Economia

Guru da Faria Lima dispara: “Não discutir meta de inflação mais realista beira o ridículo”

25 mar 2023, 16:07 - atualizado em 25 mar 2023, 16:07
rogério xavier spx meta inflação juros selic banco central investimentos inflação faria lima
“A gente carrega um erro cometido em 2020, quando a gente jogou a taxa de juros para um patamar irreal”, afirma Rogério Xaiver, da SPX Capital (Imagem: Shutterstock/Divulgação SPX – Montagem: Julia Shikota)

O governo de Jair Bolsonaro, por meio de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, errou ao estabelecer uma meta de inflação tão baixa. Recusar-se a discutir uma meta mais realista “beira o ridículo” e só obriga os agentes econômicos a conviverem com uma taxa real de juros muito alta, inibindo o investimento e, por tabela, o crescimento do Brasil.

Por isso, é preciso romper com o dogma de que a meta de inflação, hoje em 3%, é inalterável. Também não há motivo para o alarmismo de que, ao elevar a meta, ela se transforme num piso e a inflação saia de controle.

Tampouco, o arcabouço fiscal deve servir de desculpa para evitar esse debate que, ao fim e ao cabo, conduziria a uma política monetária mais flexível. Se o mercado estivesse, realmente, preocupado com o descontrole das contas públicas e uma possível inadimplência do novo governo, estaria comprando dólar e fazendo o câmbio disparar.

Se você pensa que as declarações acima saíram de uma entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se enganou. Essas declarações foram dadas por Rogério Xavier, um dos fundadores da gestora SPX Capital e considerado um dos maiores gurus da Faria Lima, em entrevista ao Brazil Journal nesta semana.

Para Xavier, “eu acho que existe um dogma de não se discutir a meta de inflação que eu acho que é totalmente contraproducente e, na minha avaliação, gera um equilíbrio negativo pro país.”

No melhor fair play jornalístico, veja os principais trechos da entrevista de Xavier ao Brazil Journal. Afinal, quando alguém como ele fala, é melhor parar para ouvir.

Sobre a armadilha dos juros altos

“No final, eu acho que a gente carrega um erro cometido em 2020, quando a gente jogou a taxa de juros para um patamar irreal, com juros reais negativos muito alto, e que provocou, na minha opinião, um desarranjo na economia muito forte, porque os incentivos que você deu lá atrás fizeram com que a retomada da economia, no pós-Covid, fosse muito forte.

É só lembrar que os incentivos que a gente deu de forma creditícia, do auxílio às pessoas e às empresas, o próprio nível da taxa de juros, da política monetária, enfim, todos aqueles auxílios que foram dados lá em 2020, junto com o que foi feito no resto do mundo, que foi de certa maneira, políticas fiscais, monetárias e creditícias também de volumes sem precedentes na história, toda essa combinação gerou esse nível inflacionário que a gente viveu nesses últimos anos.”

Sobre o dogma de não discutir a meta fiscal

“O interessante é que a gente foi capaz de reverter certos dogmas, principalmente na parte fiscal, e não foi capaz de entrar na questão da política monetária, seja por um preciosismo, na minha avaliação, por parte do Banco Central, seja por um certo corporativismo que eu vejo na academia, de que, uma vez que você setou sua meta de inflação num certo patamar, você não pode revê-la. E, à luz dos acontecimentos que aconteceram a posteriori, corrigir um erro que eu acho que foi cometido, quando você setou um nível inflacionário tão baixo e tão desafiador como a gente setou para a inflação nos anos à frente.

Então, eu acho que existe um dogma de não se discutir a meta de inflação que eu acho que é totalmente contraproducente e, na minha avaliação, gera um equilíbrio negativo pro país, entendeu? Fica o Banco Central, de um lado, perseguindo uma meta que na minha avaliação, principalmente, não será alcançada. Se você for olhar as expectativas de inflação, as próprias projeções de inflação que o mercado está falando para 2024 e 2025, mesmo 2026, elas já se aproximam de 4%.

Na última participação que fiz em lives, eu falei exatamente isso, que as expectativas de inflação iriam se aproximar de 4%. E, aí, o que aconteceria? O Banco Central não poderia cair os juros? Então, fica uma coisa esquizofrênica, porque, no final, o que o Banco Central está dizendo é que eu vou ter que carregar essa taxa de juros reais, pelo menos no horizonte que ele está citando, de 18 a 24 meses, sem poder cair os juros. Ou seja, você está dizendo que você vai ficar com os juros por dois anos nesse nível…

Então, quer dizer que não caem os juros? A gente vai trabalhar com 8% e, justamente, num contexto em que o mercado internacional está fechado para a captação de bonds corporativos, por conta dessa piora no crédito internacional, com bancos quebrando, então, é razoável você supor que o mercado esteja avesso ao risco corporativo nesse momento, do lado externo.

E, no lado interno, a gente teve certos eventos, também no lado corporativo, que também deixaram o mercado interno fechado. Ou seja, as empresas que precisam tomar dinheiro, seja para investimentos, seja para rolar suas dívidas, encontram um mercado de capitais fechado, o lado internacional fechado, e com a taxa interna bancária com spreads muito altos, por conta dessa crise bancária que estamos vendo. Então, qual é a opção das pessoas jurídicas de tomarem dinheiro? Nenhuma.”

Sobre o risco uma revisão da meta de inflação desancorar as expectativas

“Acho que o equilíbrio seria melhor, porque você teria mais flexibilidade para atuar na política monetária. No final, o que eu estou dizendo é o seguinte: dado que a gente está trabalhando com uma inflação ao redor de 6%… em todo o período do presidente Roberto Campos, a média foi de 6%, a expectativa de inflação para este ano é de 6%, há dificuldade de enxergar que a inflação vai cair de 6% para 3%… mas ela cair de 6% para ao redor de 4%, eu acho que o mercado não questiona muito isso.

