Mãe admite investir sobras da pensão e Justiça de Limeira reduziu valor mensal

O valor era alto: 14 salários mínimos por mês. Segundo o pai, a quantia ultrapassava o necessário para cobrir as despesas das duas filhas. A suspeita foi confirmada em audiência, quando a mãe admitiu manter uma aplicação financeira de R$ 200 mil, sendo R$ 150 mil provenientes das sobras da pensão paga pelo ex-marido.
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O caso foi analisado pela Justiça de Limeira (SP), que decidiu reduzir o valor mensal repassado ao sustento das crianças. No despacho judicial, o magistrado apontou “evidente excesso” e “enriquecimento sem causa” por parte da genitora.
De acordo com a decisão da Vara de Família e Sucessões, a pensão alimentícia deve cobrir alimentação, educação, saúde, vestuário, lazer e moradia, não podendo ser utilizada como meio de acúmulo patrimonial pessoal.
A sentença reduziu o valor mensal e destacou que usar sobras da pensão para aplicações financeiras próprias contraria a finalidade social dos alimentos.
O que significa “enriquecimento sem causa”
O termo “enriquecimento sem causa”, previsto no artigo 884 do Código Civil, é aplicado quando uma pessoa obtém vantagem patrimonial injustificada às custas de outra.
Na prática, explica Marina Dinamarco, sócia do escritório Marina Dinamarco – Direito de Família e Sucessões, isso não significa que guardar dinheiro seja proibido, mas que a pensão não deve se transformar em fonte de renda paralela.
“A pensão alimentícia não se restringe à alimentação. Ela cobre todas as despesas necessárias para manter o padrão de vida de quem é dependente — escola, saúde, lazer, transporte, moradia”, diz Dinamarco.
“Mas o valor deve refletir necessidades reais e não gerar sobras sistemáticas que se transformem em patrimônio pessoal.”
Quando o valor é considerado “excessivo”
Segundo Júlia Moreira, sócia da área de família do PLKC Advogados, a Justiça utiliza um trinômio clássico para definir o valor da pensão:
- Necessidade do alimentado (filho ou dependente);
- Possibilidade financeira de quem paga;
- Proporcionalidade entre as duas partes.
“Um valor é considerado excessivo quando ultrapassa as necessidades reais do dependente ou compromete de forma desproporcional a renda do alimentante”, explica a advogada.
Ela acrescenta que o valor não precisa se limitar apenas às despesas comprovadas, podendo incluir uma margem de segurança para custos imprevistos — como saúde, educação ou lazer — desde que em benefício direto do dependente.
E quando sobram valores da pensão?
Guardar parte da pensão não é ilegal nem imoral, desde que o dinheiro seja usado em favor do dependente, como em fundos de estudo ou reservas para emergências médicas. Mas se as aplicações forem feitas em nome do responsável ou destinadas a fins pessoais, a situação muda.
“Aplicações financeiras podem ser vistas como planejamento legítimo. Mas, se o dinheiro é usado para outro fim, isso pode ser interpretado como desvio de finalidade”, pontua Júlia Moreira.
O simples fato de haver sobras não implica redução automática da pensão. A revisão só é possível se houver prova de acúmulo injustificado ou discrepância entre o valor pago e as necessidades reais dos filhos.
O que diz a lei sobre devolver valores pagos a mais
A devolução de pensão — ou o ressarcimento de valores pagos além do necessário — é rara e restrita.
Segundo Dinamarco, os alimentos são, em regra, “irrestituíveis”.
“Mesmo que se constate pagamento acima do necessário, presume-se que o valor foi gasto em benefício do alimentado”, explica.
A devolução só é admitida em situações excepcionais, como fraude, erro judicial ou recebimento indevido após cessar a necessidade. Fora dessas hipóteses, não há direito a reembolso.
Prestação de contas: o que pode ser feito
Quando há suspeita de desvio ou acúmulo indevido, o pagador da pensão pode ingressar com uma ação de prestação de contas.
De acordo com Marina Dinamarco, essa medida não gera crédito ou débito, mas pode fundamentar um pedido de revisão do valor.
“Se houver discrepância entre os gastos efetivos e o valor pago, o alimentante pode pedir revisão judicial. É um instrumento de transparência, não de punição”, explica.
O mito dos 30%
Outro ponto abordado por Dinamarco é a crença de que a pensão deve equivaler a 30% da renda do alimentante.
“Isso não é regra. É apenas uma média jurisprudencial”, destaca. “O problema é que, muitas vezes, o pai paga 30%, e a mãe acaba comprometendo 100% da própria renda com os filhos — o que é um desequilíbrio evidente.”
Para a advogada, cada caso deve ser analisado individualmente, levando em conta a realidade financeira das partes e as necessidades concretas dos dependentes.
Poupança ou desvio?
O caso julgado em Limeira traz à tona uma discussão sensível sobre a gestão da pensão alimentícia.
Quando o dinheiro é usado como investimento pessoal, a fronteira entre planejamento e abuso pode se perder.
“A pensão é um direito dos filhos, não um bônus do responsável. O dinheiro deve circular — não render em benefício próprio”, resume Júlia Moreira