Banco Mundial

Entrevista: Camisa-de-força fiscal só funciona com reforma da Previdência, diz Otaviano Canuto

04 abr 2017, 21:36 - atualizado em 05 nov 2017, 14:06

Otaviano

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O Brasil vive uma pesada ressaca de um ciclo de crédito mal direcionado e sem saída para reverter situação sem uma reforma fiscal que volte a dar espaço para uma retomada. Esta é parte da visão do diretor-executivo do Banco Mundial para o Brasil e outros oito países da América Latina, Otaviano Canuto, que de Washington e suas viagens e reuniões consegue traçar um panorama mais sóbrio e independente do país.

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“O teto aprovado para os gastos públicos se constituirá em espécie de camisa-de-força legal em poucos anos”, explica ao Money Times o economista que já ocupou as vice-presidências no Banco Mundial e no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), além de ter sido diretor-executivo no FMI (Fundo Monetário Internacional). E, segundo ele, sem uma reforma significativa da Previdência “não será possível subsistir dentro daquela camisa-de-força necessária”, explica.

Além disso, Canuto questiona a efetividade dos créditos direcionados utilizados de maneira ineficiente ao longo dos últimos anos. “Não por acaso, o ciclo de crédito mudou o sinal para baixo quando se impôs o ajuste fiscal a partir de 2015. O resultado foi uma conjugação da crise fiscal com a desalavancagem creditícia do setor privado, uma combinação que ajuda a explicar a profundidade da recessão desde meados de 2014”, pontua.

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Veja, abaixo, a íntegra da entrevista:

O Sr. argumenta em seu artigo “Brazilian Debt Hangover” que o Brasil passou por um ciclo completo de crédito e agora está em uma fase voltada para baixo. Como sair dessa situação?

Há que se levar em conta o fato de que a fase de expansão no ciclo de crédito foi esticada a partir de 2011 por medidas de natureza fiscal. A extensão e a profundidade do endividamento privado no curso do ciclo de crédito não podem ser entendidas sem se levar em conta que foram possíveis mediante a emissão e transferência de dívida pública do Tesouro para bancos públicos, como parte das políticas fiscais e industriais turbinadas a partir de 2011. Não por acaso o crédito bancário direcionado, ou seja, reservado para setores e agentes privados particulares e especialmente concedido via bancos públicos, assumiu peso crescente no crédito ao setor privado.

Brasil

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Em se tratando de crédito impulsionado por políticas públicas e incorporando subsídios, acabou induzindo a um endividamento do setor privado acima dos níveis que teriam resultado da simples expansão do PIB e das reformas estruturais implementadas nos primeiros anos do governo Lula, tais como a criação do crédito consignado e o reforço da recuperação de garantias fiduciárias.

O problema é que, como os determinantes estruturais na economia brasileira já haviam se tornado desfavoráveis ​​a níveis mais altos do investimento privado desde o esgotamento do boom econômico brasileiro do novo milênio, a continuidade da dinâmica do crédito virou um “boom de crédito sem investimento”. Os subsídios associados ao crédito direcionado induziram mais a uma substituição de dívidas privadas do que ao aumento geral do investimento, tendo-se como contrapartida a dívida pública emitida para sustentar a ampliação de balanços dos bancos públicos.  

Não por acaso, o ciclo de crédito mudou o sinal para baixo quando se impôs o ajuste fiscal a partir de 2015. O resultado foi uma conjugação da crise fiscal com a desalavancagem creditícia do setor privado, uma combinação que ajuda a explicar a profundidade da recessão desde meados de 2014. A desalavancagem tornou-se condição prévia para algum retorno do crédito ao setor privado como alavanca sustentável de crescimento. Na ausência de reestruturações generalizadas de dívidas, a esperança repousa em juros reais caindo como resultado da rápida desaceleração inflacionária do período recente, deste modo suavizando a conclusão da etapa descendente do ciclo de crédito. 

