Colunistas

Felipe Miranda: O fim do bull market ou um screaming buy? Dedo no gatilho

06 ago 2019, 10:18 - atualizado em 06 ago 2019, 10:18
Colunista discorre sobre desvalorização de moedas globais e ouro como hedge (Imagem: Empiricus)

Alguns diriam que a segunda-feira foi um dia para se esquecer. Eu acho que foi um dia para se lembrar, para sempre. Só há um investidor ou gestor imaculado: aquele que nunca fez nada.

As cicatrizes, as costas marcadas de tanto apanhar e as mãos calejadas ajudam a formar a sua constituição, preparando para uma adversidade seguinte. Sim, porque as adversidades fazem parte do processo. O mercado financeiro é uma metonímia da realidade e ele, assim como a vida normal, não se dá às perfeições apolíneas. Ainda bem.

Registre não somente em sua memória o comportamento da sua carteira ontem. Marque-o também na sua alma, para que assim você jamais esqueça da importância da diversificação, do balanceamento do portfólio, do devido dimensionamento do tamanho de suas posições e das proteções.

Tome o primeiro pregão da semana como exemplo material de que as coisas podem dar errado. Porque, afinal, elas efetivamente dão. Duvide de você mesmo, duvide das suas posições, duvide dos especialistas. Acima de tudo, duvide de mim.

Se você estava diversificado, devidamente calibrado e com as proteções certas, sobreviveu. Conseguiu dormir e agora está preparado para a recuperação. Mais do que isso, está preparado para qualquer coisa que vier a se apresentar para você. “What you fear the most could meet you halfway”, já nos alertou o gestor de portfólio Eddie Vedder, ten times .

Você precisa de um portfólio para todos os mercados; não somente para quando as coisas caminharem de maneira positiva, conforme suas expectativas. O mercado não está nem aí para seus planos. Deus sorri quando lhe contamos nossos planos.

Antes de falar uma ou outra coisa sobre a guerra comercial, que me parece o tema de real interesse hoje, registro e-mail recebido ontem. Não o faço com a intenção de propagandear-lhe a Carteira Empiricus, ou o Carteira Universa, que deve ser fechado nos próximos dias (horas talvez) para novas captações muito embora até considero que poderia fazê-lo, pois, entre todas as possibilidades, essa me parece a melhor alternativa para você.

Publico aqui a comunicação eletrônica apenas com o intuito de apresentar os benefícios tangíveis e absolutamente concretos de se manter um portfólio diversificado e bem dimensionado, naquilo que Ray Dalio chama de “All Weather Portfolio”. Então, lá vai:

“Ufa! Depois de contabilizar ‘o banho de sangue’ de hoje (17:00 h) a minha ‘carteira empiricus, ainda está valorizando 0,05% no mês. Somente na quinta passada eu consegui compor os 5% da carteira em ouro. Boa sorte para todos nós e um grande abraço.”

Se você consegue ficar no positivo num mês em que o mercado vai mal, consegue uma excepcional vantagem de longo prazo. Uma das coisas mais importantes para a trajetória patrimonial é o controle dos drawdowns, ou seja, não enfrentar quedas grandes nos momentos de pânico.

Lembre-se de que a Carteira Empiricus está muito otimista com ações e juro longo, de tal modo que tende a ir muito bem quando os mercados forem bem.

Ou seja, aqui estamos concretamente alinhados à nossa filosofia de investimentos: perdemos pouco na hora ruim, ganhamos muito na hora boa. É só isso que dá para fazer. Não há nada melhor. E é muita coisa.

Agora me deixe voltar um pouquinho no tempo. Primeiro a 28 de fevereiro de 2018 e depois um pouco mais, a 22 de março de 2017.

A cerca de um ano e meio, meu amigo Marcos Troyjo escreveu um dos mais brilhantes artigos recentes na Folha de S.Paulo, de título: “China e mundo pós-ocidental flertam com autocracia”.

Olha, vou dizer de coração: se eu pudesse escolher uma pessoa para ser presidente do Brasil (e eu falo sério aqui), seria o Marcos Troyjo. Desconheço reunião parecida de atributos condizentes com o cargo.

