Opinião

Felipe Miranda: As coisas podem dar errado, principalmente por algum tempo

23 set 2019, 10:33 - atualizado em 23 set 2019, 10:33
Felipe Miranda
Colunista discorre sobre importância de permanecer com investimentos diante de intempéries (Imagem: Empiricus Research)

Ao que tudo indica, as coisas voltaram ao normal. E o que vou escrever hoje só pode ser escrito sob essas condições. Caso contrário, questões relevantes podem ser interpretadas como desculpas para erros de gestão e maus desempenhos das carteiras.

Como já disse renomado gestor em carta a seus cotistas, “quem ganha, ganha; quem perde, explica”. Fica difícil falar com isenção sobre perdas na hora ruim, porque tudo o que vier a ser dito pode soar como tentativa vazia de explicação dos próprios equívocos.

No fim do dia, só há uma linguagem que interessa neste nosso jogo: quem está ganhando dinheiro? As narrativas servem aos romancistas. Portanto, vamos falar de perdas no momento bom, para que, quando as perdas efetivamente vierem (e não se iluda, pois elas virão), possamos atravessar a tempestade já alertados das adversidades do caminho.

A questão central de hoje é a seguinte: as coisas podem dar errado, principalmente por algum tempo. É fundamental que estejamos alinhados sobre isso. Falo pelo meu próprio bem, reconheço, mas também pelo seu. Se você não entender que a caminhada é errática, sinuosa, não linear, complicada, em saltos súbitos, malcomportada, vai sair no meio do caminho, justamente na pior hora.

Eu poderia ser mais incisivo sobre o tema: as coisas precisam dar errado, principalmente por algum tempo. Se você quiser ganhar dinheiro de verdade, você vai precisar aguentar a dor e passar pela hora ruim para chegar do outro lado. No pain, no gain.

Veja, por exemplo, o que aconteceu no início de setembro. Subitamente, toda a dinâmica observada até então em 2019 foi invertida. Do dia para a noite, todos migraram do “growth” (casos de crescimento) para o “value” (casos de valor, mais depreciados em relação a seus resultados correntes e a seus ativos).

Ninguém mais queria saber de consumo, farma, real estate e tecnologia; só se compravam bancos e commodities. O ouro passou a cair depois de um belo rali em 2019 e os yields (rendimentos) dos títulos do Tesouro interromperam a trajetória de queda para um pronunciado spike que deixou mortos e feridos pelo meio do caminho.

Perceba a dificuldade da coisa: se você estava ganhando dinheiro nos primeiros dez dias de setembro, isso significa que passara os oito primeiros meses do ano perdendo muita grana — a não ser, claro, que algum gênio da lâmpada lhe visitara no 31 de agosto para contar-lhe sobre a imperiosa necessidade de trocar todo seu portfólio.

Ao mesmo tempo, se você estava ganhando dinheiro até o final de agosto, amargou fortes perdas no início de setembro.

Nós, aqui representados sinteticamente pela Carteira Empiricus, estávamos (e estamos) no segundo grupo — o portfólio está pesado em Bolsa e juros longos, tendo dólar e ouro como proteção.

Curiosamente, para desafiar as correlações históricas, Bolsa, juro longo, dólar e ouro estão subindo no ano, de tal modo que as estratégias montadas para servir de hedge, por simples atuação da sorte (venha sempre, querida amiga, ser uma companheira fiel), estão nos servindo de duplo alfa. Markowitz, devolva seu Nobel!

A pergunta que se coloca: o que você faz diante de uma situação dessa, em que vê, por dez dias, seu portfólio perdendo valor? Quando sua convicção é testada, você a abandona ou segue apegado àquilo? Você é capaz de tolerar a volatilidade e perdas momentâneas?

Não quero formar concepções sobre seu caráter prematuramente. Desculpe se isso lhe soa como uma espécie de preconceito de minha parte. Mas você abandona seus amigos e familiares à primeira dificuldade? Essa é a sua personalidade?

Gosto desse paralelo. O mercado vai testar a sua convicção todos os dias. Vai haver semanas, meses, trimestres talvez, em que você vai amargar prejuízos. Esteja preparado para isso, psicológica e materialmente.

