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Felipe Miranda: Um conto de três cidades

10 jan 2022, 17:28 - atualizado em 10 jan 2022, 17:31

A preocupação com a subida das taxas de juros em âmbito global dizimou os ativos de risco. Se a isso somarmos fatores técnicos de mercado, de sua microestrutura, e elementos domésticos ligados a temores com a situação fiscal dentro de um ano eleitoral, observamos uma chacina.

O ano de 2021 foi difícil, mas que saudades…

Hoje é dia 10 de janeiro e parece já condenar todo o 2022. 

A preocupação com a subida das taxas de juros em âmbito global dizimou os ativos de risco. Se a isso somarmos fatores técnicos de mercado, de sua microestrutura, e elementos domésticos ligados a temores com a situação fiscal dentro de um ano eleitoral, observamos uma chacina.

O retorno semanal dos títulos de 30 anos nos EUA, negativo em 9,35%, foi o pior em 49 anos de história. Se o período se referisse a 12 meses completos, teríamos o quinto pior ano da história. Impressionante para cinco dias.

Juros subindo no mundo, com todos cansados depois de um longo período correndo em direção contrária, sem pódio de chegada ou beijo de namorada, exterminam tudo com duration longa. Fluxos de caixa lá na frente representam muito menos hoje se trazidos a valor presente por uma taxa de desconto mais alta. Por anos e anos, havia capital farto para alimentar promessas de, lá na frente, quem sabe, podermos gerar caixa. A famosa maré alta escondendo a nudez de muitos banhistas.

Aqui dentro, o Ibovespa caiu 2%. É ruim, mas não parece tão assustador — em tese, já não somos novos nesta festa e vimos coisas piores. A verdade, porém, é que o desempenho do índice, típico de médias ponderadas concentradas em poucos nomes, esconde uma situação bem mais negativa. 

O SMAL11 perdeu 10%, indicando um comportamento muito mais adverso de small e midcaps.

Se você tirar bancos e commodities da semana passada, o que aconteceu foi um verdadeiro banho de sangue generalizado.

No Ibovespa, entre as altas, tivemos apenas BRF, Itaú, Vale, Bradespar, Bradesco, Santander, CSN Mineração, Itaúsa, 3R, B3, Gerdau, Metalúrgica Gerdau e Petrobras. De resto, tudo no vermelho, sendo que a maior alta montou a 9,24%, enquanto a maior queda foi de -24,70%. 

Como bancos e commodities pesam muito no índice, a média ponderada é puxada para cima por poucos nomes, de certo modo escondendo o que realmente representaria um comportamento médio das ações brasileiras, caso tivéssemos aqui uma distribuição uniforme para o peso das empresas.

Vivemos uma espécie de “Conto de duas cidades”, de Charles Dickens, com grande distorção entre elas. Existe uma Bolsa de meia dúzia de ações, de bancos e commodities, com desempenho positivo. E há todo o resto, enfrentando uma carnificina.

Da questão meramente descritiva à análise opinativa, tenho duas considerações. 

A primeira delas é que países e até pessoas podem conviver com ambivalências desse tipo. Há nações claramente divididas com diferentes estágios de desenvolvimento e processo civilizatório, em que sistemas econômicos e mesmo formas de pensamento arcaicos convivem com formas mais avançadas, complexas, tecnológicas e dinâmicas. De forma simples e direta, talvez até grosseira para simplificar, exemplos no Nordeste e no Sudeste brasileiro, no Sul e no Norte da Itália, em Shanghai e no campo chinês.

Pessoas também convivem com suas dualidades, representadas tipicamente no clássico “O médico e o monstro”. Lados claro e escuro coabitando em cada um de nós.

Mas poderia isso acontecer na Bolsa por muito tempo?

Ora, será que toda a economia brasileira entrará em recessão e teremos uma inflação ainda alta, corroendo a renda real da população, e passaremos ilesos a uma crise de crédito, mesmo que amena? Os bancos escapariam ilesos?

O Fed subiria as taxas de juro para refrear a demanda agregada e as commodities continuariam em patamares tão altos? Se sim, isso significaria a capacidade de a economia ainda transitar razoavelmente bem pelo aperto monetário, certo?

Das duas, uma: ou estamos na iminência de uma espécie de crise de realização dinâmica, resultado de diferentes velocidades entre setores, ou há uma penalização excessiva sobre os ciclos domésticos ex-bancos.

A segunda consideração se refere a um tratamento equânime conferido a nomes de alto crescimento, sobretudo a small caps ligadas à tecnologia e/ou ao processo anteriormente chamado de “financial deepening”. Um nome sem fluxo de caixa atual e com uma mera promessa de crescimento e geração de caixa lá na frente, com valuation esticado, cai igual a outros nomes que têm, sim, crescimento, mas já têm muito lucro hoje e negociam a valuations descontados. Uma coisa é uma empresa que negocia a 10 vezes receitas e não tem earnings. Outra, completamente diferente, é uma companhia abaixo de 10 vezes lucros com crescimento acima de 30%. 

No pânico, não há diferenciação. Já no pós-pânico, a dinâmica é bem diferente. Eu shortearia nomes que estão acima de 7 vezes receitas ou, no caso de bancos, acima de 7 vezes book. E compraria essas small caps muito castigadas, abaixo de 10 vezes lucros ou afins. Dando nome aos bois: GGPS3, BRBI11 e LVTC3 seriam ótimas “compras na fraqueza”.

Talvez devêssemos passar de duas para três cidades: i) banco e commodity; ii) small cap “pastel de vento”; e iii) small cap barata e que já gera resultado. Se o original de Dickens tratava da Revolução de 1789, possivelmente poderíamos tratar a situação com um pouco mais de profundidade e, como alguém que defende a preservação das instituições, adotar a evolução no lugar da revolução.

CIO e estrategista-chefe da Empiricus
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.
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