Exclusivo: Eike Batista vê ‘supercana’ competindo com etanol de milho e critica E2G da Raízen (RAIZ4)

Eike Batista já foi o homem mais rico do Brasil e o sétimo do mundo, mas viu seu império ruir com o colapso da OGX, que falhou em entregar o petróleo prometido. Agora, o empresário volta à cena com uma nova aposta controversa para tentar reconquistar o posto, agora no mundo do agronegócio: a chamada “supercana”
Como tudo relacionado ao empresário, os números são superlativos: ele promete produzir duas a três vezes mais etanol por hectare, e de 10 a 12 vezes mais biomassa que a cana convencional.
O projeto, porém, está envolto em ceticismo. Entre os críticos, estão nomes como Rubens Ometto, do Grupo Cosan (CSAN3), que desistiu de investir na supercana.
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Em entrevista exclusiva ao Money Times, Eike sustentou a confiança no projeto e disparou de volta contra o etanol de segunda geração (E2G) — a grande aposta da Raízen (RAIZ4), uma das empresas da Cosan.
“Enrolaram o [Rubens] Ometto para investir nesse E2G, que é muito caro e tem um custo de capex [investimentos] elevado”, afirmou Eike. Procurada, a Cosan não comentou as declarações.
O empresário espera que o projeto comece a gerar caixa em 2028 e acredita que em 20 anos ao menos 30% da área do Brasil plantada com a cana convencional será substituída pela supercana.
Caso o Brasil substituísse toda a cana pela supercana, Eike estima que o Brasil produziria 2 bilhões de toneladas da planta.
As origens da supercana
A supercana não nasceu com Eike. Ela foi desenvolvida pela extinta Vignis, empresa de Luis Carlos Rubio e Sizuo Matsuoka, que investiu por anos na criação da cultivar.
Eike se aproximou do grupo em 2015, quando a Vignis fornecia mudas para a Odebrecht Agroindustrial (hoje Atvos). “As pessoas esquecem que a Vignis plantou da supercana para Odebrecht Agroindustrial entre 2015 – 2017”.
No entanto, o projeto naufragou em meio à crise da Odebrecht e à Lava Jato. “Para minha sorte, a Odebrecht quebrou em cima deles”, diz Eike, com a franqueza que lhe é característica.
Mesmo assim, ele seguiu apostando. “Plantei 200 hectares próximo ao Porto de Açu, na cidade de Quissamã, e colhi 180 toneladas por hectare”, afirmou.
A BRXe, empresa que detém o projeto, quer desenvolver 70 mil hectares com a planta e três unidades de moagem de cana de 4 milhões de toneladas cada e uma usina de SAF (Combustível Sustentável de Aviação).
As dúvidas do mercado
Apesar dos números, o mercado olha com desconfiança para a supercana. Ricardo Mussa, ex-CEO da Raízen aponta dificuldades operacionais: “Ela tem uma densidade enorme, o que dificulta a colheita e o esmagamento. A taxa de conversão em biomassa é excelente, mas não conseguimos torná-la viável”.
Para Marcelo Di Bonifácio, analista de açúcar e etanol da StoneX, faltam pesquisas técnicas sobre a supercana, com a maioria das informações sobre a planta sendo divulgadas pela imprensa.
“Também está pouco claro sobre como essa variedade se comporta em diferentes regiões e regimes de chuva”, afirmou ao Money Times.
Eike rebate as dúvidas com otimismo técnico: “A nossa cana só é mais densa. Basta adaptar os equipamentos com mais potência. Isso é engenharia de prateleira”.
O empresário diz que a maior produtividade já está comprovada e que foram feitos testes com a variedade RB867515, a mais plantada do Brasil, com as “top 5” variedades da supercana.
Nesse teste, quatro dessas variedades fizeram 181 toneladas por hectare e a “top 1” registrou 205 toneladas por hectare. Esse número é bem acima da média do Brasil, que gira em torno de 82,87 por hectare.
Eike critica Ometto e o E2G da Raízen
A supercana voltou aos holofotes neste ano, quando o controlador da Cosan, Rubens Ometto, disse, um dia após o anúncio da promessa de aporte da Brasilinvest, que a holding já trabalhou em cima do projeto e decidiu abortar os planos. Na mesma ocasião, Ometto afirmou que o etanol de segunda geração (E2G) é uma “inovação real”.
