Medicina dá dinheiro — e não só para os profissionais: A corrida de gigantes da educação pelo setor

Agosto foi marcado por duas aquisições de gigantes educacionais na frente de cursos de medicina. Enquanto a Cogna (COGN3) adquiriu a Faculdade de Medicina de Dourados, por R$ 54,4 milhões, a Yduqs (YDUQ3) comprou a Unifametro, por R$ 62 milhões.
Já a Ser Educacional (SEER3) não fez aquisições no oitavo mês do ano, mas teve durante ele um pedido de abertura de um novo curso, em Pernambuco, negado.
Todas essas notícias ilustram a corrida que as gigantes da educação listadas na Bolsa brasileira vêm travando por cadeiras do curso de medicina — que pode ser vista também em números.
Desde 2022, segundo o BTG Pactual, o número da base de estudantes da Afya saltou 43,2%, para 25.733. Em segundo lugar em crescimento vem a Ser Educacional, com alta de 38,9%, para 4.188. Em terceiro, a Yduqs, com alta de 35,3%, com sua base chegando a 10.193 estudantes.
Cruzeiro do Sul e Ânima vêm na sequência, com altas de 28,8%, para 5.839, e de 12,5%, para 12.193, respectivamente. A Cogna, recentemente, não divulgou sua base de estudantes de medicina.

Já a Afya, a única entre as grandes companhias brasileiras que foca só em medicina (e listada na Nadaq), teve seu número da base de estudantes do curso saltando ainda mais, de 17.968 no fim de 2022 para 25.733 no fim do segundo trimestre de 2025.
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As que ficaram pra trás vem correndo atrás do prejuízo. A Ser Educacional, hoje com a menor base de estudantes, segundo analistas do Itaú BBA, é a vencedora em 2025 quanto a novas vagas.
Desde dezembro do ano passado, o grupo obteve aprovações para abrir oito novos cursos de medicina, somando 480 vagas à sua base de cadeiras. Ela é seguida pela Cruzeiro do Sul (180 vagas), pela Cogna (110 vagas), e pela Ânima (50 vagas).
Segundo o BBA, a perspectiva de crescimento em medicina ajuda a explicar a valorização das ações da Ser Educacional em 2025, de mais de 100%. E o mercado seguirá, de acordo com os analistas, acompanhando as próximas dessas decisões do MEC.
Corrida por cadeiras em medicina
Na base do que gera a competição estão as altas demandas e a lucratividade do curso. A diferença da margem da Afya, que opera somente cursos de medicina, com as outras companhias do setor ajuda a ilustrar isso: a companhia, no segundo trimestre, teve uma margem Ebitda de 43,6%, contra 38,3% da Ânima, segundo lugar entre as empresas com mais cadeiras.
“Além do ticket alto, as faculdades de medicina, usualmente, têm taxas de evasão muito menores”, comenta Harold Takahashi, sócio fundador da Fortezza Partners, empresa especializada em fusões e aquisições. A boa remuneração dos profissionais formados no curso, ele explica, tendem a manter os estudantes na faculdade.
A corrida no setor acompanha também, em parte, mudanças na regulamentação.
Desde o fim de 2023, o Ministério da Educação atrelou o padrão decisório da aprovação de novos cursos ao programa Mais Médicos, atrelando a liberação de novas faculdades à carência de profissionais da saúde em uma região.
As companhias, para oferecerem cursos da área, precisam ter junto das instalações da faculdades hospitais com mais de 80 leitos, com potencial para se tornarem hospitais-escola, fora os atendimentos de urgência e emergência. Cada vaga, além disso, deve ter uma proporção mínima de cinco leitos do SUS.
A falta de infraestrutura necessária é, atualmente, o maior gargalo que existe para a oferta de novos cursos — e também o que explica as demandas e os altos tickets.
“O curso de medicina tem ticket alto em parte porque o MEC não libera novas vagas tão facilmente. Mas, nos últimos anos, algumas empresas vêm entrando na justiça para tentar buscar a liberação para abrir novos cursos”, conta Bruce Barbosa, sócio fundador da Nord.
M&As se tornam opção
Com o MEC barrando a liberação de novos cursos, grandes companhias vêm buscando aquisições para expandirem suas bases.
“Existe um limite de leitos existentes para a formação de residentes. É por isso que esses cursos estão sendo tão disputados entre essas empresas compradoras”, conta Harold Takahashi.
“Em 2023, cada cadeira de medicina era avaliada entre algo de R$ 2 a R$ 3 milhões. Neste ano, porém, já tivemos algumas sendo compradas por algo entre R$ 1 e R$ 2 milhões. Os juros pesaram nos valuations do setor”, completa.
As empresas com mais caixa aproveitam para ir às compras no momento de valuations depreciados.
A Yduqs e a Cogna, que foram às compras em agosto, tinham no final do segundo trimestre alavancagens de 1,66x e 1,22x, respectivamente – números menores do que o da Ânima, por exemplo, que tem uma alavancagem de 2,66x.
Já a Afya, com uma alavancagem menor do que 1x, em entrevista recente, afirmou que deve direcionar R$ 1 bilhão nos próximos anos para novas compras.
“As transações que estão saindo são daqueles que não querem esperar ou dos que foram mais criativos, criando cláusulas de compartilhamento de risco. Como há casos de judicialização por vagas no MEC, estamos vendo algumas compras nas quais os compradores colocam cláusulas de valores adicionais no caso de elas serem aprovadas”, explica Takahashi.
De qualquer forma, o consenso entre as companhias é de que o ganho de escala no curso de medicina ajuda a melhorar faturamento e margens.
Financiamentos
Por fim, quem também vem ganhando com o maior número de cursos de medicina são os financiadores – por conta do fim do Fies e já que a maioria das companhias, agora, evita emprestar para alunos após alguns resultados negativos.
“A gente está vendo um crescimento do financiamento bastante importante para o curso de medicina, que acompanha as vagas. Há dois anos, nós tínhamos menos de dez faculdades parceiras. Hoje são quase 40”, fala Rafael Piva, diretor de Finanças Corporativas e Governança da Pravaler, empresa líder no financiamento estudantil no Brasil.