Em tempestade perfeita, agricultores e traders estão ‘voando às cegas’ com falta de dados durante paralisação nos EUA

Dados dos Estados Unidos essenciais para o comércio global de grãos e soja estão inacessíveis durante a paralisação do governo federal, deixando traders de commodities e agricultores sem estimativas de produção, dados de exportação e relatórios de mercado durante o pico da colheita de outono.
O apagão de dados ocorre em um momento particularmente difícil para os agricultores, que enfrentam preços baixos dos grãos e incertezas sobre os danos causados às lavouras de milho e soja por clima seco e doenças agrícolas.
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Paralisações anteriores durante o primeiro mandato do presidente Donald Trump foram menos disruptivas, disseram analistas, porque ocorreram após a temporada de colheita.
Trump está atualmente travado em uma guerra comercial com a China, que manteve o maior importador mundial de soja afastado das compras dos EUA. Traders vinham acompanhando de perto qualquer indício de acordo, mas o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) não está confirmando as vendas de exportação como de costume.
A interrupção deixou agricultores e traders sem informações atualizadas do governo sobre o andamento da colheita e o estado das lavouras. O setor depende dos relatórios do USDA para precificar e fazer hedge de commodities, de milho e soja a gado e suínos.
“O mercado está simplesmente voando às cegas aqui”, disse Sherman Newlin, agricultor de Illinois e analista da Risk Management Commodities.
Entre os relatórios suspensos estão o relatório semanal de vendas de exportação do USDA, os anúncios diários de vendas e o relatório mensal de Oferta e Demanda Agrícola Mundial (WASDE), que estava previsto para quinta-feira (9).
O relatório de oferta e demanda traria atualizações sobre a produção de milho e soja dos EUA e a demanda global, justamente quando os agricultores colhem grandes safras.
A Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC) também suspendeu a divulgação dos dados semanais sobre posições especulativas nos mercados, que podem influenciar os preços agrícolas.
A CFTC não pôde ser contatada imediatamente para comentar, enquanto o USDA culpou os democratas pelas interrupções nos dados.
“Enquanto os democratas continuam votando para prolongar a paralisação do governo, relatórios importantes como o WASDE e o de progresso da colheita estão sendo adiados, privando os agricultores de informações essenciais para comercializar suas safras e planejar o próximo ano”, disse o USDA em comunicado à Reuters.
Sem essas atualizações, investidores estão recorrendo a conversas com agricultores, imagens de satélite e movimentos técnicos de preços na bolsa de Chicago para tentar decifrar as ações dos traders comerciais e fundos de commodities.
Mas a falta de dados resultou em menos transparência de mercado e um campo de jogo desigual, segundo alguns traders.
Empresas globais de grãos como Cargill, Bunge Global e Archer-Daniels-Midland possuem grandes estoques e dados proprietários, o que, segundo traders, lhes dá vantagem sobre empresas menores. As companhias não comentaram.
Como assumir riscos?
O volume de negociações nos futuros de grãos caiu, pois os investidores hesitam em assumir grandes posições sem os dados semanais da CFTC, que revelam as posições dos fundos.
“Sem esse tipo de dado, quem vai querer assumir um grande risco?”, disse Newlin.
Segundo Ole Houe, diretor da IKON Commodities em Sydney, a falta de dados afeta mais os traders dos EUA, pois participantes da Ásia, América do Sul e Europa têm outras fontes de informação.
Traders dizem que é possível sobreviver ao mês de outubro sem os dados mensais do USDA, porque já se sabe que as safras americanas são grandes. Mas eles alertam que poderão enfrentar um choque quando as atualizações forem retomadas.
“Toda a indústria de grãos acompanha esse relatório mensal”, disse Erica Maedke, vice-presidente da Ever.Ag Insights, referindo-se ao WASDE. “No próximo mês, as estimativas de todo mundo vão estar fora do rumo”.
Enquanto isso, analistas se apoiam em conversas com agricultores e armazéns de grãos para montar o quadro de mercado.
Traders também estão acompanhando o basis da soja, a diferença entre os preços à vista e os futuros, para entender se os agricultores estão segurando as vendas ou se o fornecimento está apertado devido à demanda de exportação.
“É como olhar para um elefante e enxergar só uma lasquinha dele”, disse Maedke. “O USDA nos dá o quadro completo todo mês. Sem isso, você só vê o seu pedacinho”.
Empresas privadas como StoneX e S&P Global Commodity Insights divulgaram suas próprias estimativas de produção, mostrando rendimento menor no milho. Ainda assim, os dados do USDA, que combinam imagens de satélite, pesquisas com agricultores e amostras de campo, continuam sendo a referência principal do mercado.
“No geral, o USDA nos dá os números mais objetivos que temos”, disse Diana Klemme, da Grain Service Corporation, em Atlanta. “Eles podem não estar sempre certos, mas o mercado opera com base neles. Estamos sentindo falta”.