Política

Entrada do Brasil na OCDE provoca polêmica na CRE

13 jun 2019, 18:11 - atualizado em 13 jun 2019, 18:11
Para o senador Jaques Wagner (ao microfone), autor do requerimento, o processo de adesão de um país é lento e precisa do apoio de todos os integrantes efetivos (Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Por iniciativa do senador Jaques Wagner (PT-BA), a Comissão de Relações Exteriores (CRE) debateu nesta quinta-feira (13) as negociações entre os governos dos EUA e do Brasil, sobre o eventual ingresso do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Participaram do debate representantes do governo ligados aos ministérios da Economia, da Agricultura e ao Itamaraty, mais o economista Paulo Nogueira Batista e o ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral.

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Soberania em questão

O debate foi marcado pela profunda divergência entre os técnicos ligados ao governo e os outros participantes e parlamentares, sobre a conveniência do Brasil entrar na OCDE.

Nogueira Batista alerta que há riscos na autonomia brasileira em relação à definição das políticas públicas, já a partir do momento em que começa a negociar o eventual ingresso na organização.

Ele lembrou que a OCDE existe desde 1961, e tem as relações entre os 36 países regidas por 252 protocolos. Conhecida popularmente como o “clube dos ricos”, a organização até hoje mantém esta aura segundo o economista, por ter sido fundada e composta por uma grande maioria de nações com alto índice de desenvolvimento sócio-econômico. Devido a esta “marca registrada”, para ele, as poucas nações em desenvolvimento que integram a OCDE não têm nenhuma influência nas decisões internas. Para o economista, não seria conveniente para o Brasil, amarrá-los a estratégias de desenvolvimento características de países muito diferentes do nosso.

— A OCDE é um clube normativo, com normas que restringem severamente a aplicação de políticas de desenvolvimento que convêm a nós. E o governo Trump ainda condiciona nossa entrada a abrir mão do tratamento especial diferenciado [TED] na OMC [Organização Mundial do Comércio], o que será um pedágio muito pesado pro país. Então é absurdo. Estamos optando por uma estrada estreita e problemática que conduz ao precipício. O precipício é perder a soberania na definição de uma série de políticas públicas num grande número de áreas — disse Nogueira Batista.

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Nogueira ainda ressalta que na OCDE, os países em desenvolvimento não possuem nenhum tratamento diferenciado, sendo, na prática, “sócios secundários”. Um cenário muito diferente ao que o Brasil tradicionalmente cumpriu na OMC, onde liderou os países em desenvolvimento e foi o mais beneficiado pelo mecanismo de solução de controvérsias. O economista acrescentou que China e Índia nem cogitam abrir mão do TED e que as regras da OCDE relativas ao mercado de capitais, podem ser especialmente nocivas.

— A liberalização da conta de capitais praticada na OCDE é bem mais radical que a recomendada pelo FMI [Fundo Monetário Internacional]. Muitos economistas, aos quais eu me alinho, entendem que adotar este tipo de política não favorece países em desenvolvimento. Uma das muitas razões porque China e Índia nem cogitam entrar na OCDE é esta, justamente porque adotam um regime de administração da conta de capitais. Muito mais bem-sucedido que o de outros países emergentes que adotam políticas liberais — opinou.

Brasil: caso único

Nogueira Batista ainda considera que o Brasil se apequena ao aceitar abrir mão do TED. Ressaltou que países como Coreia do Sul, Nova Zelandia, Estonia, México e Chile não abriram mão do TED para entrarem na OCDE. Esta exigência também não está sendo cobrada de Argentina, Colômbia, Bulgária ou Romênia, que também negociam.

Jaques Wagner e Welber Barral ainda ressaltaram que o processo de adesão de um país é lento e precisa do apoio de todos os integrantes efetivos. Na opinião deles, este processo de adesão traz incertezas intrínsecas, com o inconveniente de amarrar o país a pré-requisitos durante anos, para que as negociações sejam mantidas. Além disso, ainda avaliam que Argentina e Colômbia estão na frente do Brasil neste processo, o que deve atrasar ainda mais a adesão brasileira na “fila” envolvendo nações latino-americanas.

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— A nota oficial brasileira menciona que a adesão se dará em linha com a proposta dos EUA. Nas rodadas Uruguai e Doha da OMC, o Brasil era o líder dos emergentes. Nos termos em que negocia a entrada na OCDE, o Brasil perde esta posição. Modifica nossa condição negociadora em temas relevantes da OMC e perde protagonismo — concluiu Barral.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA) também criticou a “subserviência” aos EUA, e teme que esta nova diretriz traga perdas em negociações estruturais com a China.

A defesa do governo

Para o secretário de política exterior do Itamaraty, Norberto Moretti, a relação custo-benefício da entrada do Brasil na OCDE será benéfica. Deixou claro que todos os acordos com TED que o Brasil goza hoje na OMC serão mantidos, perdendo este status apenas nas negociações futuras.

— Quando levamos em conta o potencial de atração de investimentos que a adesão à OCDE provoca, além do aprimoramento das políticas públicas subsequentes, os ganhos econômicos são inegáveis. A tendência da OMC hoje é limitar o TED apenas aos países mais pobres do mundo, e nós não nos enquadraremos mais. Além do mais, historicamente, o TED falhou como estratégia de desenvolvimento para a maioria dos países que o adotaram. Porque o TED desestimula a exportação de produtos de maior valor agregado. O mais importante para nações como o Brasil é trabalhar na reforma das regras da OMC do que se ater ao TED — defendeu Moretti.

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O diplomata ainda ressaltou que, segundo estudos do Itamaraty, o Brasil hoje estaria em conflito com menos de 10% dos protocolos da OCDE. Ou seja, a eventual adesão não causará, segundo ele, esforços traumáticos de adaptação, com o conveniente de diminuir consideravelmente as avaliações de risco dos investidores internacionais.

Fernando Alcaraz, da secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), também valorizou a melhoria qualitativa que, a seu ver, o Brasil terá na adoção e aplicação de políticas públicas. Ressaltou que a OCDE possui 60 comissões de estudos e avaliações de políticas em todas as áreas, com pessoal altamente qualificado das mais diversas partes do mundo, uma expertise que estará totalmente ao dispor do Brasil visando o incremento da sua gestão governamental. Também fez questão de avisar que a OCDE possui poder de recomendar as políticas, cabendo ao Estado a decisão final, e portanto não haveria riscos à soberania.

— Muito pelo contrário. Exatamente pelo fato de ser um key partner [parceiro preferencial], mas ainda não um membro pleno, aderimos já a uma a uma série de instrumentos da OCDE, porém sem direito a voto. Queremos melhorar o ambiente de negócios e dinamizar nossa economia, por isso reivindicamos a adesão plena. Hoje a OCDE está revisando, por exemplo, a legislação no que tange a fluxos de capitais, e nós não temos nenhuma condição de interferir — lamentou.

Por fim, Carlos Halfeld, do Ministério da Agricultura, garantiu que as exportações brasileiras neste setor não sofrerão nenhuma perda caso o Brasil entre na OCDE abrindo mão do TED. Isso porque as cotas relativas à exportação de cada produto — e às exportações como um todo — ainda estão longe de serem atingidas pelo Brasil no âmbito da OMC, uma consequência direta da diversificação que o país atingiu neste mercado.

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