O texto basicamente aventava a possibilidade de encerramento daquilo que o cientista político Francis Fukuyama apelidara de O Fim da História.

A ideia de Fukuyama era de que, desde a queda do Muro de Berlim, não havia mais antítese à tese da democracia liberal ocidental, caracterizada pela economia de mercado e pela globalização profunda.

Tipicamente, a História caminhava conforme a tradição dialética, em que a antítese se opunha a uma tese, de cujo embate emergia uma síntese; esta, por sua vez, viraria tese num momento subsequente, para ser confrontada com uma nova antítese e assim por diante.

Ora, se não havia mais antítese à tese da democracia liberal ocidental, então chegávamos ao Fim da História, interrompida com o esgotamento da aplicação dialética.

Desde que, em fevereiro de 2018, o Partido Comunista Chinês decidiu não mais restringir o teto de permanência de um indivíduo na condição de presidente do país, irrompeu-se contra a democracia como um valor universal. Com Xi Jinping podendo evitar o limite de dois mandatos de cinco anos, a autocracia aparecia como uma antítese à suposta síntese consolidada e inabalável.

Ali, tínhamos um fato marcante de uma potência se aliando a outros autocratas, como Vladimir Putin na Rússia, Bashar al-Assad na Síria, Recep Erdogan na Turquia e Nursultan Nazarbayev no Cazaquistão.

Troyjo apontava ali o eventual fim do Fim da História. Eu rebatizei de Pós-História, que me parece a única possibilidade para a História depois do seu fim.

Cerca de um ano depois, Marcos Troyjo voltou ao tema, em outra coluna estupenda. Em “Breve história da desglobalização”, afirmou mais categoricamente como a “supremacia do Ocidente” poderia estar em xeque.

Ali, ele se mostrava preocupado. Destaco um trecho:

“Nesse contexto, uma guerra comercial passa a figurar como incomodamente possível. Se houver uma disputa cega entre as duas maiores economias do mundo —a dos EUA e a chinesa—, é plausível pensar que a lógica da escalada que conhecemos durante a Guerra Fria pode se reproduzir no âmbito do comércio, com imposição de tarifas punitivas e retaliações mútuas e crescentes.

É um cenário perigoso, e os norte-americanos têm tanto a perder nesse jogo quanto os chineses e o resto do mundo.

A tese esposada por alguns de que o Brasil vai sofrer pouco se houver uma guerra comercial é bobagem. Qual o principal destino das exportações brasileiras? A China.”

A conclusão, no entanto, era o ponto máximo do artigo e aqui a replico justamente porque ela fundamenta minha estratégia de investimentos no momento. Troyjo primeiro, meus comentários a seguir e a prescrição pragmática para o momento:

“Isso quer dizer que, se houver um aumento das rusgas comerciais, não é apenas a troca de mercadorias a sofrer, mas também a corrente de investimentos. Tudo isso, no médio prazo, vai cobrar seu preço da presidência de Trump. Por isso, os custos de ineficiência da desglobalização vão conduzir o mundo, mais rapidamente do que se supõe, a uma reglobalização.”

Se estou preocupado com a escalada da guerra comercial entre EUA e China? Claro que sim. Na verdade, eu sou preocupado. Eu fico sem dormir para você dormir tranquilo. Esse é o nosso trato.

Não se trata apenas de uma disputa econômica, deste ou daquele mercado. Embora também seja isso, há aqui também uma disputa por hegemonia, tanto política como até mesmo de valores — o Confucionismo está acima dos contratos na China.

A guerra comercial é também uma guerra cambial, conforme ficou claro ontem, com a China usando o yuan para retaliar os EUA pelo recente aumento das tarifas de importação. Talvez as coisas não parem por aí. A questão cambial é importante neste momento e as forças parecem um tanto desequilibradas.

