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Portugal: Esquema dos vistos Gold é ilegal, imoral e perverso, diz eurodeputada

20 maio 2018, 14:58 - atualizado em 20 maio 2018, 14:58

Estrangeiros que comprem imóveis com valor mínimo de 500 mil euros em Portugal recebem o chamado Visto Gold. A Autorização de Residência por Investimento (ARI), nome oficial do visto, permite que os beneficiários solicitem a cidadania portuguesa após seis anos no país e circulem livremente por 26 países europeus (definido pelo Acordo Schengen). A deputada portuguesa do Parlamento Europeu Ana Gomes, porém, questiona a concessão do visto, que, segundo ela, consiste na venda de cidadania europeia e abre as portas para a criminalidade organizada. Vice-presidente da Comissão Especial sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu, ela disse que o órgão abriu uma investigação e o relatório deve ser apresentado ainda este ano.

“Uma coisa é conceder, outra coisa é vender. O esquema que está previsto aqui em Portugal, e não é caso único na Europa [outros países têm mecanismos semelhantes], é absolutamente perverso. É fomentar a corrupção, é fomentar a lavagem de dinheiro, a importação de criminalidade para a zona Schengen. É pôr em causa, portanto, a segurança dos cidadãos europeus”, afirma a deputada, que é vice-presidente da Comissão Especial sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu.

O Acordo Schengen é um tratado que dá aos cidadãos europeus o direito de circular em 26 países do continente sem precisar passar por controle de passaporte, criando assim uma área de livre circulação de pessoas.

Desde outubro de 2012, quando Portugal passou a aplicar essa modalidade de concessão de vistos, mais de 5.500 pessoas já obtiveram o benefício. Apenas no ano passado, 1.351 cidadãos estrangeiros receberam a autorização de residência por investimento.

De acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, o total de cidadãos que entraram no país desde 2012 é três vezes maior do que o número de vistos concedidos. Isso porque os imigrantes têm o direito de trazer os parentes. Desta forma, os 5.550 vistos geraram uma entrada de aproximadamente 15 mil pessoas no país nos últimos anos, apenas por meio desse mecanismo.

Existem várias maneiras de conseguir um Visto Gold em Portugal. A mais comum é pela compra de um imóvel com valor de, no mínimo, € 500 mil (cerca de R$ 2 milhões). Outra opção é adquirir por pelo menos € 350 mil, se o bem estiver em área de recuperação. Há ainda possibilidade de obter o visto dourado com uma transferência de € 1 milhão para Portugal ou da criação de mais de 10 postos de trabalho por investimento.

Ana Gomes é extremamente crítica em relação ao que classifica de venda imoral de cidadania portuguesa. Para a eurodeputada, é inadmissível a existência de um esquema que favoreça os ricos, que têm dinheiro para “comprar” a residência na Europa, em um momento de grave crise para os refugiados.

“Temos na Europa vários governos a ir atrás de uma extrema direita nacionalista xenófoba, a pôr todo tipo de dificuldades a migrantes que querem vir para cá e que não têm vias legais e seguras para chegar, que têm que se colocar nas mãos dos traficantes para vir, pôr a vida em risco. A Europa tem essa atitude bastante negativa – vergonhosa, do meu ponto de vista – em relação a migrantes pobres. A Europa precisa de migrantes para combater o declínio demográfico e tem essa atitude hipócrita de dificultar e obrigar as pessoas a colocar a vida em risco. E, em relação aos ricos, tapete dourado. Isso é imoral”, enfatiza Ana Gomes.

Conforme dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal, apenas no ano passado, € 844 milhões entraram no país como resultado da compra de imóveis pelo esquema dos vistos Gold. Desde 2012, foram € 3,5 bilhões.

No entanto, tais valores não convencem a deputada de que este é um bom negócio para Portugal. “Se o critério é a receita, então por que essas pessoas não se dedicam ao negócio da droga? Se não, tudo é possível. Do meu ponto de vista, esse esquema, que é perverso, não pode ser legal”. Ana Gomes afirma ainda que apenas um nicho do setor imobiliário, de vendas de imóveis “de topo” se beneficia dessas receitas.

“Não tem nenhum efeito realmente positivo. Pelo contrário, sabemos que há zonas da cidade que têm prédios vazios, que foram vendidos neste esquema. Não é um beneficio que o conjunto do país sinta, e os prejuízos são brutais, até para a reputação de Portugal”, acrescenta a parlamentar.

Ana Gomes lembra que, há anos, vem solicitando os nomes dos compradores de imóveis para que se possa realizar uma investigação. Alegando proteção de dados, as autoridades portuguesas nunca revelaram a identidade dos compradores. “Estou absolutamente convencida de que até hoje não me facultaram os nomes das pessoas – e eu só peço os nomes, não peço as contas bancárias nem os endereços – é porque sabem que eu vou encontrar uma série de criminosos.”

Lava Jato

Uma investigação conjunta realizada pelo jornal português Expresso e pelo inglês The Guardian apontou, ano passado, os nomes de três brasileiros investigados na Operação Lava Jato que teriam sido beneficiados pela compra de vistos Gold: Otávio Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez; Sérgio Lins Andrade, acionista da mesma empresa; e Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht.

“Já sabemos, pelas investigações da Lava Jato e por investigações feitas por jornalistas portugueses, que já foram identificados 3 indivíduos que se beneficiaram deste esquema e certamente foi para pôr a salvo recursos que desviaram do Brasil”, ressalta a deputada.

Chineses

De 2012 a 2017, 463 brasileiros obtiveram o visto Gold. É o segundo país que mais obteve o benefício, ficando atrás apenas dos chineses.

Os chineses representam 60% do total de cidadãos que receberam o visto Gold até o momento. Foram 3.544 concessões desde o início do programa. “Sabemos que todos os chineses que conseguem comprar um apartamento em Portugal estão a violar a lei chinesa. Não é possível, segundo as lei da China, transferir mais do que US$ 50 mil por ano para o exterior. Ora, para comprar um apartamento de no mínimo €  500 mil, quer dizer que é preciso 10 vezes mais”, afirma a eurodeputada.

“Eu não sou contra a concessão de vistos para pessoas de qualquer nacionalidade, sejam brasileiros, chineses ou russos, que façam contribuições efetivas em Portugal, no plano da ciência, da cultura, da própria economia. E não sou contra, obviamente, a concessão de vistos a pessoas que precisem de proteção, de asilo político”, diz Ana Gomes.

De acordo com a deputada, a Comissão Europeia abriu uma investigação e está preparando um relatório, que deve ficar pronto até o fim deste ano. “É um relatório que identifica o problema em vários países europeus, não apenas em Portugal.”

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