Coluna do Bankly

Jogo de equilíbrio: Como aplicar governança em startups

21 jul 2023, 15:00 - atualizado em 21 jul 2023, 15:00
Startup, Atividade Financeira, governança
A maioria das startups em crescimento no Brasil estão em estágios iniciais de adoção práticas de governança. (Imagem: Agência Sebrae)

Startups são agentes essenciais na economia. Elas trazem um grande potencial de impacto e inovação, desafiam o status quo e quebram inúmeras barreiras de competitividade. Startups incomodam. Criam novos modelos de negócio e aterrizam melhor do que ninguém demandas importantes dos consumidores (algumas delas que nem eles mesmo sabiam que existiam).

No ano de 2021, com um cenário global pós-pandemia e um ciclo econômico marcado por alta das taxas de juros e inflação, a capacidade dessas empresas de apresentarem uma gestão perene sem a abundância de capital a qual estavam acostumadas foi ameaçada.

O questionamento não é sobre a importância das startups para o ecossistema, mas sim o modelo de negócio, a alocação de recursos e até as motivações dos próprios empreendedores.

Para quem estava empreendendo seriamente, ver milhões sendo investidos em power points e ideias que não escalavam, gerava mais que um frio na barriga: a partir do momento que os padrões de mercado são desviados por aventureiros, ninguém corre mais risco de ser prejudicado do que o empreendedor que sabe o que está fazendo.

Modelos ruins puxam a confiança do mercado como um todo para baixo; assim como startups que viraram unicórnios sobem a barra.

Não há uma data certa para sairmos desse clima invernal, mas já posso dizer que vivemos 2023 com um novo fôlego e mais otimismo: os sobreviventes de 2022 podem não chegar aos múltiplos de valuation similares a 2020 e é necessária uma gestão de caixa mais célere para passar pelos próximos meses, mas o setor volta a ver o brilho no olhar dos principais Venture Capitals.

Players ruins estão saindo do mercado, outra parcela entra em rodadas de M&A e há as startups já estabelecidas que aproveitam o cenário para ir às compras, gerando uma movimentação saudável para o ecossistema.

Governança: nunca esteve tão na moda

Boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas e um plano claro. São um conjunto de ferramentas que podem evitar inúmeras dores de cabeça, as quais muitas vezes chegam para uma startup na velocidade da sua capacidade de escalar.

Em startups, a governança ainda parece ser algo promovido por investidores na hora da captação e também pelos próprios clientes (para fechar um contrato com uma flagship, por exemplo, há uma lista de requerimentos que muitas vezes forçam a empresa a tirar algumas coisas do papel).

De uma forma natural, o empreendedor avança em governança, conforme “precisa”. Segundo uma pesquisa da Better Governance, a maioria das startups em crescimento no Brasil estão em estágios iniciais de adoção de boas práticas de governança corporativa, representando 82,1% das empresas analisadas.

Os estudos também mostram que a mortalidade das startups é alta no país, com apenas 25% delas sobrevivendo após 10 anos de existência.

Acreditar que uma scale up (startup ainda em fase desenvolvimento) tenha uma governança madura é utópico. Obviamente, o passo a passo deve ser customizado a cada etapa do ciclo da vida da empresa: não se podem exigir o mesmo grau de maturidade da fase de ideação e da fase de crescimento, porém é necessário já nascer com alguns pontos preestabelecidos, para dar mais tranquilidade na hora de crescer.

Do Caderno Corporate Governance for Startup & Scale Ups do IBGC

Práticas de governaça nas startups

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) prevê algumas práticas básicas para startups em qualquer estágio.

Compartilho as mesmas aqui junto com minha opinião pessoal e experiências empreendendo nos últimos anos:

1. Estabeleça um acordo entre os sócios definindo como serão tomadas as decisões estratégicas, incluindo quais precisarão apenas de maioria simples ou absoluta

A diversidade é grande aliada no processo de decisão estratégica. Desde o início da startup é ideal chamar mais gente para a mesa, criar um conselho consultivo com especialistas (opções pro bono não faltam) e tratar questões estratégicas de forma colegiada, como a escolha de um fornecedor chave, priorização de portfólio e até mesmo a contratação de um alto executivo.

O maior erro de uma startup é ter as decisões concentradas nos fundadores ou no CEO: a famosa “empresa de dono” funciona no início, mas no médio prazo, o processo começa a ser prejudicado e nem sempre se leva em consideração o que é benéfico para a empresa, mas sim ao jogo de interesses individuais dos sócios.

Vi inúmeras vezes a vaidade consumindo decisões cruciais para a sobrevivência da empresa. É aí que a governança mais faz falta. Estabelecer as alçadas e quem é dono do que dentro da companhia não evita, mas ajuda a destronar o ego.

O acordo de sócios é um dos documentos mais importantes nesse sentido, ele trata substancialmente de dois assuntos: (a) direitos de equity, ou o valor das participações societárias dos sócios e (b) direitos políticos, os quais se referem ao controle do negócio.

Esses dois assuntos abordam pontos como regras de alterações societárias, os níveis de autoridade dos administratos, eventos de liquidação, além da tomada de decisão e quoruns para deliberação/exercício do direito de voto e resolução de conflitos.

