Internacional

Invasão da Ucrânia: ‘EUA não têm mais a capacidade de coagir ou gerar consensos’, diz especialista

24 fev 2022, 17:09 - atualizado em 24 fev 2022, 17:27
Putin; Biden; Rússia; Estados Unidos
(Wikimedia Commons)

Teve ligação por telefone no último final de semana para discutir o tema. Também teve um dos lados vindo a público, no início da semana, para anunciar as primeiras sanções. Nenhum dos extremos — cortesia ou ameaça — foram suficientes para impedir o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de invadir a Ucrânia na madrugada desta quinta-feira (24).

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Já são, ao todo, mais de 50 mortos, entre civis e militares, além de mais de 160 feridos, no que já é considerado o maior ataque à ordem mundial desde a Guerra Fria.

Ora protagonista de diversas guerras durante a história, os Estados Unidos começam a demonstrar menos poder quando o assunto é mediar conflitos nos dias de hoje.

“Vejo esse conflito muito mais como elemento de demonstração do aumento do poder relativo de outros países e também uma decadência relativa ao poder americano. A ordem internacional, um valor de normas, conjuntos, princípios que devem ser respeitados, tudo isso foi legitimado em uma ordem [mundial] muito diferente da nossa. Os Estados Unidos não têm mais a mesma capacidade de coagir ou de gerar consensos”, avalia o professor de Relações Internacionais da FAAP, Lucas Leite.

Durante a tarde desta quinta-feira (24), o presidente Joe Biden fez um pronunciamento para a imprensa. O democrata afirmou que o ataque foi premeditado e que o presidente Putin “tem planejado por meses”.

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Ele ainda destacou que tudo estaria acontecendo, em grande parte, como já era previsto, e que a invasão representa uma “flagrante violação do direito internacional“.

Guilherme Casarões, especialista em ciência política e professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que é possível falar em um enfraquecimento por parte dos Estados Unidos quando o tema é soberania.

“[É possível falar de] Um enfraquecimento dos Estados Unidos, e eu iria além. Eu já não acho que os Estados Unidos tenham um retrospecto muito bom em mediação de conflitos. Eles impediram alguns de acontecer pelo poder gigantesco que tinham. O poderio militar americano foi o principal elemento para que os EUA evitasse conflitos, o que não necessariamente os torna bons negociadores. Simplesmente era o país mais poderoso do mundo, que ocupava essa posição de forma solitária”.

Casarões lembra que nos últimos anos, no entanto, o cenário de protagonismo histórico de pacificação de conflitos internacionais mudou, sobretudo após o governo de Donald Trump (2017-2020).

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Outro ponto a se considerar é que o mundo mudou, diz. Em 2014, por exemplo a China não ocupava a posição que ocupa hoje, que é ser o centro da geopolítica na Ásia e parceira comercial de metade do mundo.

O especialista afirma que além do cenário de enfraquecimento, houve quase uma total redefinição geopolítica no mundo.

A César o que é de César

“Putin é o agressor. Putin escolheu esta guerra. E agora ele e seu país arcarão com as consequências”. (Reprodução/White House/YouTube)

Também durante seu pronunciamento, o presidente americano subiu o tom, e afirmou que Putin “é o agressor e escolheu esta guerra”. “E agora ele e seu país arcarão com as consequências”, disse.

Na terça-feira (22), o democrata fez anúncio do primeiro pacote de sanções dos EUA contra a Rússia. As sanções, entre outros pontos, visam bancos russos e a dívida soberana do país.

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Leite, da FAAP, diz que ainda é necessário esperar para ver o qual vai ser a movimentação dos Estados Unidos no conflito.

“Muito provavelmente a Otan se veja em uma posição complicada. Se ela não faz nada por entender [que tudo pode ser] blefe por parte de Putin, [ele passa a ter] uma licença muito grande, uma liberdade. Do outro lado, se a Otan age, ela pode escalar o conflito para algo que não precisaria acontecer. É uma sinuca de bico”.

Leite avalia que Putin está em uma posição melhor, mais privilegiada, que é a de quem está ditando os movimentos.

No início do dia, a organização se pronunciou e afirmou por meio de seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, que tropas não seriam enviadas para o território da Ucrânia, e que a Rússia pagaria um alto preço “político e econômico”.

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A organização, no entanto, reforçará forças terrestres e aéreas para a parte leste da aliança. O secretário disse que a Otan está com o povo ucraniano e que tomará “todas medidas a para defender aliados”.

Política externa de Biden

O grupo Talibã reassumiu o poder do Afeganistão após a retirada das tropas norte-americanas (Imagem: Kabul 17/8/2021 REUTERS)

Casarões lembra que a forma como o democrata tem conduzido a política externa tem sido alvo de críticas por se mostrar confusa. Exemplo disso seria a forma atrapalhada e abrupta como o país retirou as tropas americanas do Afeganistão, o que permitiu a retomada do poder pelo Talibã, grupo considerado terrorista.

Leite também pontua que os Estados Unidos começam a mostrar que não têm mais como arcar com guerras tão longas por tanto tempo.

“Quando eles saem do Afeganistão, sem buscar terceiros, deixando o território arrasado, tendo que dialogar com grupos que consideravam terroristas, a mensagem enviada é que o país não tem mais como manter uma força armada, em quantidade muito grande, longe do seu território”.

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“Os EUA são colocados em um ponto em que eles reagem e mostram que são grandes, [até] assumem o custo de tentar a manutenção do seu poder, mas ao mesmo tempo lidam com adversários muito poderosos. O mundo que a gente vive hoje já é multipolar. Grandes potências questionam o ordenamento americano. É o caso da China e mesmo da Rússia, que colocam em cheque as instituições criadas no próprio mundo [pelos Estados Unidos]”.

E se fosse Trump?

(Imagem:Facebook/ Donald J. Trump

Os especialistas ponderam que seria difícil avaliar como seria a mediação do conflito se o republicano Donald Trump ainda fosse presidente.

Ainda que o presidente tivesse um discurso nacionalista muito forte, ele mantinha uma relação cordial com Putin e ele já havia mencionado, no início de seu mandato, que o sistema de financiamento da Otan era “injusto”, já que o país americano é o seu maior contribuinte.

Segundo Casarões, da FGV, Trump não tinha a visão de manter a Europa unida com a presença militar americana. “Ele mantinha uma retórica: ‘tudo que significar gastos para o povo americano, a gente não quer mais bancar'”, explica.

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A postura do republicano, pondera o especialista, causou um isolacionismo do governo. “Acho que se o Putin fizesse a mesma coisa, a grande diferença seria que Trump talvez não se envolvesse de forma tão direta como Biden”, pondera.

“O problema de se envolver de forma direta e não mudar a ideia [de Putin] escancara a ideia de que o governo Biden é fraco”, afirma o acadêmico.

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Editora
Jornalista paulistana formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e editora do Money Times. Passou pelas redações da CNN Brasil e TV Globo como produtora, VOCÊ S/A e VOCÊ RH como repórter e Exame.com como redatora estagiária.
alexa.meirelles@moneytimes.com.br
Jornalista paulistana formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e editora do Money Times. Passou pelas redações da CNN Brasil e TV Globo como produtora, VOCÊ S/A e VOCÊ RH como repórter e Exame.com como redatora estagiária.