Questionado, Eike creditou o fracasso na tentativa da Cosan de adotar a supercana ao pouco tempo de desenvolvimento dado ao projeto.
“O [Rubens] Ometto disse que testou a supercana, mas ele fez isso por um ano, numa época que não ela não prestava para fazer açúcar. Ele botou ela para rodar numa planta de cana normal com uma densidade que é quase o dobro (22% contra 12,5%). É claro que não vai rodar”.
Em tom irônico, Eike aproveitou para questionar a aposta do grupo de Ometto no etanol de segunda geração. “As pessoas têm o hábito de olhar para empresas de referência, mas se você me disser que a Raízen [que desenvolve o E2G] é um grupo de referência, vou te falar: Houston, we have a problem.”
Procurada, a Cosan não comentou as declarações.
Como está o projeto da supercana
Eike disse que atualmente conta com 39 variedades em fase final de seleção, sendo que seis dessas apresentam níveis de ATR (Açúcar Total Recuperável) de 147 kg por tonelada, superiores aos 130 kg da cana padrão. Ele explica que suas usinas terão uma moenda muito mais forte que a padrão.
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“O nosso foco é fazer etanol, SAF e usar o bagaço da cana para fazer embalagem. Não adianta comprarmos gente em recuperação judicial. Queremos rodar a nossa cana numa planta desenhada para ela. Por conta disso, o Brasil terá um boom na parte industrial porque 100% do equipamento é fabricado aqui”, diz Eike.
Supercana x milho
O empresário é enfático e diz que a sua supercana, diferente da convencional, consegue competir com o etanol de milho — que, segundo ele, está “destruindo a cana”.
Segundo o Bank of America, com base em dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o Brasil conta com 30 usinas de etanol de milho, incluindo plantas flex. Outros dados apontam que não há nenhum projeto para uma nova usina de etanol de cana no Brasil.
“Talvez 100% da turma da cana, os usineiros, estão debaixo d’água porque o preço do etanol de milho está deixando todo mundo literalmente quebrado”, afirmou Eike.
Além da maior produtividade, o empresário diz que a supercana ainda conta com um trunfo. “Nós transformamos o bagaço em embalagens recicláveis que valem entre US$ 6.000 e US$ 8.000 em vez dele ser queimado por US$ 20 para ser usado como energia nas usinas. É um uso novo e é o nosso diferencial.”
Apesar da falta de informações sobre o projeto, Bonifácio, da StoneX, vê um novo fôlego para a cana caso as vantagens apregoadas por Eike se confirmem. “A produtividade dos canaviais brasileiros convive com uma estagnação nos últimos 15 anos, diferente do milho.”
Uma Nvidia da biotecnologia? O sonho de Eike
Eike viu com entusiasmo a modernização da Lei de Proteção de Cultivares (9.456/1997), que garante direitos de propriedade intelectual e investimentos em pesquisa ligados ao melhoramento genético. O texto estende a proteção de cultivares de 18 para 25 anos para espécies de ciclo longo, como o caso da cana-de-açúcar.
“As revoluções são sempre feitas com tecnologia e ciência. O Rubio e Sizou [sócios de Eike e responsáveis pelo projeto] cruzaram 300 mil indivíduos por ano desde 2011. Nós não nos limitamos a comprar germoplasmas que tinham no Brasil, compramos todo banco de dados do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), de espécies ancestrais da cana, além de fazer o mesmo com o CIRAD da França. Um approach de ciência diferente”, disse Eike.
Ele reforça que há muita desinformação e falas que apontam para uma modificação genética da planta. No entanto, ele salienta que foi realizado apenas um melhoramento convencional, com cruzamento entre diferentes plantas.
“O sonho é que, daqui a 20 ou 30 anos, toda cana do Brasil tenha origem de uma das nossas 50 variedades. Temos 2,8 terabytes de dados.”
Eike encerra com mais um recado aos críticos do projeto e compara o novo sonho a uma gigante da tecnologia.
“Somos um bicho diferente. Ninguém acreditava que a Nvidia, que fazia chips para videogames, se tornaria a maior empresa do planeta. Alguém lá atrás fez a diferença. Isso é hardware. O nosso é hardware é derivado de biotecnologia”.