O Brasil tem tentado mudar um pouco a lógica do crédito incentivado pelo setor público, mas ainda continuamos emperrados em um juro alto e baixa demanda por crédito. Qual é a saída? As reformas fiscais para dar espaço a uma queda mais agressiva dos juros são a única solução?

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A desalavancagem parece ter passado seu momento mais agudo, embora ainda exiba um encolhimento do mercado de crédito como proporção do PIB e continue soprando um vento contra a recuperação econômica. Por seu turno, endividamento público para sustentar novos fluxos de crédito direcionado e subsidiado parece fora de questão, não apenas por causa da fragilidade das contas públicas e da pressão por desalavancagem no setor privado, mas também pela percepção dos limites de tal crédito vinculado como alavanca sustentável do crescimento. Portanto, a lógica do crédito incentivado pelo setor público já está sendo mudada, inclusive com uma redefinição do tamanho e da natureza das operações financeiras do BNDES e demais bancos públicos.

Os juros reais, embora ainda altos, estão em declínio por conta da resposta da política monetária à queda na inflacão, para o que têm também contribuído tanto a estabilidade relativa nas taxas de inadimplência no primeiro trimestre do ano, como a confiança pelo setor privado na estratégia de reversão da deterioração fiscal nos próximos anos. As reformas fiscais, portanto, ao apontarem para tal melhora fiscal a médio prazo, de tabela deverão ajudar o crédito a superar o atual momento de retração.

A efetividade do estímulo do crédito por meio da política monetária está quebrada?

A efetividade da política monetária como fator de arrefecimento ou estímulo do crédito foi menor do que o que poderia ter sido enquanto predominou o crédito direcionado, até porque os determinantes e as decisões quanto a este dependiam principalmente de fatores de ordem não-monetária. Um perfil mais pronunciado do crédito livre nos fluxos tende a se fazer acompanhar por maior eficácia da política monetária, para cima ou para baixo, com as interrelações entre os diversos níveis temporais de juros, crédito e inflação tornando-se mais sensíveis à política monetária.

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De uma maneira geral, o sr. acha que o Brasil aprendeu com os estragos feitos pelo último ciclo de crédito e pode, agora, tentar novamente por meio do crédito privado?

Não haverá espaço fiscal no futuro próximo para qualquer nova empreitada de crédito direcionado via bancos públicos. Também ficou a lição de que, na ausência de perspectivas confiáveis de rentabilidade e de riscos razoáveis para investimentos privados, o resultado de tal voluntarismo acaba sendo apenas a deterioração fiscal. Não há alternativa a não ser buscar-se a complementariedade do crédito privado.

O país conseguiu aprovar um teto para os gastos, mas agora esbarra na resistência contra a reforma da Previdência. A proposta, tal como está, é a única saída ou uma solução com alguns “jeitinhos” já será bem-vinda?

O teto aprovado para os gastos públicos se constituirá em espécie de camisa-de-força legal em poucos anos. Para ser viável, exigirá reformas adicionais que cortem o automatismo na expansão dos gastos subjacente a seu crescimento, em termos reais, a um ritmo de 6% ao ano entre 1992 e 2014. Hoje os gastos discricionários e sujeitos a decisões do governo de plantão já estão reduzidos a parcela diminuta.

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Dadas as tendências demográficas e o nível de generosidade para parcelas da população contido nas regras vigentes do regime previdenciário, sem uma reforma significativa da Previdência não será possível subsistir dentro daquela camisa-de-força necessária. Na verdade, a revisão de outros componentes da despesa pública, buscando assegurar que de fato tenham resultados sociais e/ou produtivos que os justifiquem, será necessária mesmo com a aprovação de mudanças significativas na Previdência.

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Fundador do Money Times | Editor
Fundador do Money Times. Antes, foi repórter de O Financista, Editor e colunista de Exame.com, repórter do Brasil Econômico, Invest News e InfoMoney.
gustavo.kahil@moneytimes.com.br
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