La Niña e o risco de oferta do milho safrinha: o retorno de uma ameaça conhecida
A nova temporada do milho safrinha brasileiro nasce sob um pano de fundo climático que, embora não dramático à primeira vista, contém elementos suficientes para ampliar a percepção de risco entre agentes de mercado.
As condições já instaladas de La Niña – com anomalias de temperatura entre -0,5°C e -0,7°C na região Niño 3.4 – configuram um ambiente de maior variabilidade atmosférica durante o verão, seguido de transição para neutralidade no início do outono.
A combinação entre La Niña moderada e o subsequente regime neutro não é trivial: historicamente, ela se associa a alternâncias de chuva e seca dentro da mesma estação, tornando mais errática a disponibilidade hídrica no momento em que o milho demanda estabilidade.
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Essa característica tem implicações estruturais para o ciclo produtivo do safrinha. Em um cenário típico, o estabelecimento da cultura tende a ocorrer com umidade razoável, permitindo a expansão vegetativa. O problema emerge à medida que a planta avança para as fases reprodutivas – pendoamento, florescimento e início da granação (VT–R3) –, exatamente quando os efeitos climáticos tornam-se mais voláteis.
Neutralidade, ao contrário do que o termo sugere, não é sinônimo de equilíbrio; nos anos neutros, a atmosfera é propensa a oscilações intrassazonais, materializadas em veranicos alternados com acumulados pontuais de precipitação, deslocamentos irregulares de frentes frias e episódios de chuva concentrada seguidos de pausas prolongadas. A cultura, que demanda regularidade, passa a operar sob incertezas.
Em contextos semelhantes, o risco não é teórico. O ciclo 2017/18 oferece um precedente eloquente. Naquele período, a La Niña fraca estabeleceu-se entre setembro e novembro, migrando para neutralidade entre março e maio, início do outono brasileiro.
A safra então experimentou uma primeira etapa favorável: desenvolvimento vegetativo robusto e bom estabelecimento das lavouras. Contudo, a partir de abril, a falta de regularidade das chuvas converteu-se em estresse hídrico justamente nas fases mais sensíveis.
As consequências foram severas: quedas de produtividade de -27% no Mato Grosso do Sul, -11% em Goiás, -10% no Paraná e -9% em São Paulo. No agregado nacional, a redução atingiu -9%, refletindo a incapacidade do sistema produtivo de compensar a deterioração climática quando o desenvolvimento do milho já entrou em rota de exigência fisiológica máxima.
Essa experiência ilustra com clareza a armadilha do atraso no plantio. Quando o produtor empurra a semeadura para fora da janela ideal – no Centro-Oeste, tradicionalmente entre janeiro e início de março –, desloca fases críticas para um período inevitavelmente menos favorável.
O milho passa a enfrentar a deterioração progressiva de quatro fatores-chave: radiação solar, fotoperíodo, temperatura e disponibilidade hídrica.
O primeiro a se degradar é a radiação solar. O pico luminoso, alcançado no verão, dá lugar a um outono de menor intensidade. Plantios tardios comprimem as fases de maior demanda energética – do vegetativo avançado (a partir de V10) ao pendoamento – para momentos de luz insuficiente. O resultado é fotossíntese restrita, acúmulo de biomassa reduzido e limitação no tamanho e na formação das espigas.
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O encurtamento do fotoperíodo, por sua vez, não altera a biologia básica do milho – que não é fortemente fotossensível –, mas acelera o avanço das plantas para o florescimento (R1). A redução do tempo diário de exposição solar diminui a área foliar e compromete a interceptação de luz, pressionando o potencial produtivo antes mesmo que a planta alcance pleno vigor vegetativo.
Em seguida, a queda de temperatura típica do outono afeta a sincronização entre pendoamento (VT) e espigamento (R1), reduzindo a eficiência da polinização. Durante o enchimento de grãos (R2–R3), temperaturas subótimas freiam a deposição de amido, diminuindo o peso final dos grãos – uma penalização silenciosa, mas determinante.
A variável hídrica, entretanto, concentra o risco mais contundente. A transição para a estação seca expõe lavouras tardias a veranicos justamente entre VT e R2, fase em que a falta d’água provoca abortamento de flores, má fecundação e redução do número de grãos por espiga.
Se a escassez se prolonga até R3–R5, os efeitos atingem o transporte de fotoassimilados e o peso individual dos grãos. Nesse ponto, a produtividade deixa de ser uma questão de manejo e converte-se em refém do calendário e do regime climático.
A safra 2017/18 comprovou esse mecanismo: atrasos no plantio, decorrentes do alongamento da colheita de soja, encerraram a janela ideal. Parte dos produtores desistiu do safrinha; outros avançaram, mas com pacotes tecnológicos de menor qualidade, amplificando as perdas.
O ambiente que se desenha para 2025/26 reproduz muitas dessas premissas. La Niña moderada no verão, transição para neutralidade no outono, maior variabilidade atmosférica e um ciclo de plantio no limite do tolerável para os estados mais expostos – esse conjunto não impõe, por si só, uma catástrofe, mas constrói uma matriz de risco que o mercado não pode ignorar. E esse risco não é linear: ele é cumulativo, gradativo e se manifesta justamente quando a planta deixa de responder a estímulos corretivos.
Para o empresariado do agronegócio, a mensagem central não é alarmista, mas estratégica. O milho safrinha opera sob um regime climático que testa a disciplina do calendário e a capacidade de antecipação. Em um ano em que o risco de irregularidade de chuvas coincide com fases decisivas de desenvolvimento, a alocação de capital, a gestão operacional e até a postura comercial exigem prudência adicional.
La Niña não é o inimigo direto; é o vetor de instabilidade que, combinado ao atraso de plantio, transforma potenciais produtivos em quadros de oferta constrangida. E no milho – commodity de relevância nacional e vértice crítico de cadeias de proteína, energia e exportação –, gargalos de oferta reverberam muito além da fazenda.