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Larissa Quaresma: Os pregões não se importam com a sua inteligência

19 out 2021, 13:17 - atualizado em 19 out 2021, 13:17
“Atualmente, o vento macro desfavorável está pegando as empresas que dependem de juro baixo para o curso sadio dos seus negócios”, diz a colunista

Em investimentos, pouco importa o seu QI. Assumindo que você tem uma capacidade lógica mínima, sua inteligência não será um diferencial ao investir. 

É um jogo de resultados: você é tão bom quanto seu último trade. O mercado é implacável.

As habilidades diferenciativas estão mais no campo das soft skills. Humildade intelectual: reconhecer o que você não sabe. Diligência: ir atrás de informação com afinco e profundidade. Disciplina: poupar e investir com consistência. Capacidade de correr riscos: saber que algumas apostas serão erradas, inevitavelmente.

“Nesse negócio, se você for excepcional, acertará seis em cada dez vezes. Você nunca vai estar certo nove em cada dez. Isso não é como ciência pura onde você diz ‘Aha’ e tem a resposta. Quando você tem o momento ‘Aha’, a ação já quadruplicou. Você tem que se arriscar um pouco.” (Peter Lynch)

Durante o tempo em que Lynch foi gestor do Magellan, da Fidelity Investments, o fundo entregou uma rentabilidade anual média de 29% (de 1977 a 1990).

Qual é o segredo para entregar tanto retorno, mesmo errando 4 em cada 10 apostas?

Palavras de Peter Lynch: “Nos momentos em que você está certo, isso deve superar seus erros. Então você tem que encontrar os grandes vencedores”.

Ontem, os acionistas do Santander Brasil (SANB11) tiveram um gostinho de como é estar com um desses vencedores. Os sócios do banco receberam as ações da Getnet (GETT11) como parte do processo de separação e listagem desse ativo, que compreende as atividades de adquirência (maquininhas de cartão) do conglomerado. No seu primeiro dia de negociação, GETT11 subiu 64%. Santander Brasil é uma das maiores posições do book de ações da Carteira Empiricus.

Se você não opera com informação privilegiada (o que é crime, só para constar), precisa de muito trabalho para identificar os “grandes vencedores”. Ir a fundo nos balanços, avaliar a capacidade financeira da empresa para fazer projetos de expansão, especular intelectualmente sobre o sentido de fazer combinações de negócios com outras empresas, analisar as entrevistas dos gestores e conversar com eles para entender sua capacidade de entregar retornos e crescimentos acima da média. 

A gestão do Santander já vinha comunicando o mercado do processo de separação e listagem da Getnet desde o início do ano. Era parte da nossa tese de investimentos no banco, parte essa que acaba de se realizar. Por ora, foi um vencedor.

Achar os vencedores envolve um conjunto de análises quantitativas, qualitativas e, talvez o mais importante, muitas conversas. É importante ouvir os que discordam de você, porque ninguém tem o direito divino de estar certo. É preciso testar suas convicções antes que os pregões o façam. Passado esse ponto, só resta reconhecer a perda (ou o ganho).

Banco Pan (BPAN4) foi outro desses vencedores. Em meados deste ano, o banco passou a ser 100% controlado por um ente privado, o BTG Pactual (BPAC11), depois de este ter comprado a participação da Caixa no negócio. Isso elevou para outro patamar as perspectivas de crescimento do negócio, que ganhou uma outra velocidade nas mãos de um banco privado — e dos bons.

Como foi o caso com Santander, a gestão do BTG já vinha sinalizando publicamente a intenção de se tornar controlador do Pan, há bastante tempo antes do anúncio. Mas o mercado nunca parece ter acreditado muito na ideia, dada a reação do papel: a cotação mais que dobrou nos dois meses subsequentes ao anúncio. Tinha gente esperando o Pan mudar de mãos para comprar: foi o momento “Aha”, e quem entrou depois dele deixou dinheiro na mesa.

É preciso assumir riscos.

O outro lado dessa moeda, porém, são as perdas inevitáveis.

Por vezes, vamos errar pelo microeconômico: a empresa não entregou o que estávamos esperando. Um clássico erro de tese.

Em outras vezes, vamos errar pelo timing macroeconômico: execução impecável, mas o momento jogou contra. No Brasil, esse erro é particularmente comum, dada a volatilidade da nossa economia. Como disse Paolo di Sora, CIO da RPS Capital e nosso entrevistado do RadioCash de hoje: “Não dá para ser o Warren Buffett no Brasil. Vivemos numa economia instável, diferentemente do Buffett, que investe na economia mais estável do mundo. Aqui, é preciso casar o macro com o micro, e temos que ser flexíveis para adaptar nosso cenário continuamente. Aqui, a frequência das mudanças é muito maior”.

Atualmente, o vento macro desfavorável está pegando as empresas que dependem de juro baixo (ou descendente) para o curso sadio dos seus negócios. Estamos falando de B3 (B3SA3), que entrega retornos ao acionista excepcionais ao longo de décadas, mas que o mercado interpreta que depende de juro baixo para continuar prosperando. Ou de incorporadoras específicas, como Mitre, que executam bem, mas que são penalizadas por um juro mais alto.

Mas tenhamos calma e, como diz o Felipe, não sejamos ingênuos. O investidor se antecipa, e os preços atuais já estão refletindo a expectativa do juro: B3 cai 34% no ano; Mitre, 51%. Quando o macroeconômico virar a favor delas, o que seria o momento “Aha” para essas teses, entrará um grande fluxo nesses papéis — mas que entrará tendo deixado um caminhão de rentabilidade para trás.

É preciso correr determinados riscos. 

Mas não se engane: eu, você, nós vamos errar.

Só não erre grande demais.

Um abraço,

Larissa

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