Eu acho meio ridícula essa discussão que eu vejo na televisão, de economistas falando “ah, não, se nós alterarmos a meta para 4% vai desancorar tudo”… mas onde é que está dito qualquer coisa nessa direção? A gente está discutindo as projeções de inflação para 2024, 2025 e 2026 a 4%.

Ninguém está discutindo que a meta vai para 8% ou que as expectativas vão subir para 6%. Mesmo que elas sigam para 4,5%… eu estou dizendo o seguinte… eu não defendo que a meta vá para 4% e o Banco Central corte os juros. Não é isso que eu estou falando. O que eu estou dizendo é o seguinte: persegue uma meta mais realista, que você possa atingir essa meta, que, no horizonte de projeção, você enxergue alguma caminho que você possa cortar os juros…”

Sobre o risco de descontrole das contas públicas

Aí, você fala: “Ah, mas o arcabouço fiscal…” Isso é uma balela que as pessoas falam para justificar outras questões, porque, se as pessoas estivessem realmente preocupadas com o fiscal, elas estariam comprando dólar. Cadê as pessoas comprando dólar? O dólar está parado há três anos no mesmo patamar. Então, a argumentação não ganha força na realidade.

É razoável você supor que você vai ter uma inclinação de curva. Isso tem no mundo inteiro. Você pega maturidades mais longas, você tem um prêmio sobre as taxas de mais curto prazo, porque, uma vez que você acredita que… o mercado não põe alta de juros para o curto prazo. Se você olhar as taxas de dois, três anos, elas são para baixo em relação ao que está a taxa Selic hoje. Para maturidades mais longas, você tem uma inclinação sobre essas próprias taxas de dois, três anos, o que é razoável.

Então, eu não vejo esse prêmio fiscal que o mercado diz. Você pode pegar nas LFTs… onde está esse prêmio de risco fiscal? Porque o risco fiscal aparece na solvência, de você não pagar a sua dívida, e não tem nada escrito lá na LFT que tenha prêmio, porque o governo está perto de ficar insolvente. Não tem nada disso.

Então, o que tem é uma inclinação normal de curva, em relação à expectativa do mercado tem de que, uma vez que, em dois ou três anos, eu acredito que o movimento de juros vai estar feito, seja lá qual seja, a partir dali, vai ter um prêmio de inclinação de curva, como sempre teve. Você pode pegar na história do mercado, que você vai ver sempre que a inclinação é positiva, depois que você faz o pico de taxa, e você tem na expectativa de dois, três anos à frente, que você vai fazer um corte de juros.

Isso é muito razoável. Então, eu, particularmente, não vejo esse risco. E a variável-chave, para mim, de risco fiscal… ela é expressa no câmbio. Tanto que o Banco Central mesmo admite isso: ele não tem opinião sobre o arcabouço fiscal. Ele pega como input para o modelo dele como o mercado vai reagir ao anúncio do arcabouço.

Se o mercado, mesmo que não goste, imputar no seu modelo que o câmbio vai ficar parado, é isso que vai entrar no modelo do Banco Central. Não tem essa variável… ele pode entrar como demanda, porque se a gente está colocando mais demanda na economia, mas, se você olhar quanto está previsto de déficit primário para este ano… por exemplo, nós temos um déficit primário da ordem de 0,5% do PIB… é próximo de zero.

O mercado não está tão diferente disso. O próprio secretário do Tesouro falou recentemente que o mercado tem um número ao redor de R$ 100 bilhões, um pouco menos de 1% do PIB também. Então, não é essa… o que me estranha são os grandes números. A gente está falando de déficit primário ao redor de 1%, caminhando para um equilíbrio no ano que vem, e a própria inflação, nas expectativas do mercado, a gente está falando de 4%.

A gente não está falando de nada fora do padrão. Sinceramente, para nós, que olhamos inflação no mundo inteiro, essa discussão beira o ridículo. A gente está falando… na projeção do Fed de ontem, a gente está falando que o Fed vai mirar numa inflação de 3,1%, e só vai atingir 2% em 2025.

 

Diretor de Redação do Money Times
Ingressou no Money Times em 2019, tendo atuado como repórter e editor. Formado em Jornalismo pela ECA/USP em 2000, é mestre em Ciência Política pela FLCH/USP e possui MBA em Derivativos e Informações Econômicas pela FIA/BM&F Bovespa. Iniciou na grande imprensa em 2000, como repórter no InvestNews da Gazeta Mercantil. Desde então, escreveu sobre economia, política, negócios e finanças para a Agência Estado, Exame.com, IstoÉ Dinheiro e O Financista, entre outros.
Linkedin
Ingressou no Money Times em 2019, tendo atuado como repórter e editor. Formado em Jornalismo pela ECA/USP em 2000, é mestre em Ciência Política pela FLCH/USP e possui MBA em Derivativos e Informações Econômicas pela FIA/BM&F Bovespa. Iniciou na grande imprensa em 2000, como repórter no InvestNews da Gazeta Mercantil. Desde então, escreveu sobre economia, política, negócios e finanças para a Agência Estado, Exame.com, IstoÉ Dinheiro e O Financista, entre outros.
Linkedin
Giro da Semana

Receba as principais notícias e recomendações de investimento diretamente no seu e-mail. Tudo 100% gratuito. Inscreva-se no botão abaixo:

*Ao clicar no botão você autoriza o Money Times a utilizar os dados fornecidos para encaminhar conteúdos informativos e publicitários.