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Marcelo Cabral: O alerta que vem da China e a fragilidade da recuperação global pós-Covid

04 ago 2021, 12:07 - atualizado em 04 ago 2021, 12:07
Bandeira da China
Indicador antecedente: China foi o primeiro país a sair da crise da Covid-19, e o primeiro a desacelerar, e deve servir de alerta para os investidores (Imagem: Freepik/www.slon.pics)

Depois de crescer fortemente no início do ano, a economia da China dá sinais de enfraquecimento. A taxa de expansão do PIB caiu de 18,3% no primeiro trimestre para incríveis 7,9% no segundo trimestre. Para sustentar essa recuperação, o banco central chinês injetou US$ 150 bilhões de liquidez no mercado por meio de um corte no compulsório bancário. A medida, pouco usual, indica preocupação com a falta de vigor da economia. A segunda maior economia do mundo pode estar prestes a iniciar um novo ciclo de afrouxamento monetário.

O forte crescimento do gigante asiático no início deste ano é explicado pela reabertura econômica e pela recuperação da demanda reprimida pela pandemia. No entanto, na medida em que a atividade se normaliza, os problemas estruturais voltam a se manifestar. Ano após ano, há mais de uma década, as taxas de crescimento do PIB chinês são cada vez menores, expondo uma gradual exaustão do modelo de crescimento baseado na expansão do crédito, investimentos em infraestrutura e exportações.

Em 2019, o crescimento do PIB da China foi de 6,3%, o pior em 30 anos — e muito abaixo da média do “milagre chinês” (cerca de 9,5% desde o fim dos anos 1970). Ou seja, antes mesmo da pandemia, o país já apresentava franca desaceleração. Beijing havia identificado o endividamento excessivo como principal ameaça para a estabilidade econômica e vinha introduzindo restrições ao aumento do crédito. No entanto, diante da pandemia, o governo foi obrigado a reverter as medidas de austeridade.

Desafio complexo

O desafio que a China enfrenta é complexo: por um lado, precisa sustentar a recuperação da economia; por outro, precisa reduzir o endividamento das empresas e desinflar a bolha de crédito. No médio prazo, somam-se outros problemas: o país precisa dissipar tensões geopolíticas com os Estados Unidos e com a Europa, aumentar a produtividade dos investimentos em capital fixo e acelerar a transição para um modelo econômico menos dependente de exportações.

Tudo isso tem afetado o mercado. As ações chinesas caíram 20% em dólares desde meados de fevereiro, apresentando o pior desempenho entre mercados emergentes em 2021, de acordo com o MSCI China Index. Recentemente, o contágio chegou ao mercado de renda fixa, onde os títulos high-yield de emissores chineses estão em forte queda.

Para países produtores de commodities, como o Brasil, a desaceleração da China é uma péssima notícia. As exportações brasileiras são altamente dependentes do ciclo de preço desses recursos e se esse parceiro comercial perder vitalidade, provavelmente haverá menor crescimento e enfraquecimento da moeda.

Segundo o boletim trimestral da Balança Comercial Brasileira, publicação recente da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), os termos de troca do Brasil — relação entre o preço dos produtos exportados e o preço dos produtos importados — aproximaram-se da máxima histórica em junho.

Investidores devem ficar atentos

Mais uma vez, confirmou-se no mercado a forte correlação entre termos de troca, taxa de câmbio e Índice Bovespa, que atingiu máxima histórica também em junho. Em outras palavras, se a desaceleração chinesa se confirmar, o mercado acionário e o câmbio provavelmente irão enfraquecer.

Com riscos aumentando a cada dia, os investidores precisam estar atentos para a fragilidade do ciclo de expansão global pós-covid. A China foi o primeiro país a sair da recessão e desacelerar logo em seguida. O mesmo deve acontecer em outros lugares. Nos Estados Unidos, a taxa máxima de crescimento deve acontecer no segundo trimestre do ano. Na Europa, isso provavelmente ocorrerá no terceiro ou no quarto trimestre.

Este ano, ao contrário de 2020, será necessário ajustar constantemente a alocação das carteiras de investimento. A conjuntura atual ilustra bem uma das vantagens de investir no exterior: a flexibilidade para mitigar riscos e capturar oportunidades em diversos países e em distintas condições de mercado. Sem diversificação internacional, ficamos reféns de um único país e de uma única moeda.

*Marcelo Cabral é gestor de investimentos internacionais e fundador da Stratton Capital

Gestor de investimentos internacionais e fundador da Stratton Capital
Marcelo Cabral tem 32 anos de experiência no mercado financeiro internacional. Foi presidente do Bradesco Europa, em Londres e Luxemburgo, da Bradesco Securities, em Nova Iorque, e vice-presidente do Morgan Stanley, do Credit Suisse e do J. P. Morgan também em Nova Iorque. Pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vive e trabalha no exterior desde 1989. Gaúcho com dupla cidadania, mora em Vermont (EUA), de onde comanda a Stratton Capital, uma gestora de investimentos vinculada a Charles Schwab, a segunda maior corretora do mundo. É licenciado pela Financial Industry Regulatory Authority, agência regulatória dos EUA.
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Marcelo Cabral tem 32 anos de experiência no mercado financeiro internacional. Foi presidente do Bradesco Europa, em Londres e Luxemburgo, da Bradesco Securities, em Nova Iorque, e vice-presidente do Morgan Stanley, do Credit Suisse e do J. P. Morgan também em Nova Iorque. Pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vive e trabalha no exterior desde 1989. Gaúcho com dupla cidadania, mora em Vermont (EUA), de onde comanda a Stratton Capital, uma gestora de investimentos vinculada a Charles Schwab, a segunda maior corretora do mundo. É licenciado pela Financial Industry Regulatory Authority, agência regulatória dos EUA.
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