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Felipe Miranda: Algumas palavras sobre liderança e propósito

10 ago 2020, 14:38 - atualizado em 10 ago 2020, 14:38
“Não entre na conversa progressista forçada de que as coisas são excludentes”,  diz o autor

Começo com a sugestão que vai se tornar habitual às segundas-feiras: ouça nosso podcast Empiricus Puro Malte, disponível no Spotify e na Apple Music. Não é uma conversa sobre investimentos necessariamente, embora, claro, falemos disso ali. Desta vez, há logo no início do papo uma das mensagens que eu mais gostaria de transmitir aos assinantes da Empiricus: pense suas decisões, sobre dinheiro, mas também na vida como um todo, a partir de probabilidades.

Depois de ouvir o podcast, se puder, por favor, envie seus feedbacks para [email protected]. Vai ser muito rico poder contar com suas observações construtivas e melhorar. O Day One é um espírito que vai além da linguagem escrita.

Agora, quero falar um pouco sobre o meu Dia dos Pais. Ele começou de uma forma diferente. Se eu não fosse tão ortodoxo, talvez pudesse falar sobre uma sincronicidade junguiana, mas acredito que tenha sido só um daqueles eventos aleatórios que a vida coloca na nossa frente, para nos lembrar do quanto entendemos pouco sobre a experiência humana e do quanto temos menos controle do processo do que gostaríamos de acreditar.

Ontem, participei do evento Liderança Na Prática, da Fundação Estudar. Segundo o convite, a ideia era apresentar minha trajetória a jovens brilhantes, com o propósito de inspirá-los na aplicação de valores indispensáveis aos líderes. Na Estudar, fala-se muito em Execução, Integridade, Sonho Grande e Legado. O público tem, em média, 25 anos e todos precisam entregar um “salto”: estabelecer um plano de ação e tirar alguma ideia do papel. Startups como a WeCancer surgiram desse salto.

Depois de ter iniciado no mercado financeiro a partir do Ramiro, vendo suas operações com ações e opções lá em casa ainda quando criança, foi muito curioso repassar essa caminhada e transmiti-la para outras pessoas, em pleno Dia dos Pais.

As posições de mestre e aprendiz, professor e aluno, pai e filho se confundem.

Esse foi o primeiro Dia dos Pais em que a saudade e a tristeza pela ausência da minha figura paterna ficaram em segundo plano — não que elas não estivessem lá; acho que sempre estarão, porque o buraco deixado pela sua falta nunca poderá ser totalmente preenchido. Contudo, havia ali uma presença ausente, como se eu pudesse sentir o meu pai sentado do nosso lado na mesa. Quase podia senti-lo orgulhoso dos netos, olhando para a Maria e para o João.

Nesse segundo domingo de agosto, não havia ali o filho incompleto, triste e cheio de saudade. Mas um pai feliz com sua família.

A sinestesia estava em toda parte. Essa mistura de sensações também se deu enquanto eu falava sobre minha trajetória aos jovens da Fundação Estudar. Eles queriam se inspirar em mim, mas tudo o que eu podia fazer ali era me inspirar a partir deles. Olhando para seu entusiasmo e para os valores que carregam consigo, pude enxergar líderes brilhantes à frente, ainda que seu caminho ainda não esteja tão claro agora — você só enxerga o caminho depois que está dentro dele.

Depois de refletir sobre o assunto, resolvi falar um pouco sobre liderança. Não tenho a pretensão de que vire uma cartilha nem mesmo de que venha a ser copiado por alguém. É apenas a minha forma de enxergar algumas coisas a respeito, num momento em que vejo muita prescrição estereotipada, rasa e vazia sobre liderança e cultura empresarial.

Eis a minha maneira de enxergar a coisa:

Acho que a real liderança começa a partir de um visionário. Liderar pode significar várias coisas. Tipicamente, se refere a conduzir outros numa determinada direção — mesmo que essa direção seja apenas uma meta ou uma tarefa específica.

Para que os liderados sigam o líder, precisa haver uma visão clara do caminho a ser seguido. Se o líder tem uma direção, um propósito, uma vocação, um sentido, é muito mais fácil de segui-lo. Claro que a liderança pode ser exercida por meio do medo e do respeito ao rito — amado ou temido, diria Maquiavel. Mas se a liderança se impuser apenas pelo medo de ser mandado embora ou pela expectativa do holerite ao final do mês, aquilo será artificial. Não haverá união, nem sentido de grupo ou time. E se uma equipe não joga como um time, suas chances são menores.

Uma vez identificado o propósito, ele deve ser comunicado com clareza ao time, indicando o papel de cada um no processo, suas metas individuais e como o liderado será recompensado ao longo da caminhada.

