Opinião

Ivan Sant’Anna: A Previdência de cada um

26 fev 2019, 17:30 - atualizado em 26 fev 2019, 17:10

Por Ivan Sant’Anna,  autor das newsletters de investimentos Warm Up Inversa e Os Mercadores da Noite

Caro leitor,

No final do primeiro semestre deste ano, ou no início do segundo, deverá ser votada, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a PEC da Previdência. Para que seja aprovada, serão necessários três quintos dos votos de deputados e senadores, mais precisamente 308 e 41 votos.

Durante os próximos meses, a não ser que aconteça algum imprevisto, o mercado financeiro ficará antenado nos trâmites da PEC nas duas casas do Congresso. Ah, antes que me esqueça, haverá dois mata-matas em cada plenário.

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Como qualquer pessoa que pense pragmaticamente, torcerei para que a alteração constitucional se materialize. Caso contrário, o Brasil quebra. O caixa do Tesouro não aguenta o déficit previdenciário.

Para minha pessoa, Ivan Sant’Anna, assim como a de minha mulher, a reforma da Previdência é uma covardia. Estamos casados há 40 anos e sempre acreditávamos que o primeiro que morresse herdaria a pensão do outro, como acontece nos termos da legislação atual.

Vamos aos números. Fica mais fácil explicar.

Ganho do INSS aproximadamente quatro mil reais por mês. Ela, cinco mil.  Com o fator previdenciário, quase sempre essa aposentadoria é reajustada anualmente um pouco abaixo da inflação. O mesmo não acontece com o plano de saúde, que trabalha com a lógica fria dos negócios: “quanto mais velho, mais consultas, exames, procedimentos, etc.”

Suponhamos que eu morra em 2025, com 85 anos de idade, por sinal um desfecho que me satisfaz plenamente.

Como as mulheres têm expectativa de vida sete anos maior que a dos homens, e minha cara-metade é nove anos mais moça que eu, atuarialmente ela viverá até 2041, sendo os últimos 16 anos recebendo apenas sua própria aposentadoria, que mal dá para pagar o condomínio e o seguro médico. Além, é claro do que deixarei para ela, já que nossas contas são conjuntas.

Felizmente, jamais deixei de poupar. São raríssimos os meses nos quais tenho déficit. Só quando viajo para o exterior.

Espero que a madame aqui não cometa a asneira de viver até os 100, 105 anos.

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 Pois bem, o atual projeto de reforma da Previdência não é o dos meus sonhos. Gostaria que a Constituição fosse atropelada na marra e, com ela, extintos os absurdos adquiridos pelas chamadas cláusulas pétreas.

Há uma dentista aqui do Rio de Janeiro que recebeu mensalmente dos cofres do Judiciário (ou seja, dos nossos bolsos), durante anos, o equivalente hoje a 43 mil reais. Seu benefício já foi cassado, reposto, cassado novamente e a doutora não se manca. Está sempre recorrendo em busca dos seus “direitos”.

Explicação: ela é filha solteira (não se casou no papel; uniu-se no religioso e teve dois filhos) de um desembargador que morreu em 1982.

E quanto aos militares, policiais, bombeiros…? Eles alegam que não têm hora certa de trabalho, que às vezes varam dia e noite. Agora mesmo, a gente viu em Brumadinho os socorristas rastejando na lama após o rompimento da barragem da Vale.

Tudo bem, chafurdar em meio aos mortos é estressante. Mas, como todos têm cargo vitalício e aposentadoria com ganho integral, não sofrem o estresse maior do trabalhador da iniciativa privada que é o medo de perder o emprego e não encontrar outro.

Fica então combinado. Não vou sofrer nenhum AVC, muito menos padecerei de demência e chegarei aos 85 (que é quando virá o apito final) escrevendo meus livros e artigos, dando cursos e fazendo palestras, recebendo por esses serviços.

Minha mulher pega minha poupança (não é caderneta; burro ainda não sou) e vai até os 92.

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 Pensemos agora no trabalhador braçal. O operário da construção civil, os caras que racham o asfalto com britadeiras, empurram carrinhos de mão nas salinas e aram a terra na agricultura familiar. Os catadores de frutas.

Isso tudo terá de ser levado em conta nas discussões da PEC previdenciária. Tem muita gente que não consegue trabalhar até os 65. Pior, mesmo que consigam, não são contratados. Tem sempre um jovem com mais físico, saúde e disposição para o seu lugar.

Por causa do egoísmo de certas categorias, não por coincidência justamente aquelas que fazem as leis, garantem sua observância (garantem mesmo?) e julgam sua inobservância (julgam mesmo?), erigimos, pedra por pedra, esse déficit colossal nas contas públicas.

Apesar de todas essas incongruências, tenho profunda convicção de que a PEC tem de ser aprovada. É questão de sobrevivência do país.

Só que algum dispositivo legal (cotas, quem sabe?) terá de cuidar para que as pessoas consigam emprego até os 65.

Caso contrário, essa PEC vai gerar uma faixa etária de miséria que poderá durar de cinco a dez anos, dependendo da profissão. E como pessoas sem empregos não recolhem para a Previdência, poderemos estar formando uma legião de miseráveis.

Economia não pode ser uma ciência apenas de números. O lado social é importante e tem de ser levado em conta. Caso contrário, eles (vocês sabem de quem estou falando) voltam.

Caríssimo leitor, se você foi sensato, deve estar acumulando algum tipo de investimento para ter uma velhice tranquila. Agora terá de engordar essa poupança todos os meses para a hipótese de que não consiga emprego entre os, digamos, 50 e 65 anos.

Essa reforma, dependendo de seus termos, vai atingir cada pessoa de uma maneira diferente.

Como escrevi acima, se o destino colaborar, meu problema aparentemente está resolvido. Meus 65, idade mínima da PEC, já se foram há anos.

Para minha sorte, nunca fui muito seduzido por essa ideia de ficar sem nada para fazer, muito menos ver novelas da Globo ou jogar dominó com os outros velhinhos.

Por sorte, vivo de inspiração. Não preciso quebrar pedras, muito menos arar a terra ou catar cocos para sobreviver. Que a dentista faça bom proveito do dinheiro que recebeu dos cofres públicos por causa da distorção do espírito de uma lei.

Só gostaria que ela lembrasse todos os dias que não o mereceu.

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Um abraço, 

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