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Felipe Miranda: Nada se compara a isto

17 dez 2018, 10:44 - atualizado em 17 dez 2018, 10:44

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Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Metade das ações do S&P 500, a referência mais ampla da Bolsa norte-americana, entrou em bear market (baixa de 20 por cento desde o último pico) com a forte queda da última sexta-feira.

O urso ataca de cima para baixo e isso me deixa um tanto preocupado. Sem os ventos favoráveis vindos do hemisfério norte, nós aqui embaixo ficamos excessivamente desprotegidos.

Narcísicos e egocêntricos, temos essa tendência de querer explicar as coisas pela nossa própria ótica. A verdade, porém, é que os mercados emergentes dependem muito mais das condições internacionais do que de suas próprias características idiossincráticas — isso é especialmente válido para os momentos de pânico e sell-off, quando não há qualquer diferenciação; só no pós-pânico, quando se recupera a serenidade, é que podemos separar o joio do trigo. Se alguém grita “fogo” no teatro, todos batem em retirada de maneira descoordenada.

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A reunião de elementos domésticos favoráveis pode combater a chegada desse monstro vindo de fora? O que precisaria para isso acontecer?

Não sei a resposta precisa. Acho que ninguém sabe. Restam-nos as imagens e as metáforas para tentar jogar alguma luz sobre a questão, arejando o ambiente como forma de nos oferecer uma saída para o labirinto mental imposto pelas situações de múltiplas variáveis, complexidade, incerteza e aleatoriedade, exatamente como no mercado financeiro.

Se falamos de monstros e labirintos, a imagem de Teseu enfrentando o Minotauro surge espontaneamente na minha cabeça.

A história é rápida e aconteceu mais ou menos assim: Teseu foi para Creta enfrentar o Minotauro, uma criatura terrível, capaz de devorar guerreiros e heróis. Mais difícil até do que derrotar o monstro, era achar a saída do labirinto criado por Dédalo, construído justamente para abrigar o Minotauro. Ou seja, o guerreiro que tivesse a competência de matar a criatura, ainda estaria condenado a viver para sempre no labirinto, cuja saída era impossível de se descobrir.

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Teseu estava mesmo condenado à morte ou ao isolamento do labirinto? Na dúvida sobre seu destino, consultou o Oráculo de Delfos, que apontou-lhe uma única alternativa: conseguiria vencer o Minotauro e sair do labirinto caso fosse ajudado pelo amor.

E assim se fez.

Ariadne, filha do rei Minos, deu a Teseu uma espada e um fio de lã — esse fio seria mantido consigo desde a entrada no labirinto, deixando uma espécie de rastro para que, recursivamente, pudesse, depois de matar o Minotauro, retornar até a saída. Com a ajuda do fio de Ariadne, Teseu derrotou o monstro e pode retornar para casa.

Além da concepção mitológica, o fio de Ariadne é também apontado como uma espécie de abordagem científica, que implica aplicação exaustiva da lógica por todos os meios disponíveis, usando normalmente um viés regressivo até o início do processo.

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Como resolver esse labirinto em que o ciclo da economia doméstica está bem no começo e sugere grande evolução do preço dos ativos, enquanto o cenário internacional aponta na exata direção oposta?

Ao longo deste ano, repeti exaustivamente que minha maior preocupação não era a eleição presidencial brasileira — pra mim, o pêndulo migraria necessariamente para o espectro da direita liberal. A partir daí, reuniríamos condições interessantes de juro baixo, inflação domada, recuperação cíclica da atividade e dos lucros corporativos, bom balanço de pagamentos, início de um ciclo de reformas e por aí vai.

Meu maior temor era (e ainda é) o estágio muito avançado do ciclo das economias desenvolvidas, mais precisamente dos EUA. Agora a coisa fica mais clara. Sem o impulso dos esteroides da política fiscal expansionista, a economia norte-americana deve desacelerar com alguma intensidade em 2019 (já há quem fale em recessão). Isso num momento de guerra comercial, fraqueza notável da atividade manufatureira da Europa e maior preocupação com China, cujos indicadores recentes (vendas ao varejo, produção industrial e importações) acendem sinal amarelo.

Em resumo, os ventos favoráveis do crescimento global destacado podem não mais soprar no próximo ano.

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Como contrapartida positiva, o Banco Central dos EUA tende a não subir sua taxa básica de juro de maneira tão destacada — note que essa foi uma grande preocupação ao longo de 2018, afetando bastante os mercados emergentes e retirando fluxo da periferia em direção ao dólar.

Agora, duas forças se degladiam. No lado negativo, o menor crescimento global implica menor demanda por commodities e provável menor força compradora dos produtos exportados pelos países emergentes. No lado positivo, o juro pode não subir tanto nos EUA, permitindo alguma migração do capital de volta a mercados emergentes.

Qual será a resultado desse embate? Somente os charlatões podem oferecer essa resposta. Existem os que não conhecem o futuro, e os que acham que conhecem (o segundo grupo é o mais perigoso).

Não saber não significa não agir. Como viver num mundo que não entendemos?

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Essa mudança recente do cenário internacional (há poucos meses, a preocupação era com uma subida muito rápida dos juros nos EUA; agora, o problema é uma provável recessão) me traz duas coisas à cabeça:

1. Diante do atual patamar da taxa de câmbio brasileira e das incertezas sobre a economia norte-americana, estou mudando meu hedge (proteção) favorito do dólar para o ouro — hoje, nada se compara ao metal precioso como proteção (posso ouvir o Cris Cornell ao fundo “It’s been seven hours and fifteen days…”); e

2. Ainda mantenho bastante otimismo com os ativos de risco brasileiros (Bolsa e juro longo principalmente). Talvez apenas precise alertar para provável maior volatilidade e drawdowns ao longo do próximo ano. No médio e longo prazo, quando sairmos do pânico, haverá diferenciação entre os mercados emergentes. O Brasil está preparado para ser um dos líderes da atração de recursos estrangeiros, com efeito brutal sobre o preço dos ativos. Isso, claro, se impetrarmos, de fato, uma agenda de reformas liberais e fiscais. Essa pauta é nosso fio de Ariadne, que fará recuperar o amor do gringo pelo Cristo Redentor. Eu acredito.

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