Coluna do Ronaldo Candiev

Investir em crédito: Estrutura de senioridade, prioridade de pagamentos e taxas de recuperação

04 nov 2024, 12:12 - atualizado em 04 nov 2024, 12:22
restituição imposto de renda
(Créditos: Rmcarvalho de Getty Images/Canva Pro)

Imagine uma reunião de condomínio. Entre os moradores, Ronaldo tem seu apartamento protegido contra qualquer problema no prédio, enquanto os moradores Cleber e Paulo dependem da sorte: se sobrar dinheiro no caixa, seus reparos serão feitos, mas sempre em uma ordem específica — primeiro o Cleber, depois o Paulo.

No mercado de crédito, a lógica é parecida: quem possui uma garantia real, como Ronaldo, está mais protegido e tem prioridade no reembolso. Já aqueles sem garantias específicas, como Paulo e Cleber, e especialmente os que estão “subordinados”, como Cleber, assumem mais risco e podem ter menor recuperação em situações de estresse financeiro.

Por isso, esses investidores com mais risco também exigem um retorno maior para compensá-lo. Essa dinâmica de prioridades é essencial para entender o mercado de crédito.

Investir em crédito oferece oportunidades atrativas para investidores que buscam retornos previsíveis, mas esse tipo de investimento está longe de ser isento de riscos. A compreensão da estrutura de capital e, em especial, da senioridade das dívidas, é crucial para avaliar a probabilidade de recuperação em cenários de insolvência ou reestruturações de dívida, como processos de recuperação judicial ou extrajudicial.

De maneira geral, quanto mais elevada a posição de uma dívida na hierarquia de pagamento, maior é a proteção ao investidor. Diversos estudos corroboram essa relação, mostrando que credores mais seniores apresentam tanto maiores taxas de recuperação quanto menores índices de inadimplência.

Este artigo analisa a estrutura de senioridade de capital, a relação entre os rankings de prioridade e as taxas de recuperação em processos de falência, e discute também situações em que a prioridade de crédito pode ser desrespeitada ou violada.

Estrutura de Senioridade de Capital

A senioridade de capital refere-se à ordem de prioridade em que diferentes categorias de dívida são liquidadas em caso de insolvência. Empresas geralmente emitem tanto dívidas seniores quanto subordinadas, sendo que a posição de cada uma na hierarquia afeta diretamente o risco assumido pelo credor e o retorno potencial.

Um exemplo clássico da importância da senioridade é o caso da WorldCom, uma das maiores falências corporativas da história.

Em 2002, a empresa de telecomunicações entrou em colapso financeiro devido a um dos maiores escândalos contábeis da época, no qual a empresa registrou cerca de USD 3,8 bilhões em lucros de forma indevida ao capitalizar despesas operacionais.

Nesse cenário, os detentores de títulos seniores garantidos por ativos conseguiram recuperar aproximadamente 90% do valor investido, enquanto os credores subordinados recuperaram menos de 20%.

Esse caso ilustra como a senioridade influencia de maneira determinante as chances de recuperação dos investidores em situações de insolvência.

Relação entre Senioridade e Taxas de Recuperação

A relação entre a senioridade de uma dívida e sua taxa de recuperação em processos de falência pode ser analisada com base em dados empíricos. Com base no longo histórico de dados obtidos pela Moody’s Investors Service, a agência demonstra uma correlação clara entre a posição na hierarquia de pagamento e a taxa de recuperação:

  1. Dívidas seniores garantidas apresentam uma taxa média de recuperação de 80 a 90%.
  2. Dívidas não garantidas (unsecured ou quirografárias, no Brasil) têm uma taxa de recuperação que varia entre 40 a 60%.
  3. Dívidas subordinadas, por outro lado, apresentam taxas significativamente mais baixas, geralmente entre 10 a 20%.

No Brasil, a Serasa Experian conduziu estudos semelhantes, demonstrando que as taxas de recuperação são mais baixas em comparação com mercados desenvolvidos:

  1. Dívidas garantidas (com garantia real) no Brasil recuperam, em média, entre 30 a 50%.
  2. Dívidas quirografárias apresentam uma taxa de recuperação bastante inferior, entre 5 a 20%.

Esses dados reforçam a premissa de que a senioridade da dívida é um fator preponderante para determinar as chances de recuperação dos investidores.

Tipos de Dívida no Brasil

No Brasil, a hierarquia de pagamento em processos de falência ou recuperação judicial é regida pela Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005). As principais categorias de dívida e suas correspondências com a literatura internacional são as seguintes:

  1. Dívidas Garantidas (com Garantia Real): São aquelas respaldadas por ativos específicos da empresa, como imóveis ou maquinário. Em caso de falência ou processos de reestruturação, os credores com garantia real têm prioridade sobre os ativos que garantem a dívida, entrando em muitos casos na categoria de “créditos extraconcursais”.
  2. Dívidas Quirografárias (sem Garantia Real): Referem-se a dívidas não garantidas por ativos específicos, como obrigações com fornecedores, e têm menor prioridade no recebimento.
  3. Dívidas Subordinadas: Muito utilizadas por instituições financeiras, esse tipo de dívida pode contar com cláusulas de redução temporária ou permanente do principal, ou conversão em ações, caso a capitalização das
    instituições fique abaixo de um nível regulatório determinado.
  4. Dívidas Trabalhistas: No Brasil, essas dívidas possuem alta prioridade, com um limite de até 150 salários mínimos por trabalhador.
  5. Dívidas Fiscais: Tributos e contribuições devidas ao governo, que têm posição privilegiada, embora não sejam incluídas no plano de recuperação judicial.

