Opinião

Sidnei Nehme: Entendendo a postura do BC, o fluxo cambial e a coerência

29 ago 2018, 17:42 - atualizado em 29 ago 2018, 17:45

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO

O mercado de câmbio atravessa um momento em que a formação do preço da moeda estrangeira está bastante exacerbada e desprovida de fundamentos, visto que o Brasil tem uma situação de extrema folga na situação cambial, sem quaisquer riscos de crise cambial.

Com uma situação na área cambial bastante díspar em relação ao tripé economia-política-jurídico, que suscitam relevantes dúvidas e incertezas, o país está em condição privilegiada em relação aos demais emergentes, não havendo nenhuma razão para que ocorra intranquilidade em torno do câmbio.

O quadro em 2018 nada tem a ver com o cenário vivido em 2002. Absolutamente antagônico.

Em 2002 o país tinha US$ 37,0 Bi de reservas cambiais, insuficientes para cobertura do passivo externo, e um déficit em transações correntes acima de 1,6% do PIB, e face à exiguidade de suas reservas estava vulnerável na questão cambial e não tinha como utilizar estratégias operacionais adequadas que pudessem gerar proteção cambial e nem liquidez ao mercado de câmbio à vista. O dólar na véspera das eleições chegou a preço equivalente a R$ 7,00.

Em 2018 o país detém US$ 380,0 Bi de reservas cambiais, auto suficiente face a totalidade do passivo externo, e um déficit em transações correntes abaixo de 0,7% do PIB. Este enorme “colchão de reservas” permite que o Banco Central do Brasil o utilize para lastrear dando credibilidade a todo o volume de “swaps cambiais”, atualmente em torno de US$ 70,0 Bi, operação que não implica em reduzir o volume de reservas, visto protegerem o passivo em moeda estrangeira, mas liquidado por diferença da variação cambial com o juro em moeda nacional.

Além disto, com base neste “colchão de reservas” pode prover de liquidez para o mercado de câmbio a vista, sempre que necessário, com a oferta de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra, o que combina uma operação de venda a vista com uma compra a prazo por parte do Banco Central do Brasil, que não implica em reduzir em termos efetivos as reservas cambiais. No conceito de liquidez internacional permanece inalterada e no conceito de caixa sofre a redução do estoque com a linha fornecida, mas tem o haver da mesma a prazo.

Esta é uma situação privilegiada do Brasil quando se observa a situação de outros emergentes, e que ancora a postura de tranquilidade por parte do Banco Central do Brasil, que assim só intervém quando e se necessário, não focando interferir na formação do preço da moeda americana, salvo se houver volatilidade decorrente de fluxos efetivos, mas quando, como na atualidade, decorrer de movimentos especulativos desamparados de fundamentos e forjados no emocional e não no racional não deve interferir, até porque sabe que os preços não tem sustentação duradoura ancorada em fundamentos.

Os dados da situação externa do país são disponíveis e públicos no site do Banco Central do Brasil.
Isto é o que se presencia no momento. Não há o que criticar a postura do Bando Central do Brasil, que, talvez, no nosso entender precisasse tão somente emitir alertas ao mercado pontificando a robustez do país no quadro cambial atual, evitando que se proliferem entendimentos desconexos com a realidade.

Mantendo-se na postura de observar sem intervir quando não há razão fundamentada, a autoridade monetária cumpre com efetividade o seu papel.

A demanda do mercado por proteção cambial (hedge) sinaliza estar atendida, enquanto a liquidez em poder dos bancos, sinalizava há 2 semanas US$ 7,0 Bi e na semana passada US$ 4,0 Bi, havendo forte sinalização de intensificação de saídas de investidores estrangeiros, em especial de renda fixa, com o fluxo cambial negativo financeiro de US$ 4,313 Bi na semana de 13 a 17.

Agora, verifica-se que o fluxo cambial de 20 a 24 aponta continuidade de saídas financeiras da ordem de US$ 1,836 Bi, totalizando no mês US$ 7,730 Bi, contrapondo-se ao fluxo comercial positivo no mês de US$ 4,738 Bi, resultando em fluxo cambial total do mês negativo em US$ 2,992 Bi dado que revela que o colchão de liquidez, considerando que os bancos tem US$ 2,9 Bi tomados em linhas de financiamentos em moeda estrangeira com recompra, em poder dos bancos caiu a zero, razão pela qual o BC, pontualmente, anunciou um leilão de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra de US$ 2,150 Bi na próxima 6ª feira, dia 31, virada do mês e data do Ptax.

Esta intensificação de saídas dos estrangeiros parece uma tendência efetiva neste momento, que deve agregar a continuidade de saídas de renda fixa e agora também de renda variável (Bovespa, em especial), e então se faz necessária e intervenção, ou melhor ação pontual, do Banco Central do Brasil, por haver demanda efetiva.

Importante ressaltar e corrigindo interpretações mais apressadas, a autoridade monetária não tem e nem deve ter foco em interferir na formação do preço da moeda estrangeira, mas sim, profilaticamente, irrigar o mercado a vista de câmbio com adequada oferta de liquidez.

O que se vê no mercado de câmbio, ou pelo menos nas cotações do preço da moeda americana, é algo absolutamente fora do ponto e sem sustentação, já que faltam fundamentos sustentáveis e há uma expressiva transparência dos números que asseguram que o país não tem risco de crise cambial.

Neste ano 2018, o dólar é uma aposta errática, o que está com perspectivas preocupantes é a economia e o exuberante e quase impagável, no curto/médio prazos, déficit fiscal , diferente de 2002 quando tinha um quadro melhor e não havia déficit fiscal.

Impactos inflacionários devem ser mitigados, visto que a quase totalidade dos passivos está protegido por “hedge cambial”, os reflexos devem ser menores do que os ruídos no entorno.

Embutir prêmio excessivo no câmbio, face ao cenário prospectivo, pode se revelar um erro e acarretar prejuízos consideráveis.

Desta vez, o dólar não tem por que ser a “bola da vez”!

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