Algumas questões de cunho prático aqui:

1. No curto prazo, o preço dos ativos obedece a comportamentos bastante randômicos e aleatórios. Performances de dias não têm qualquer significância estatística. Diante de uma flutuação de seu portfólio, pergunte se o que mudou foi o preço ou o fundamento.

Se o preço caiu, mas o fundamento continua o mesmo, a hora é de comprar mais, não de vender. A gestão de ativos é a sutil arte de equilibrar teimosia e flexibilidade e separar ruído de sinal. É também uma tarefa ambivalente, como mera representação da realidade cotidiana, em que temos de equilibrar forças dionisíacas e apolíneas.

Sejamos abertos o suficiente para mudar de ideia quando o fundamento tiver sido alterado, mas teimosos o bastante para nos mantermos numa sólida convicção.

2. Cada vez mais, estamos suscetíveis a movimentos bruscos derivados exclusivamente de questões técnicas, sem qualquer apego à concretude dos fundamentos econômicos. O volume dos fundos passivos é gigantesco e eles vão perseguir o maior giro financeiro.

Soma-se a isso a atuação de algo traders, trend followers, momentum traders e outros robôs parecidos para termos verdadeiras hecatombes súbitas de preços, sem que absolutamente nada tenha mudado no mundo real.

E aí então entram as gestões de risco balizadas por VaR (Value at Risk), em que um aumento de volatilidade pontual é lido como incremento do nível de risco, o que, por sua vez, cospe uma sugestão pragmática de alocação em favor de posições menos arriscadas, resultando em nova onda de vendas, num mecanismo retroalimentado.

3. Se você compra uma determinada tese, seja ela microeconômica ou sistêmica, entende que o atual preço de tela está em desconformidade com aquilo que deveria ser o preço de tela.

Ou seja, você identifica uma divergência entre preço (a cotação atual) e o valor intrínseco (quanto deveria ser de acordo com os fundamentos) e decide investir naquilo — e investir é bem diferente de especular; a definição do ato de investir, de acordo com Aswath Damodaran, é justamente comprar algo por menos do que aquilo vale. Na sua interpretação, o consenso de mercado atribui um preço errado àquele respectivo ativo.

Então, necessariamente, vai precisar de algum tempo para que o mercado, munido de novas informações, passe a reinterpretar o valor daquele ativo e vá o colocando mais alinhado com o valor intrínseco estimado por você. Você pode gostar de uma ação, mas ela não nutre sentimentos por você. É necessariamente uma relação platônica, amor não correspondido.

Não é porque você comprou que, imediatamente, o mercado vai decidir corrigir a tal assimetria de informação capaz de hoje explicar a discrepância entre preço e valor intrínseco. Em outras palavras, você necessariamente vai passar um tempo errado. Sua tese não vai se provar certa imediatamente. Ciclos empresariais ou econômicos são diferentes dos ciclos do intraday e do daytrade.

Resumidamente, o bom investimento requer tempo para se materializar e passa de forma inexorável por momentos de perdas — a rigor, os mercados passam dois terços do tempo em drawdowns (abaixo do pico), de tal sorte que é comum vermos portfólios no vermelho. Se você não estiver preparado para isso, vai sair na hora ruim, antes da materialização da tese de investimentos.

Para encerrar aqui o papo reto, se você vai seguir a Carteira Empiricus ou se prefere continuar por conta própria, minhas sugestões são as mesmas: i) entenda que as coisas demoram; ii) haverá momentos em que o portfólio estará no negativo sem que isso signifique algum erro de gestão ou no processo decisório, sendo resultado apenas da atuação das forças aleatórias; e, claro, iii) haverá os erros propriamente ditos — todo gestor, por mais competente que seja, tem suas próprias dúvidas, não goza de nenhum superpoder e está no mesmo ambiente de incerteza e incapacidade de prever o futuro que você.

Eu me belisquei várias e várias vezes no começo de setembro, com o receio de que o fluxo, de fato, se voltasse para bancos e commodities, com escalada dos yields globais. No final, parece ter passado, pelo menos por enquanto — essa ressalva sempre insuportável que caracteriza a essência da vida de um investidor. É sempre um day one.

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