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Larissa Quaresma: A reflexividade do ESG

31 ago 2021, 11:32 - atualizado em 31 ago 2021, 11:32
“A reflexividade faz sua bela valsa também no ESG, confundindo causas, consequências e interferências do observador” diz a colunista.

A análise de uma empresa sob os critérios ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) pressupõe a existência de uma série de métricas em cada uma dessas esferas, métricas essas que variam de acordo com o setor. Essas medidas, como o volume de emissão de gases de efeito estufa pela indústria siderúrgica, o nível de satisfação dos funcionários de uma empresa de saúde ou o formato de remuneração dos executivos, são largamente opcionais na divulgação de informações pelas companhias (com algumas exceções, quase todas no campo da governança).

O analista que busca avaliar as empresas sob a ótica ESG depende, ao largo, da boa vontade das empresas na divulgação dessas informações. A situação é tal que a mera existência de um relatório de sustentabilidade já é, em si, uma sinalização positiva do seu compromisso. O que é um pouco tosco, porque os sinais verdadeiramente positivos deveriam ser a melhora dos indicadores na comparação com os pares.

O que me leva à questão filosófica de hoje. Qual é o mais provável dentre os cenários abaixo?

  1. i)           o ESG é uma das causas da excelência para as empresas; ou
  2. ii)         as empresas excelentes são tão boas nos seus negócios que podem se dar ao luxo de olhar para o impacto delas nas esferas ESG?

A determinação de um evento como causa ou consequência é uma tarefa difícil na seara dos investimentos. Como muitas vezes é o caso, a reflexividade toma conta dos mercados, tanto sob a perspectiva da empresa quanto dos investidores.

Do lado das empresas, aquela que age no seu negócio com a perspectiva ESG começa a mandar sinais positivos para o mercado — seja porque isso é visto como um bom indicador de performance futura, seja porque mostra uma operação redonda a ponto de permitir essa investida. 

Do lado dos investidores, que começam a integrar o ESG nos seus modelos mentais de análise, de forma bem séria inclusive, as avaliações acabam os levando para os nomes que: i) têm transparência suficiente sobre o tema; e ii) mostram indicadores melhores que seus concorrentes. Via de regra, os investidores convergem para os mesmos nomes.

Aqui no Brasil, estamos falando de Natura, WEG, Ambipar e companhia, entre outros. Como sabemos, o alfa é criado ao enxergar algo antes dos demais investidores (mas isso é papo para outro Day One).

Meu ponto, hoje, é que o tema tomou uma proporção tal, tanto do ponto de vista causal (ou sequencial?), que sua reflexividade já não pode ser ignorada pelo investidor.

É o princípio da incerteza de Heisenberg: o observador não consegue analisar o objeto em estudo sem alterá-lo, como consequência inevitável do próprio estudo. Esse axioma se aplica perfeitamente aos parâmetros ESG.

O investidor converge para os mesmos nomes, que ganham notoriedade e conseguem captar dinheiro mais barato, vide a emissão recente de bonds verdes da Natura, os quais reduziram o custo da dívida da companhia a uma fração do que era antes.

Com dinheiro mais barato, a empresa tem mais facilidade para investir em projetos de expansão, que fazem os lucros crescerem, o que, por sua vez, mais cedo ou mais tarde, chega ao olhar do investidor, que passa a reavaliar aquela empresa com novos múltiplos (mais altos).

A reflexividade faz sua bela valsa também no ESG, confundindo causas, consequências e interferências do observador. Não importa. O resumo disso tudo é que quem faz ESG não está vendendo o almoço para comprar a janta.

Um abraço,

Larissa

empiricus@moneytimes.com.br