a segunda, vista como conservadora demais ao preservar traços estruturais da Carta herdada do regime de Augusto Pinochet, também acabou recusada nas urnas.

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Esse duplo insucesso, somado ao enfraquecimento da atividade econômica e à escalada da violência, corroeu de forma consistente a popularidade do presidente.

Hoje, segundo o instituto Activa, metade da população considera a criminalidade o maior problema do país, enquanto cerca de 30% aponta a imigração como fonte central de preocupação.

Esse pano de fundo explica a configuração eleitoral atual e reforça um movimento que venho destacando há mais de um ano: a inflexão política na América do Sul em direção a plataformas mais conservadoras e pró-mercado.

Depois da vitória de Milei na Argentina em 2023 e do avanço da direita na Bolívia em 2025 — onde o segundo turno reuniu apenas candidatos desse espectro, culminando na vitória de Rodrigo Paz — o Chile agora se aproxima de um segundo turno amplamente favorável ao campo conservador, consolidando uma tendência regional de deslocamento político.

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Aliás, o caso argentino merece atenção especial. A vitória expressiva de Javier Milei nas eleições legislativas reforçou de forma contundente seu projeto liberal e ampliou o capital político necessário para avançar com reformas estruturais ambiciosas.

O LLA conquistou 13 das 23 províncias, além da Cidade Autônoma de Buenos Aires, superando a coalizão peronista/kirchnerista por quase 10 pontos percentuais e ultrapassando 40% dos votos válidos — uma das derrotas mais significativas do kirchnerismo em décadas.

Com o apoio do PRO, de Mauricio Macri, e de governadores alinhados ao mercado, Milei tende a consolidar uma base legislativa forte, com capacidade para barrar vetos da oposição e acelerar medidas de desregulamentação, privatização e ajuste fiscal.

Na prática, o pleito foi interpretado como um referendo favorável ao seu programa econômico, sugerindo que, apesar das dificuldades inerentes ao período de transição, a sociedade argentina continua apoiando o conjunto de reformas propostas pelo governo.

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No curto prazo, a agenda econômica argentina se concentra prioritariamente em uma reforma monetária de amplo alcance, cujo objetivo central é estabilizar o câmbio, derrotar de forma definitiva a inflação e reconstruir a credibilidade macroeconômica — elementos indispensáveis para destravar um ciclo sustentável de crescimento.

O resultado eleitoral cria uma janela rara para enfrentar distorções históricas, embora a eficácia dessas mudanças dependa, em última instância, da capacidade técnica de implementação e da preservação do apoio político e social que as sustenta.

Para além das fronteiras argentinas, o avanço de Milei se insere em um movimento regional mais amplo, marcado pelo desgaste de modelos populistas e estatizantes e pela ascensão de plataformas liberais, pró-mercado e fiscalmente responsáveis.

Nesse contexto, o caso argentino ganha dimensão simbólica: pode se transformar em referência para outras democracias latino-americanas que caminham para seus próprios ciclos eleitorais, reforçando a tendência de realinhamento político no continente.

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Retornando ao Chile, é importante notar que essa guinada não é um fenômeno isolado da América do Sul.

No período pós-pandemia, a rejeição aos governos incumbentes tornou-se recorrente em democracias de diferentes continentes, e o cenário chileno reflete essa dinâmica global de insatisfação com a gestão atual.

No primeiro turno, Jeannette Jara — candidata de esquerda apoiada por Gabriel Boric — terminou em primeiro lugar com 26,85% dos votos, representando uma tentativa de continuidade em um ambiente no qual a rejeição ao status quo tem sido cada vez mais vocal.

Ainda assim, o ponto mais relevante não está na liderança isolada da candidata governista, mas no conjunto do resultado: a direita chilena registrou seu melhor desempenho desde a redemocratização, conquistando mais da metade do Congresso e impondo à esquerda seu pior resultado em décadas.

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A lista dos mais votados reforça essa leitura. José Antonio Kast ficou em segundo lugar, com 23,93%, seguido por Franco Parisi (19,71%), Johannes Kaiser (13,94%) e Evelyn Matthei (12,46%) — todos nomes vinculados ao campo conservador, que já declararam apoio a Kast para o segundo turno.

A consolidação desse bloco cria um cenário eleitoral amplamente favorável à direita, ampliando a probabilidade de alternância de poder no Chile e reforçando a inflexão política que tem caracterizado a região sul-americana nos últimos anos.

Fonte: Servel

Essa configuração eleitoral cria um ambiente amplamente favorável a José Antonio Kast no segundo turno de dezembro, com alta probabilidade de uma vitória confortável — potencialmente superando a marca de 60% dos votos.

Trata-se de um cenário muito distinto daquele observado em 2021, quando Kast liderou o primeiro turno, mas acabou derrotado por Gabriel Boric na etapa final.

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Agora, o movimento pendular da política chilena se inverteu com força, refletindo uma reacomodação ideológica mais ampla em curso no continente sul-americano.

Esse reposicionamento do Chile se soma a uma dinâmica regional que deve ganhar intensidade nos próximos anos. Peru e Colômbia caminham para disputas presidenciais igualmente polarizadas em 2026, enquanto o Brasil pode ingressar no mesmo processo de recomposição das forças políticas.

No caso brasileiro, o rearranjo da oposição já começa a tomar forma: a construção de uma candidatura única avança de maneira mais visível, com crescente convergência em torno do nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas — algo que venho destacando desde 2023 e que hoje se cristaliza com mais nitidez no tabuleiro eleitoral.

O desfecho chileno, portanto, reforça a percepção de que o ambiente político da região segue em transformação e de que há espaço concreto para mudanças significativas também no Brasil.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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