Com as taxas de juro muito negativas na Europa, o euro parece desvalorizado e isso tem estimulado muito fortemente as exportações alemãs. O Fed, cedo ou tarde, será obrigado a reagir, dado o caráter sobrevalorizado do dólar, sob o risco de encontrar uma recessão em 2020. E, quando a moeda norte-americana se enfraquecer, então talvez a China reaja novamente, numa nova minimaxidesvalorização do yuan.

As taxas de câmbio nada mais são do que uma relação de troca entre uma moeda e outra. Logo, é até impreciso dizer “enfraquecimento do dólar (do euro, ou de qualquer outra moeda)”. A pergunta mais precisa seria algo como: enfraquecimento contra quem? O problema está justamente aí.

Tudo se delineia para um enfraquecimento generalizado das moedas. Como isso seria possível? A partir de uma maior valorização dos ativos reais ou — aqui vai minha primeira prescrição de alocação — do ouro.

Estamos pregando no deserto sobre a necessidade de ter o metal precioso nas carteiras há algum tempo. Ninguém fala disso no Brasil. E veja que falo não somente das pessoas físicas. São raríssimos (para não dizer nenhum) gestores profissionais brasileiros comprando ouro.

Ontem, o metal bateu sua máxima em seis anos, pertinho de 1,5 mil dólares por onça — quando insisto na indicação da Carteira Empiricus, é realmente porque ela me parece a melhor coisa que tenho a fazer por você. Ainda acho que o ouro se apresenta como a melhor alternativa de hedge para este contexto de guerra comercial e cambial.

“Ah, mas e o bitcoin?” Respeito os criptoguys e reconheço a recente performance positiva do bitcoin em dias de preocupação com a guerra comercial. Não tenho nada contra a criptomoeda. Mas, me desculpem, para mim, isso ainda é um ativo de risco, que ainda precisa se provar capaz de preservar valor no tempo. Nada contra ativos de risco. Só que são… ativos de risco; não são ativos de proteção. Simples assim.

Por isso, reitero o ouro como meu hedge favorito. E gosto mais do ouro não hedgeado pelo câmbio, para você pegar o duplo beta negativo. Em outras palavras, nos dias ruins de mercado, o ouro tende a ganhar do dólar e o dólar a ganhar do real. Então, você tem uma dupla proteção.

Vejo o cenário ainda permeado por saltos e várias surpresas, avançando e retrocedendo com disputas pontuais assustando os mercados. No final, porém, estou com Marcos Troyjo: voltaremos mais rapidamente à reglobalização do que muitos supõem.

Primeiramente, porque acredito que a racionalidade tende a prevalecer. O maior parceiro comercial dos EUA é a China. Um conflito amplo e profundo entre ambos implicaria chances altas de jogar a economia mundial em recessão.

Se a economia norte-americana e Wall Street mergulharem por conta de uma guerra comercial com a China, Trump será apontado como o grande culpado, reduzindo suas chances de reeleição. Já, se, depois de tiro, porrada e bomba, chegar a um acordo com a China e, ainda, o Fed vier a reduzir as taxas de juro com mais intensidade, ele pode sair como grande herói.

Por fim, não me parece muito razoável contar com desvalorizações irrestritas do yuan. A China vive uma complexa tripla-transição de uma economia voltada à exportação para outra mais orientada para o mercado doméstico, tenta aumentar a importância relativa do consumo frente ao investimento e caminha para uma maior participação das forças de mercado frente ao irrestrito dirigismo do Estado. Uma moeda muito fraca mata tudo isso.

Então, em termos pragmáticos, não fizemos absolutamente nada em nossas carteiras ontem. Atravessamos bem a tempestade e deixamos o dedo no gatilho, prontos para recolher parte das proteções e atacar ainda mais os portfólios caso a fraqueza adicional nos leve aos 98 mil pontos. Se isso acontecer, será a chance da vida. Esteja preparado.

Giro da Semana

Receba as principais notícias e recomendações de investimento diretamente no seu e-mail. Tudo 100% gratuito. Inscreva-se no botão abaixo:

*Ao clicar no botão você autoriza o Money Times a utilizar os dados fornecidos para encaminhar conteúdos informativos e publicitários.