2. Elabore regras de saída dos sócios

Ninguém casa pensando que vai se divorciar. Mas ter condições claras de saída dos sócios desde o início é algo que precisa ser feito ainda nas primeiras fases de constituição da startup; o recomendado é que seja na de ideação.

Assim como comentei acima, o acordo dos sócios deve incluir alguns pontos-chave como o vesting das participações (para evitar que um sócio que saia antes de um prazo mínimo, retenha sua participação integral e prejudique a continuidade da startup); o método para determinar o valor das unidades de interesse (ou ações), a forma de pagamento dos respectivos recebíveis corporativos, ou regras para a compra e venda de participações societárias.

Cláusulas de non compete e confidencialidade não podem ser deixadas de lado. Elas devem ser objetivas e claras quanto a duração e o segmento em que o ex-sócio pode ou não atuar (não deixe essa parte para entendimento no momento da saída).

3. Acorde quais são as informações essenciais que deverão ser reportadas aos stakeholders, sua frequência e responsabilidade por reportar

Existem dois fatores que, na minha experiência, fazem com que o empreendedor deixe de reportar (quando não age de má-fé) algumas informações para os stakeholders: (a) síndrome do super-herói: achar que pode resolver tudo para melhorar o indicador antes de dar transparência e, (b) dia a dia: é engolido pelo operacional, deixando passar pontos-chave da gestão do negócio.

Alto turn over e clima organizacional, mudanças regulatórias e também alguns indicadores financeiros muitas vezes não são óbvios de serem reportados, mas podem conter premissas essenciais e que podem mudar o vento da startup abruptamente. Para um barquinho que acabou de se jogar em alto mar, qualquer vento contrário atrapalha a jornada.

O ideal é ter um calendário preestabelecido anualmente de reuniões de conselho mensais para apresentação dos resultados com pautas fixas, por exemplo: resultados financeiros da companhia, mapeamento da concorrência, resultados do canal de denúncias, mudanças regulatórias, tributárias ou gerais de mercado e, consequentemente, da matriz de riscos, resultados dos comitês de apoio como o de auditoria, crise, de clientes, entre outros.

Ao contrário do que se pensa, nem só de Ebitda vivem as reuniões de conselho, mas de pautas relacionadas a perpetuidade da empresa como estratégia de clientes.

4. Definir valores e princípios de ética e transparência pelo qual a startup irá se guiar, em especial com relação no tratamento das pessoas, buscando estimular a diversidade e oportunidades para todos

Cultura forte e pessoas engajadas são a maior força motriz de uma empresa de tecnologia em estágio inicial. Ter as pessoas-chave mapeadas e alocadas nas atividades e direcionamentos corretos deve ser prioridade, já que no início, principalmente, o capital é escasso e não dá pra ter a chance de errar na contratação.

“Fazer mais com menos” é a maior ilusão que já escutei (muitas vezes como mantra) na minha carreira. O importante é fazer o que deve ser feito com as pessoas certas conforme o momento da companhia. E isso é uma arte na gestão de pessoas.

Dessa forma, não desmereça a importância de contratar um gestor de RH forte. Se a decisão de trazer esses profissionais está pautada no tamanho do investimento, a estratégia de sobrevivência da startup não está mapeada.

Estabelecer políticas transparentes de Stock Options, diretrizes e contratação e modelo de trabalho reforçam a cultura da empresa e evitam desencontros de informação.

Além disso, um plano de continuidade das principais atividades da empresa é ideal: muitas vezes no início, uma “área inteira” fica concentrada em apenas uma pessoa (um designer, advogado, etc), e perde-lasem plano B, pode afetar inclusive lançamentos de produto, prejudicando a relação de confiança com os investidores.

Co-founder e CRO do Bankly desde 2019. Especialista em finanças e economia com bacharelado em economia na Universidade Federal de Santa Catarina (2010); intercâmbio bilateral em Ciências Econômicas e Empresariais na University of A Coruna (2010); MBA e gestão de comércio exterior e negócios internacionais pela Fundação Getulio Vargas (2012); MBA executiva de economia da ExxonMobil Business Academy (2014); Mestre em Administração de Negócios pela Coppead UFRJ (2016) e Business Dynamics da MIT Sloan School of Management. Atua desde 2014 no mercado financeiro e aborda os seguintes temas: Banking as a service, Open Banking, embedded finance, pix, moedas digitais, finanças descentralizadas, fintechs, empreendedorismo feminino, entre outros.
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Co-founder e CRO do Bankly desde 2019. Especialista em finanças e economia com bacharelado em economia na Universidade Federal de Santa Catarina (2010); intercâmbio bilateral em Ciências Econômicas e Empresariais na University of A Coruna (2010); MBA e gestão de comércio exterior e negócios internacionais pela Fundação Getulio Vargas (2012); MBA executiva de economia da ExxonMobil Business Academy (2014); Mestre em Administração de Negócios pela Coppead UFRJ (2016) e Business Dynamics da MIT Sloan School of Management. Atua desde 2014 no mercado financeiro e aborda os seguintes temas: Banking as a service, Open Banking, embedded finance, pix, moedas digitais, finanças descentralizadas, fintechs, empreendedorismo feminino, entre outros.
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