Impacto da Senioridade e da Diversificação de Dívidas no Custo de Capital e Risco

A estrutura de capital de uma empresa influencia diretamente seu custo de capital, sendo a senioridade das dívidas um fator crucial para determinar o nível de risco e a proteção do capital investido pelos credores. Dívidas seniores, geralmente garantidas por ativos, possuem menor custo de capital, refletindo o risco reduzido de inadimplência. Em
contrapartida, dívidas subordinadas apresentam custo mais alto devido ao maior risco.

De acordo com o estudo “A heterogeneidade da estrutura de dívida reduz o custo de capital?” publicado na Revista Contabilidade & Finanças da USP, a diversificação de dívidas, combinando diferentes níveis de senioridade, está associada a uma redução no custo de captação, especialmente em empresas de grande porte com time de gestão profissional, o que ajuda a otimizar o retorno para o acionista.

Para investidores, a diversificação estratégica entre dívidas de diferentes camadas permite equilibrar o risco e retorno, diluindo os impactos de possíveis inadimplências em posições subordinadas, sem alterar significativamente a segurança do portfólio como um todo.

Evidências encontradas no estudo Gestão de Risco de Crédito Bancário apontam que uma estrutura de dívida diversificada diminui a probabilidade de inadimplência e melhora a rentabilidade, especialmente quando aliada a ativos seniores com garantias reais, o que reforça a importância de estratégias de diversificação para mitigar riscos.

Assim, tanto a literatura acadêmica quanto as práticas de mercado confirmam que uma boa utilização da hierarquia de dívidas e a diversificação do portfólio são estratégias eficazes para reduzir riscos e otimizar o retorno, especialmente em cenários de incerteza econômica.

Violação Potencial da Prioridade de Créditos

Apesar de a hierarquia de senioridade ser um elemento fundamental para as taxas de recuperação, há situações em que a prioridade de créditos pode ser desrespeitada ou violada em processos de falência. Um exemplo clássico é o cramdown, em que um tribunal aprova um plano de reorganização mesmo que certas classes de credores se
oponham a essa aprovação.

Outro exemplo é o uso do financiamento DIP (Debtor-InPossession), no qual novas dívidas contraídas para permitir a continuidade das operações durante o processo de recuperação judicial podem ter prioridade sobre as dívidas existentes.

Um exemplo prático recente é o do banco Credit Suisse, que ao ser adquirido pelo UBS foi obrigado a zerar o valor das dívidas subordinadas enquanto seus acionistas receberam um valor pela transação, o que, segundo muitos analistas, se configurou como uma quebra na hierarquia de recebimento.

Conclusão

A estrutura de senioridade de capital desempenha um papel central na avaliação de risco e na estimação das taxas de recuperação de cada classe de credor em processos de falência.

As evidências empíricas demonstram que dívidas seniores garantem maior probabilidade de recuperação, enquanto dívidas subordinadas enfrentam riscos mais elevados.

No Brasil, a priorização de dívidas trabalhistas e fiscais, aliada a uma geralmente mais baixa para dívidas quirografárias, destaca as particularidades do mercado local. Compreender essas dinâmicas é essencial para investidores que desejam tomar decisões informadas e eficazes no mercado de crédito.
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Referências

• Revista Contabilidade & Finanças, USP – Análise sobre estrutura de dívida e custo de capital. Link: Revista Contabilidade & Finanças – USP
• Gestão de Risco de Crédito Bancário, Instituto Politécnico do Porto – Estudo sobre diversificação de dívidas e mitigação de risco. Link: Gestão de Risco de Crédito Bancário – recipp.ipp.pt
• Moody’s Investors Service – Dados sobre taxas de recuperação de dívidas em camadas de senioridade.
Link: Moody’s Investors Service – Recuperação de Dívidas
• Serasa Experian – Estudo sobre taxas de recuperação no Brasil. Link: Serasa Experian
• Altman, Edward I. (2019) – Análise de inadimplência em dívidas subordinadas. Link: Altman 2019 – Journal of Finance

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sócio na área de crédito privado na BRZ Investimentos
Sócio e Gestor de Crédito na BRZ Investimentos. Anteriormente ocupou a posição de Head de Fundos Listados no Departamento de Análise e Pesquisa da XP Inc. Ao longo de sua carreira, atuou como gestor e analista de investimentos em instituições financeiras, tais como: Bradesco Private Equity, GLP Capital, Hemisfério Sul Investimentos e HSBC (Brasil e UK). É graduado em Administração de Empresas pela FGV (ESAGS), obteve a certificação Chartered Financial Analyst (CFA®) em 2017.
ronaldo.candiev@autor.moneytimes.com.br
Sócio e Gestor de Crédito na BRZ Investimentos. Anteriormente ocupou a posição de Head de Fundos Listados no Departamento de Análise e Pesquisa da XP Inc. Ao longo de sua carreira, atuou como gestor e analista de investimentos em instituições financeiras, tais como: Bradesco Private Equity, GLP Capital, Hemisfério Sul Investimentos e HSBC (Brasil e UK). É graduado em Administração de Empresas pela FGV (ESAGS), obteve a certificação Chartered Financial Analyst (CFA®) em 2017.

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