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Licenciamento ambiental no Brasil rural: Reforma ou retrocesso?

09 jun 2025, 12:55 - atualizado em 09 jun 2025, 12:58
licenciamento ambiental agro (1)
(iStock.com/Murilo Gualda)

A recente aprovação do Projeto de Lei nº 2.159/2021 no Senado Federal reacende o debate sobre o licenciamento ambiental no Brasil, especialmente no setor agropecuário.

Proposto como uma lei geral para uniformizar o processo de licenciamento em todo o território nacional, o PL visa substituir a atual Resolução CONAMA nº 237/1997, ainda em vigor como principal referência normativa.

Trata-se de uma mudança significativa para o campo, que hoje enfrenta uma colcha de retalhos regulatória, com critérios divergentes entre estados, muitas vezes sem a necessidade de licenciamento para determinadas atividades agropecuárias.

A proposta legislativa não surgiu de forma repentina. Desde 2004 tramitam projetos com o mesmo objetivo, como o PL nº 3.729. Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o texto, que foi posteriormente modificado pelo Senado e agora aguarda revisão final na Câmara. O foco central está na tentativa de compatibilizar desenvolvimento econômico com segurança jurídica e sustentabilidade.

Essa trajetória legislativa demonstra não apenas a complexidade do tema, mas também o interesse reiterado do Estado brasileiro em conferir maior racionalidade ao sistema ambiental, historicamente marcado por assimetrias federativas e procedimentos burocráticos onerosos.

Licenciamento ambiental no agro

No contexto do agro, o projeto propõe a classificação de atividades em dois grupos: Aquelas isentas e não isentas de licenciamento ambiental.

Atividades de pecuária intensiva, com maior potencial poluidor, seguem passíveis de licenciamento, enquanto atividades de agricultura e pecuária extensiva ou semi-intensiva seriam isentas. Essa proposta busca conferir padronização nacional a critérios que hoje variam amplamente.

Tal sistemática tem o potencial de simplificar a vida do produtor rural, sem prescindir dos instrumentos de controle ambiental eficazes. Ao mesmo tempo, uma delimitação clara das categorias de uso da terra e dos respectivos instrumentos de gestão ambiental favorece a transparência e a previsibilidade jurídica.

Exemplos concretos mostram o caos regulatório atual: em São Paulo, a silvicultura é dispensada de licenciamento até 1.000 hectares; em Minas Gerais, o mesmo limite exige licenciamento simplificado; no Espírito Santo, qualquer área acima de 100 hectares exige licenciamento.

Essa assincronia compromete a eficiência da política ambiental e cria inseguranças para o produtor. A multiplicidade de exigências e interpretações administrativas locais pode não apenas encarecer projetos sustentáveis, como também desestimular investimentos privados em determinadas regiões do país. Ao tentar sanar esse quadro de insegurança, o PL nº 2.159/2021 assume um papel de equalizador institucional e promotor de competitividade.

A Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC)

Outro ponto relevante é a introdução da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que, embora seja uma novidade no âmbito federal, já é adotada em estados como São Paulo, Santa Catarina e Bahia.

O PL propõe que atividades de pecuária intensiva de médio porte possam ser licenciadas via LAC, enquanto as de pequeno porte ficam a cargo da regulamentação estadual. A inclusão da LAC no PL nº 2.159/2021 representa, portanto, uma formalização nacional de uma prática já consolidada nos estados.

Essa inclusão também reflete uma tentativa de superação do modelo trifásico tradicional (LP, LI e LO), que, além de burocrático, não encontra paralelo obrigatório em experiências internacionais.

No direito comparado, predomina a lógica de autorizações únicas adaptadas ao grau de impacto da atividade, o que evidencia que o processo trifásico brasileiro, muitas vezes, representa um obstáculo desnecessário à eficiência administrativa. Essa modernização pode favorecer a transição para um sistema mais inteligente de licenciamento, com uso de dados digitais, inteligência territorial e automação de análises técnicas.

Não se trata, portanto, de uma liberalização irrestrita. Mesmo as atividades isentas devem estar em conformidade com o Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012).

Todos os produtores precisarão manter o Cadastro Ambiental Rural (CAR) atualizado, regularizar APPs e Reservas Legais, e, quando for o caso, aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Nesse sentido, o texto do PL nº 2.159/2021 estabelece um vínculo direto entre a política de uso da terra e o cumprimento das normas de proteção da vegetação nativa. Tal vinculação é rara em legislações internacionais, onde as regras florestais costumam ser tratadas em dispositivos separados dos instrumentos de licenciamento ambiental.

No caso da produção de bioinsumos, a nova Lei nº 15.070/2024 permite sua produção on farm, exigindo apenas manual de boas práticas e cadastro. No entanto, o PL nº 2.159 não contempla isenção para essa atividade, o que sugere a necessidade de licenciamento ambiental, ainda que de baixo impacto. Isso evidencia uma lacuna entre as normativas, cuja harmonização será essencial.

O direito comparado reforça a singularidade protetiva do modelo brasileiro. Nos EUA, apenas instalações de produção pecuária intensiva precisam de autorização ambiental, centrada no controle de efluentes. Na África do Sul, o foco é na conversão do uso do solo acima de determinados limites. Na Austrália, o licenciamento se aplica a atividades que atinjam áreas ambientalmente sensíveis, com regulamentação variando entre estados.

O Brasil se destaca por integrar exigências florestais ao licenciamento ambiental e por adotar um modelo trifásico. Essa estrutura rigorosa, se por um lado aumenta a complexidade administrativa, por outro protege efetivamente biomas e recursos naturais. Por isso, o PL nº 2.159, ao propor modernizações, não representa um retrocesso, mas uma tentativa de organizar o sistema, respeitando diretrizes constitucionais.

Incertezas jurídicas

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou sobre o princípio da vedação do retrocesso ambiental. Na ADC 42, o voto do ministro Gilmar Mendes afirmou que esse princípio não é absoluto, não podendo bloquear toda e qualquer atualização legislativa. Isso foi reiterado pelo ministro Celso de Mello. Dessa forma, o PL não viola a Constituição ao propor isenções em linha com o Código Florestal.

Contudo, há pontos de atenção. A proposta de utilizar a LAC para atividades de médio impacto pode ser considerada inconstitucional com base no precedente da ADI 6618, no qual o STF definiu que licenciamento simplificado somente pode ser usado para atividades de baixo impacto. Em estados como São Paulo e Santa Catarina, essa é a prática de licenciamento simplificado só para baixo impacto vigente.

O desafio, portanto, é encontrar um equilíbrio entre segurança jurídica, proteção ambiental e desenvolvimento do setor agropecuário. A futura lei geral de licenciamento ambiental, se aprovada com os devidos ajustes, terá potencial para harmonizar normas e garantir previsibilidade a produtores, sem renunciar à proteção do meio ambiente.

Para que isso se concretize, será imprescindível a implementação efetiva do Código Florestal, com a validação dos CARs e execução dos PRAs. O licenciamento ambiental será apenas uma das ferramentas de uma governança territorial mais ampla, na qual a sustentabilidade seja condição para a produtividade e não seu obstáculo.

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Advogado. Professor e pesquisador do FGV Agro e FGV Bioeconomia. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado. Professor e pesquisador do FGV Agro e FGV Bioeconomia. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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