Há alguns pontos importantes sobre propósito. Eu realmente acredito que ele deve representar algo bom para a sociedade e para os clientes — sem isso, nada feito. Deve haver aqui algo de transformador, de inovador, de diferente em favor da comunidade. O líder deve manter um alto padrão ético. Isso não é algo apenas de natureza moral, mas também de ordem prática. Caso contrário, atrairá para dentro da empresa outras pessoas com desvios éticos e morais, que podem acabar atacando a própria empresa ou seus clientes. Isso mata a companhia no longo prazo.

Esse tal propósito deve ser grande o suficiente para manter as pessoas motivadas e ser, de fato, transformador, mas não pode, ao mesmo tempo, ser algo não crível. Os liderados precisam acreditar na capacidade de atingimento do Sonho Grande. Só assim vão remar na mesma direção.

Além disso, atividade onírica não paga boleto. O sonho não pode estar desconectado da realidade material e objetiva. Uma vez, ouvi de um dos grandes gestores de ações brasileiro num almoço no Kosushi: “Essa história de Sonho Grande e longo prazo é bacana, mas só se você já tem algum dinheiro no bolso. Se houver a oportunidade de monetizar um pouco, faça isso. Faz bem até ao próprio negócio. Um empreendedor cujo patrimônio está muito concentrado na empresa se torna avesso ao risco ao primeiro soluço da operação”.

Realizar um sonho grande e realmente transformador para a sociedade é algo inerentemente de longo prazo. Ninguém muda uma comunidade do dia pra noite. Para ter uma equipe motivada e remando junto por bastante tempo, o time precisa ser, ao menos razoavelmente, bem remunerado ao longo do processo, mantendo a cenoura na frente de todos — caso alcance a grande meta de longo prazo, aí vem a porrada da vida; até lá, todos precisam estar alimentados. Ninguém corre uma maratona sem energia. “Alimento pra cabeça nunca vai matar a fome de ninguém” — saudades do Renato Russo.

Propósito importa, dinheiro também. Não entre na conversa progressista forçada de que as coisas são excludentes. Essas coisas são complementares.

Há outro significado normalmente atribuído a liderar: fazer a partir do braço dos outros. Isso só vai acontecer de forma sustentada se houver uma confiança recíproca entre as partes. O líder precisa ter empatia com sua equipe, se colocando na perspectiva dos liderados e entendendo as suas necessidades, comunicando com sinceridade o que dá e o que não dá para ser feito. É engraçado como aqui há um paralelo com a política monetária: para ancorar as expectativas, um banco central, assim como um líder, deve falar o que vai fazer e cumprir aquilo que fora prometido, sistematicamente. É assim que se cria reputação. Laços de confiança são fundamentais para relações de longo prazo. Sua equipe não vai fazer algo por você se entender que você não faria por ela.

Ao mesmo tempo, o líder deve permitir que os membros de sua equipe executem as tarefas do seu jeito individual, naquilo que Jocko Willink chama de “extreme ownership”. Comunique o que você precisa de um colaborador; cobre dele a excelência (não seja complacente com algo menos do que a excelência), mas deixe-o executar da sua maneira, respeitando suas particularidades.

Não acredito em liderança sem exemplo. Se você pedir algo à equipe, mas ela mesma perceber que você não faria algo parecido, dificilmente aquilo será feito como deveria. Claro que, especialmente em áreas técnicas, o líder não precisa saber funções específicas e individuais, mas ele precisa ser visto como uma referência para a equipe e ser trabalhador — um gestor preguiçoso vira parâmetro para os geridos e não há sonho grande que vire realidade sem muito trabalho.

O líder deve perseguir o propósito obstinadamente e ter um plano para isso. Contudo, dificilmente as coisas vão acontecer da exata forma que se esperava. Ele precisa ouvir e estar aberto a adaptações, que serão necessárias ao longo da trajetória. Há um equilíbrio tênue entre o teimoso e o persistente. Tradicionalmente, as coisas precisam de mais capital e mais tempo do que se estimou a princípio — também costumam enfrentar mais resistência do status quo e da mídia do que se supõe a priori. Por anos, o líder do Sonho Grande será considerado um louco selvagem, depois será óbvio o quanto era um visionário. Os mesmos que o haviam criticado agora pedem sua ação no IPO. Schopenhauer: toda verdade atravessa três fases: primeiro, é ridicularizada; depois, é violentamente contrariada; por fim, é aceita como a própria prova.

O líder deve cercar-se de pessoas boas e manter uma disposição obsessiva em continuar aprendendo, porque o seu próprio propósito pode mudar ao longo do tempo, pois a sociedade também vai mudando.

Qual o meu Sonho Grande? Criar um grande ambiente fechado em favor do investidor pessoa física, orientado por um research de ponta e com conflitos de interesse mitigados, a partir de uma abordagem com total transparência e muita tecnologia, sob uma experiência do usuário muito agradável. No final do dia, tudo se resume a pessoas físicas investindo como profissionais. O mercado brasileiro precisa muito disso.

O líder deve ouvir mais do que falar. Então, acho que está bom por hoje.

 

 

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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